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“Sua alma já havia sido comida. Somente esperava para ele vir lhe buscar, cobrando restos de um homem.”
MEADOS DE 1635
FRANÇA, PARIS
O VENTO AÇOITOU seus fios assim que se inclinou para retirar-se da carruagem com a ajuda de um bom cavalheiro — ou nem tanto —, devido a sua atrevida ação de ter feito uma vistoria completa por seus trajes, ou até mesmo por debaixo deles. Soltou a mão do homem com educação uma vez que seus pés tocaram o chão, e começou a caminhar ouvindo o chocalho de sua carruagem se distanciando.
A mulher andou com graça até a entrada do castelo de Sua Alteza Luís XIII. A construção bela era composta de cada detalhe sinuoso transmitindo os tempos sombrios e conflituosos de ideias que eles estavam passando. Versalhes era brilhante e perfeito como seu soberano, apesar da nobre dama que desfilou sobre o tapete vermelho sem ser percebida, julgasse ao contrário. O castelo era único e eterno, mas seu dono não. Era substituível, assim como seu antecessor.
Ela evitou olhar para o lado, seguindo com a cabeça erguida até onde o sol do reino descansava, absorvendo somente os sons de tintilar de copos, e dos instrumentos musicais mantendo a solenidade do local. Ela sabia, sentia, as pessoas derramando veneno nos ouvidos uma das outras compulsivamente sobre si. Tudo porque era uma nobre divorciada.
Fez uma ingestão de ar, ignorando seus pensamentos, e finalmente estava parada na frente do rei. Agarrou um punhado de tecido do vestido, o erguendo, abaixando a cabeça e cruzando com perfeição as pernas.
— Margot de La Fontaine, Sua Majestade, apresenta-se diante de vós — O cumprimentou, a voz baixa e suave, chamando a atenção do rei. — É uma honra ser convidada para apreciar essa noite festiva com o senhor.
— Agradeço sua presença, senhorita Fontaine. Espero que aprecie a noite — disse somente, voltando-se a se concentrar em sua conversa com o círculo de nobres em relação a guerra de trinta, quais ações eles deveriam tomar e qual lado defender.
Margot se dirigiu de imediato para o canto, furtando uma taça de vinho da bandeja de um mordomo que atravessou sua frente sem problemas. E apesar de seus esforços para não se destacar, todos estavam olhando para si devido a sua fama e má relação com seu ex-marido, e de seu delicado vestido amarelo decorado com babados, linhas excepcionais.
Bebericou de seu vinho, sendo discreta ao revirar os olhos diante daquelas atitudes.
Sim, ela se divorciou do homem escolhido de sua 'família' por causa da fome por liberdade, e o que isso fazia falta em suas vidas? Nenhuma, com toda certeza, uma vez que eles não estavam vivendo na sua pele. Julgar era fácil; procurar trocar de lugar com as pessoas, era difícil.
Porém, essas insignificâncias não importaram para ela.
Era a líder da família e tomava o caminho benéfico para ela.
Saiu de seus pensamentos, encontrando seu antigo público encarando com os olhos esbugalhados e boca aberta para a entrada iluminada. Uma rajada de vento misteriosa adentrou no recinto, permitindo que todos se encolhessem ainda mais. Muitos abriram caminho, e a melodia tão bela de antes cessou, restando murmúrios desconfortáveis de pessoas.
O batuque separado das solas de seus sapatos e da bengala reinando sobre o local, conquistou a atenção do rei, que ao virar rapidamente a cabeça para o portão, balançou seus cachos pretos falsos. Um sorriso amarelo surgiu em seu rosto ao enxergar o homem com cartola e roupas escuras quebrando a harmonia de seus tons sugeridos.
Não perdeu tempo para descontar seu desagrado em sua fala.
— Pensei que não nos agradaria com sua presença inquietante essa noite.
O nobre balançou sua bengala de forma divertida, mas ainda, de certa forma, melancólica. Seus lábios se entortaram para formar um sorriso sombrio, escondendo seu rosto com a cartola com a mão livre.
