- 17.2 -
— Seja benigna ou corrompida, Magia é a força mais completa dentre todos os elementos que originaram cada biotipo felin existente, tanto reversos quanto puros. Não há um único elemento que não seja compatível e aprimorado com o poder da magia; até mesmo o Fogo, para qual temos fraqueza. É justamente essa completude da magia que a torna complexa, e a faz se manifestar de maneira diferente em cada magista. Sempre haverá uma magia única para cada um de nós, seja ela grandiosa ou não. E o que vai definir como a magia atua em cada bruxo são os Ciclos Mágicos.
— Pera... Nesse caso, acho que já ouvi sobre algo parecido. Os magos puros chamam de Camadas Astrais. Me lembro de ter estudado até a terceira delas.
Comentou Devimyuu.
— Eu imaginei que você provavelmente já saberia pelo menos um pouco a respeito.
A druidesa respondeu.
— Sim, por isso eu tinha uma hipótese do que seria - o garoto pareceu pensativo por uns instantes, porém, logo voltou seu olhar e sua atenção novamente para a mentora — Mas quer saber? Eram ensinamentos dos puros, então não me importam mais. O que me interessa mesmo será o que você vai me ensinar agora.
Mewcedrya lhe sorriu sutilmente, assentindo.
— Como quiser, meu caro príncipe.
Ela então apanhou seu cajado de salgueiro encantado, cuja ponta de cristal esverdeado se iluminou ao toque dela.
— Os seis primeiros Ciclos são: o da Linhagem, que se trata do sangue que corre em suas veias, seu poder herdado. Do Ímpeto, que se resume a sua vontade, ao que você deseja conquistar através de sua magia. O Ciclo da Maestria, refere-se às suas habilidades como magista que são desenvolvidas a partir de estudos e treinamento. O próximo é o Espectral, que diz respeito a sua alma e a parte espiritual que dedica a sua magia. O Ciclo da Congruência é sobre sua mente; porque é nela que você visualiza um feitiço antes de lançá-lo, e além disso, executar magia requer certo poder criativo para tornar realidade o que em outros aspectos não poderia ser real.
Conforme descrevia cada Ciclo e seu significado, Mewcedrya usava o cajado enfeitiçado para desenhá-los no ar, através de um luminoso rastro verde lima emitido pelos cristais em sua ponta. Cada ciclo era representado por um glifo diferente, que quando sobrepostos pareciam se encaixar de modo a formar a imagem final de um círculo mágico completo.
Assim que a druidesa começou a desenhar cada um, usando um pouco de magia Devimyuu rapidamente puxou para perto de si o manto com capuz que trouxera. Do bolso interno da peça de roupa customizada que foi um presente de Mewcedrya, o jovem semideus tirou um tipo de pequeno caderno - cujas folhas de papel costuradas um dia foram as folhas amarronzadas das árvores mortas da floresta, transformadas através de um feitiço de transmutação. Assim como a capa feita de cascas laminadas de um tronco, couro impermeável de um monstro Darutt e um pouco de pêlos negros de Lowfe; com um fragmento de cristal vermelho de etérima em forma de losango, fixado em seu centro. Abaixo dele, a letra D se via belamente entalhada com ajuda de alguma provável lâmina quente.
Aquele era o grimório próprio do jovem príncipe das Trevas; conjurado e transmutado por suas próprias mãos, através de seu poder sombrio.
Junto com o mesmo havia também uma longa pena cinza-descorada de um Doomix - uma assombrosa ave de rapina esquelética, com algumas poucas penas somente na região do pescoço e nas pontas de suas asas de quase três metros de envergadura; e que renascia de seus próprios restos mortais como um grotesco predador morto-vivo.
Um deles quis fazer de Devimyuu sua presa certa vez, mas encontrou seu rápido e desastroso final ao tentar caçar um semideus Arquemônio.
Desde que sozinho tinha começado um treinamento intenso para controlar sua habilidade de manipular Sombras, Devimyuu vinha se aprimorando em materializá-las e modificar o estado delas. Utilizando tal habilidade, encantou a pena do Doomix a cobrindo com uma trepidante bruma negra, que se condensava e elegantemente escorria pelas páginas de seu grimório, conforme o garoto copiava atentamente cada glifo dos Ciclos desenhados pelo mentora no ar gélido e mórbido da noite.
— O penúltimo, o qual os bruxos procuram restringir ao máximo, é o Ciclo da Comoção, que se trata de suas emoções e de como deixá-las ou não afetar os seus feitiços. A maioria dos grandes bruxos reversos são frígidos, porque acreditam que se deixar levar por suas emoções afeta a execução de sua magia pessoal em poder máximo. O que devo ressaltar que não deve ser o seu caso, Devim. Seus sentimentos são seu ponto forte tanto em personalidade quanto como um feiticeiro, não se esqueça.