— Gosto de surpresas, meu rei — respondeu com sua voz rouca, cautelosa.
— Aproveite a noite. Ou não. É de sua escolha.
Apressou-se para cortar qualquer ligação com aquele homem, gesticulando com a mão para reiniciar a música. Os músicos com leveza, voltaram a produzirem bons belos, fazendo que aquela atmosfera pesada instalada fosse dissipada quase completamente. Os sorrisos falsos repugnantes se reiniciam na face dos nobres.
Riram e beberam. Comentaram e dançaram.
Ergueram seus teatros.
Menos Margot.
Foi a única que observou o homem da presença marcante desde que pisou no salão. A espectadora se manteve fiel até o momento em que as pessoas atravessavam o caminho do nobre de maneira rude — o empurrando ou lançando comentários desnecessários em relação a sua conduta e roupa —, e recebendo nada além do silêncio perfurante dele.
Engoliu mais de seu vinho, sem desviar a mirada do homem à sua frente.
Talvez estivesse louca por estar interessada em Roy Fevre, cujo os rumores dizia que tinha a alma constantemente comida pelo demônio. Havia feito um pacto com o rei do purgatório em troca de riqueza. Sem dúvidas um tolo por ter abraçado esse caminho tortuoso, contudo, ela não poderia ser juíza quanto aquilo uma vez que também tomou escolhas contrárias às permitidas na sociedade.
Mas não eram parecidos em nada.
Ela era ignorada pela corte, enquanto ele era um brinquedo, fantoche deles. Sempre usado para arrancar boas risadas, gerar rumores extravagantes que duravam semanas para desaparecerem e perturbação no meio social. Em poucas palavras, um bobo da corte, nascido nela.
Balançou a cabeça, desviando a mirada, inclinando-se para apoiar sua taça na mesa.
Decidida a mover-se pelo salão, deu um passo, mas algo macio e seco colidiu com o seu.
Levantou a cabeça, desculpando-se, e encontrou Roy Fevre parado à sua frente com um de seus sorrisos de arrepiar qualquer um. As linhas do rosto do homem eram suaves, belas, com longos fios negros se modulando e caindo sobre suas laterais e testa, retirando por alguns segundos a noção de realidade da senhorita Fontaine. Contudo, ela voltou com sua compostura, afastando-se.
— Não o vi, perdão, Sua graça — pediu, evitando encarar os abismos contidos no olhar negro do homem. Além disso, em seu âmago, perguntou-se como ele havia aparecido tão rápido na sua frente. A pouquíssimos segundos estava a sua frente, sendo humilhado com paciência.
— Tudo bem, senhora Fontaine — tomou um passo, deixando Margot em alerta. Entretanto, ela acalmou-se quando ele tirou a cartola, a aproximando em sua barriga, e abaixou a cabeça. — Me concede a honra de uma dança?
Primeira vez em sua vida que Margot havia ficado sem palavras, paralisando diante do convite.
Roy consertou a postura, a encarando, mas ela não sabia o que dizer.
Abriu a boca para lhe negar o pedido, mas uma força lhe empurrou para os braços do homem. Ela o olhou confusa e inocente, e procurando de escanteio quem tinha feito aquilo. A forçando aceitar o pedido, contudo, nada achou. Todos ao seu redor pareciam entretidos a música e bebidas.
— Isso foi um sim, certo? — perguntou Roy, puxando Fontaine para o meio do salão, tocando em sua cintura, entrelaçando suas mãos e logo a conduzindo de acordo com o som.
— Sim. A prova disso é que estou dançando com o senhor — respondeu sem medir as palavras, sendo estendida pelo homem, e rodando sobre seu eixo de modo hipnótico, lento, permitindo que todos vissem a delicadeza de seus passos depois de anos.
— Meu pedido foi incômodo? — seguiu com a conversa, sombras de arrependimento aflorando.
— Julga que sim? — foi sugestiva, agarrando o controle da dança, tomando um passo a frente, quase batendo seus peitos. Seus olhos se encontraram, e ela desafiou o escuro das orbes do homem.
— Não.
— Então não foi — reafirmou, vendo de escanteio as pessoas parando aos poucos dando-se conta da dança inusitada deles.
— A senhorita toma para si facilmente as palavras das outras pessoas?
Mais um passo, e giro. Mais alguns minutos até a dança acabar.
— Fui ensinada a dar o que elas querem. Ignorar e fingir são coisas simples para mim.
— Está satisfeita com isso?
— Sim — respondeu sincera —, e você, senhor Fevre?
Ele pareceu pensativo, e espreitou os olhos. Uma brisa suave os cercaram durante a dança.
— Não há nada mais em mim que possa ser ou esteja satisfeito, senhorita.
Margot franziu as sobrancelhas com sua resposta enigmática, sendo conduzida para um lado de forma rápida pelo homem. Prendeu a escapada de ar pelo movimento repentino, direcionando rapidamente os olhos para Roy. Seu toque quase falhou por alguns segundos quando o encontrou com partes do rosto revestido por carne pobre, sendo visitada por mosquitos e vermes, enquanto outra parte tinha apenas ossos. Ela engoliu a seco, perdendo lentamente a cor, enterrando suas reações.
Fechou os olhos e voltou a abrir, tudo voltando ao normal.
Até o sorriso excêntrico do homem.
Ela se sentiu aliviada, mas outra vez, quando o Roy a girou, voltou a vê-lo como um cadáver animado. A mão que lhes unia era úmida, molenga, restos de carne desprendendo. Margot apertou o músculo mole com mais força, tornando mais vívida a sensação molhada. Algo pequeno escorrendo em seus dedos. Não queria imaginar o que era.
— Tudo bem, senhorita? Está ficando pálida. — A voz de Fevre a trouxe de volta para a realidade.
Fontaine assentiu, o ritmo de seu peito acelerado, e o suor percorrendo sua pele.
— Desculpe, senhorita. Mas parece que me excedi.
Seus pés entraram em repouso, e Fevre se despediu ligeiro da dama, abandonando o recinto como se nunca estivesse presente. Naquele instante, deixada sozinha no meio da pista, perguntou se tudo o que havia visto tinha sido real. Levou suas mãos enluvadas ao peito, tentando se acalmar, ainda podendo absorver os detalhes horrendos criados muito provavelmente por sua mente fértil.
Ninguém permaneceria vivo naquele estado pútrido.
Era ilusão. Era mentira o que seus olhos moldaram.
Abraçou a possibilidade de ser invenção da sua cabeça, e tomou um passo, desejando chegar em casa. Passou poucos minutos no baile, mas já estava exaurida dos nobres, particularmente, de Roy Fevre que parecia empenhado em lhe deixar de cabeça para baixo.
Quase se retirando de Versalhes, alguém segurou com força seu pulso.
Ela tentou se mover, mas seus músculos não obedeciam. Abriu a boca para gritar, porém, o som não saiu. Com o toque desconhecido ela sentiu nua, exposta, de maneira imoral. Estava desconfortável, desespero lambendo seu corpo, coração assustado, machucando suas costelas.
"Gostou da minha obra de arte humana?"
Uma voz distorcida soprou em seu ouvido, cada uma das suas fibras tensionando.
Não deu nenhuma resposta, mas logo foi liberado do toque possesso.
Seu corpo foi de solavanco para frente, tropeçando em seus próprios pés. Sem forças em seus joelhos, se prostrou na entrada do castelo, inspirando todo oxigênio que ela conseguisse. Gotas d'água se projetando a sua frente, caindo diretamente de seu rosto. Não eram lágrimas, era suor. A visão se desfalcou, torcendo, girando, embrulhando o estômago da dama.
O que aconteceu? Quem era aquele?
Não houve tempo para pensar, pois seu cocheiro a chamou, confuso em vê-la caída no chão. O cavalheiro não fez cerimônias para ajudar sua ama a se colocar de pé, e a guiar até a carruagem. Morgot ainda parecia frágil mentalmente, com as pupilas dilatadas, buscando refúgio em seu corpo. Porém, ainda sim, se manteve atenta a tudo ao seu redor, pegando qualquer vestígio de anormalidade.
Suspirou, encostando a cabeça na janela da carruagem, relaxando sobre o tremular dela.
Contudo, conforme avançava a sua propriedade, as luzes dos postes foram enfraquecendo, até que sua carruagem fosse engolida pela escuridão. Ou quase. Restou a iluminação da luminária pendurada no veículo, balançando bem devagarinho. Com aquilo, seu cocheiro não se preocupou em seguir o caminho. Mesmo que ele julgasse inconveniente a luz desvanecendo justo naquele momento.
Apesar de seu servo estar despreocupado, a mulher estava inquieta desde que a iluminação sumiu de seus olhos. Virou a cabeça para o lado, mudou-se de local, encarou o teto. Não aguentando a própria angústia, puxou agressivamente a cortina da janela, tombando a cabeça para o lado, tendo a visão de seu funcionário cantarolando.
— Essa luz é suficiente, senhor? — aumentou o tom de voz devido a distância e o vento.
O homem não tirou os olhos da estrada, manejando as rédeas.
— Claro, senhorita. Eu poderia estar cego, mas saberia onde fica sua propriedade.
Ela acreditou, e voltou a ficar quieta em seu canto, tentando se livrar do mal pressentimento.
Mas não conseguiu. Não pode, na verdade.
A carruagem freou abruptamente, levando seu corpo para frente. Seu coração acelerou, e se agarrou aos panos de seda das janelas, impedindo de bater seu rosto em algum lugar ou até mesmo a cabeça acidentalmente.
Quando se inclinou, colocando a cabeça do lado de fora para perguntar o que havia acontecido, alguém puxou seus cabelos com tanta força que seu couro ardeu. O som de seu grito saiu surdo, perdido em meio ao ar, e as lágrimas queimaram no canto de seus olhos.
Se aquele que dominou fizesse um pouco mais de pressão duas coisas aconteceriam: ela perderia alguns tufos de cabelo ou sua vida. Porque seu pescoço torceu e latejava sem parar depois do movimento. Também não conseguia distinguir se era devido ao puxão.
"Eu lhe fiz uma pergunta antes, certo? Então, o que achou dele?"
Fontaine não queria responder nada, apenas desejava voltar para casa e esquecer do que aconteceu.
Margot se debateu, mas puxou com mais afinco, arrancando lágrimas da mulher.
"Oh, pobrezinha. Está doendo muito?"
Questionou em meio a um riso zombeteiro, fazendo que uma raiva enlouquecedora acendesse no interior da nobre, que jogou todo seu peso para trás, tentando o atingir, mas passou através dele. Algo sujo, cinzas rodopiavam a sua volta, à envolvendo, se reintegrando. Tinha um odor azedo forte, queimando suas narinas.
Antes de absorver qualquer ação, já havia sido virada, seu queixo sendo esmagado por dedos. Grunhiu sob o toque, retrocedendo, mas acabou vítima de um olhar oco, profundo, analisando-a. A alma de Margot berrou sob a análise, e ela se sentia incapaz de lutar contra aquilo, as lágrimas escorrendo com facilidade.
— O que quer? — tremeu, engolindo o choro.
"Uma resposta."
— Só isso?
"Sim, Margot, apenas isso."
Acariciou a pele macia da mulher com seus dedos retorcidos, assombrando a mulher. E ela sentiu que quanto mais mostrava aversão a criatura, ela gostava, se deleitava com prazer com seu horror.
— Foi você que fez aquilo com senhor Fevre?
Houve uma movimentação nas cinzas dele.
"Sim. Foi o preço a pagar."
— Eu gostei bastante — mentiu sem pensar duas vezes.
"Claro, Margot. Foi feito exclusivamente para você. Roy sempre teve interesse em você, mas sempre viveu no escuro devido ao seu comportamento. Recusou um homem rico, quem dirá um nobre quase falido? Essa dúvida o trouxe até mim. Por sua causa, ele agora é meu. Você tornou-se a ruína dele."
— Não. Não foi minha culpa — segurou o choro, não querendo dar satisfação ao demônio.
Ela demorou para entender, porém, depois de suas palavras, entendeu tudo. Ele era aquele que Fevre fez o contrato para restaurar a glória de sua linhagem. Entretanto, tudo uma ilusão. Apenas deu brecha para o demônio lhe puxar para mais fundo.
"Garota, escuta atenta o que vou lhe dizer: a obsessão dele por você causou tudo isso. Até o que está vivendo. Tudo por ter a atenção do homem errado."
— O que vai fazer comigo?
O sorriso dissimulado da criatura aumentou.
"Com você, nada. Mas com o querido Fevre, sim. Eu irei o reivindicar. Será reduzido a pó, como no princípio."
Largou o corpo de Margot, sumindo. A mulher bateu a cabeça, e quando olhou ao redor, tudo voltou a ser antes de ter uma breve visita do demônio. Ela teve um impulso para rir com força, mas tudo parecia sério e pesado demais para ela sair fora do eixo. Antes de tudo, precisava falar com Fevre antes que fosse tarde.
Ordenou rapidamente ao cocheiro que sobressaltou ao som de sua voz para mudar o destino para a propriedade dos Fevre, e ao ruído do retumbo de seu coração ela chegou sem problemas. Desceu apressada da carruagem, erguendo as saias, sua pele sendo beijada pelo gelo do ar. Bateu incessante na porta do homem, logo sendo recebida por ele.
O homem ainda portava as roupas do baile, mas seus cabelos estavam uma bagunça, a postura mais relaxada, seus olhos arregalados, mal acreditando em quem estava à sua frente.
— O que houve, senhorita Fontaine? — perguntou dando espaço para ela passar, porém, ela negou com a cabeça, recuperando o fôlego.
— Eu sei... — iniciou com a respiração superficial, erguendo o olhar firme para o homem —, o que o senhor fez. Ele está o cobrando.
O olhar de Roy espreitou-se, ficando sombrio e indiferente.
— Não sei do que está se referindo.
— Dele. Daquele que cujo nome é profano, e que o senhor fez questão de o invocar.
— Quem lhe contou? — sussurrou, franzindo as sobrancelhas.
— Ele. Me fez uma visita muito agradável — respondeu, mas observando que o homem iria lhe fazer outra pergunta, ergueu a mão para o alto, o impedindo. — Melhor parar as perguntas, senhor. Tem coisas mais importantes para se ocupar além de eu ter descoberto seu segredo obscuro.
— E que eu deveria fazer quanto a isso? — Ele soltou a porta, cruzando os braços, formando um sorriso discreto. Os ombros de Fontaine vacilaram, e ela segurou uma ofensa diante da postura.
— Fugir, talvez?
— Não tenho mais salvação — retrucou, sério.
Margot avançou um passo, poucos centímetros para invadir o espaço pessoal de Fevre.
— Deseja morrer?
— Sim. Não tenho outra escolha. Ele tem uma corrente envolta do meu pescoço.
Margot bufou, cerrando os punhos, mas relaxou. Seus olhos ficaram baixos, transmitindo tristeza.
— Por que o senhor tinha que escolher percorrer esse caminho? — perguntou-se mais para si do que para Roy, mas ele sabia do que ela estava se referindo. Seu olhar suavizou. — Eu sou rica. Tenho suficiente para cinco gerações.
Roy riu anasalado. Que tipo de homem ela acreditava que ele era?
— Eu não poderia viver usando seu dinheiro.
— Sim, mas...
Antes que ela pudesse continuar, algo estalando, alongado, se enroscou na sua cintura.
Depois de dois encontros, ela sabia de quem se tratava. Seu corpo também estava se acostumando com as surpresas da criatura, mal reagindo aos seus toques desagradáveis e repentinos.
Fevre não parecia intimado pela presença do demônio também.
Tudo torna-se suportável com a convivência.
Fontaine suspirou, e girou o pescoço para poder ter uma visão periférica da criatura a sobrevoando.
— O tempo acabou? — Margot perguntou, calma.
"Ela é realmente uma boa mulher, Roy. Me concede a permissão para levá-la para o outro lado para que vocês possam ter um final feliz?"
— Não — negou despojado, escondendo sua raiva —, além do mais, em nossas vidas, os finais felizes estão estilhaçados. Apenas existe o conforto na miséria.
O demônio soltou uma gargalhada, arranhando os ouvidos de Margot.
"E o que nossa pequena Margot acha?"
A mulher lambeu os lábios, a língua formigando para aceitar a ideia.
— Cubra com nosso acordo e não faça nada além disso — interrompeu Fevre, fechando a porta atrás de si, e avançando um passo, lendo as intenções no olhar de Fontaine. Ela estava realmente cogitando a ideia louca.
Apesar das palavras de Roy, o demônio estava com o olhar vidrado na mulher.
"Você deseja isso. Eu sinto na sua alma pulsante que sim. Posso realizar isso, e muito mais."
Derramou como um canto das sereias nos ouvidos da senhorita, mas ela negou com a cabeça.
O diabo mudou de humor com sua mentira, e a soltou. Avançou em Roy, revelando a verdadeira aparência do homem, ficando ao seu lado, empurrando-o até ele ficar a poucos centímetros do rosto de Margot. Com aquela proximidade, o aroma desagradável saturou suas narinas, e o som dos vermes se alimentando lentamente os pedaços do homem aumentaram.
"Ela disse que gostou do que eu fiz com você. Gostou que eu lhe comesse de dentro para fora."
Sem a metade de um olho e com outro quase cego, Fevre encarou incrédulo para a mulher.
Ela se encolheu por dentro, culpando-se.
— Isso é verdade? — Saiu baixo, agudo, mas era suficiente.
— Sim — desviou o olhar.
O diabo riu outra vez, apreciando o que estava vendo.
"Vocês são divertidos, mas o tempo acabou."
Agarrou a nuca de Roy, e olhou para Margot.
"Adeus, senhorita. Viva uma vida sob a sombra de seus erros."
E sumiu junto com o homem.
Fontaine caiu sobre a porta, soluçando e chorando compulsivamente e gritando. Seu peito subia e descia violentamente, puxando o ar com força, mas não sendo suficiente. Estava sentindo que nada mais seria suficiente. Comentava sobre a atitude arrogante dos nobres, mas sua indiferença e arrogância havia custado a vida de homem.
Depois disso, a mulher viveu rastejando entre os cantos de sua casa, sendo puxando seus erros do passado na maior parte do tempo — assim como o diabo havia a sentenciado —, e quando não suportou mais ser devorada por lembranças, subiu dois lances de escadas, abrindo uma gaveta, jogando e quebrando tudo o que estava nela, procurando algo.
Até que encontrou a adaga que sua mão havia lhe dado de presente.
Sorriu enferma quando a lâmina reluziu em seu rosto, e sem mais ou menos, cortou sua garganta.
Caiu no chão, inerte, sorrindo, balançando a cabeça, observando o mundo girando lento.
Em poucos segundos uma poça de sangue surgiu em volta de seu corpo, suas pálpebras pesando.
Nos últimos resquícios de vida, lágrimas solitárias brotaram ao relembrar do olhar ferido de Fevre.
— Desculpa, Roy. Desculpa. Desculpa. Desculpa. Desculpa. Desculpe, por favor, minha tolice — repetiu engasgando, o ar faltando.
Antes de fechar os olhos, uma silhueta conhecida formou-se à sua frente.
— Você... de novo? — perguntou em um fiapo de voz.
Mas convulsionou, a luz se esvaindo de seus olhos, acabando com sua tortura.
Enquanto via o corpo dela sangrando, perdendo a cor, o demônio agachou-se.
"Sim, e dessa vez para te buscar definitivamente. Você não foi uma boa garota da última vez."
FIM.
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