— Não se preocupe, eu te fiz uma promessa, não foi? Nada de restringir emoções pra mim, pode confiar.
Garantiu o príncipe para a druidesa.
A adulta lhe assentiu, sabendo que o garoto manteria sua palavra.
— Sabe que eu confio. Pois muito bem, por fim, chegamos ao sétimo. O Ciclo da Eminência. Há um fato curioso sobre ele. Com o passar dos séculos, muitos começaram a considerar a existência do sétimo Ciclo apenas um mito. Sabe por que?
Devimyuu apenas negou com a cabeça, com seus instigantes olhos dourados atentos a cada palavra dela.
— O sétimo Ciclo se trata de superioridade. Ultrapassar os limites de sua própria magia. Diferente dos outros seis, apenas aqueles que possuem um potencial superior e grande determinação conseguiriam alcançá-lo. Ou pelo menos, era assim que costumava ser...
O tom de voz de Mewcedrya trazia certo mistério, qual Devimyuu não poderia esperar nenhum segundo para perguntar do que se tratava.
— Por que "costumava"? O que aconteceu?
— A maldição da Mãe Bruxa, aconteceu.
Devimyuu arregalou os olhos e instintivamente inclinou-se mais para frente. O relato de Mewcedrya acabara de ganhar um tom mais nefasto, tornando-se imediatamente ainda mais interessante para o adolescente, cuja inegável atração pelo sombrio fazia parte de sua natureza.
Mesmo enquanto ainda vivia com os Puros e estudava magia benigna ensinada por magos, ele constantemente costumava fugir para a área proibida da biblioteca da Academia, onde apenas professores e alunos do último ano tinham acesso.
Escondido, explorava com fascínio cada página dos antigos livros de magia negra, bruxaria, e necromancia guardados ali como um espólio de árduas batalhas do passado, travadas contra malignos bruxos reversos que invadiram o reino mágico Puro. Os magos de Magispell mantiveram tais livros no intuito de estudar suas artes nefastas e criarem contrafeitiços para se defenderem em ataques vindouros.
Desconhecendo sua verdadeira identidade como o profetizado Terceiro Arquemônio na época, o Devimyuu de treze anos acreditava que se sentia atraído por tais livros profanos com este mesmo objetivo -ajudar a defender o reino mágico que tanto admirava - sem ter que esperar completar dezessete para que enfim pudesse lê-los.
Porém, a realidade era que; por mais que houvesse bondade em seu coração e inocência em sua alma, a força da Escuridão fazia parte dele; e era essa mesma força que o chamava através de cada palavra macabra contida naqueles escritos maléficos.
— Se lembra que eu disse que enraivecida por ser menosprezada, Mewwicked criou feitiços poderosos e maldições inquebráveis, e ocultou esse conhecimento de seu pai, seu irmão, e qualquer outro bruxo macho?
Devimyuu balançou a cabeça.
— Sim, e que ela só ensinou pra as filhas dela, e elas deviam fazer a mesma coisa.
— Exatamente. Isso funcionou por muitas décadas. No entanto, ao notar o aumento de poder em suas descendentes fêmeas, Samewhain não demorou a descobrir isso. Então, junto a seus filhos e seus netos, ordenou uma marcha atrás de sua filha Mewwicked para fazê-la pagar com a vida por sua audácia e sua traição.
Naquele momento, os olhos de Devimyuu moveram-se para baixo. Ele franziu o cenho; a expressão assustadoramente séria em seu rosto revelava que o garoto pensava em algo que fazia sua fúria se acender.
— O seu pai também perseguiu você quando fugiu pra floresta, não foi? Ele queria te matar por ter se defendido do tarado escroto pra quem ele te vendeu... E a minha madrinha me disse que era a filha do líder do clã dos biotipo Terrestre, e que o pai dela simplesmente a entregou pro arrombado do Mewpester em troca da guarda real não invadir o território deles por um tempo... — o garoto então ergueu o olhar carregado de ira para a druidesa — Mas pelo visto, parece que não é só de agora que os pais reversos não passam de uns cuzões de merda com as filhas! E isso me dá um puta de um ódio!
Ele cerrou violentamente os punhos enquanto falava, deixando palpável todo o ódio que mencionara.
Numa calma quase incompressível, a druidesa simplesmente suspirou.
— É como eu lhe expliquei, crianço. Nós fêmeas não temos valor ou tampouco respeito nesse mundo. Somos vistas apenas como serviçais e reprodutoras, mas essa reprodução só é válida se outro macho for gerado. Pra todos os felins homens é natural pensar assim. Até mesmo aquele bruxo com quem gerei meu pequeno Cidryan disse que se o bebê fosse um menino, eu poderia procurá-lo se quisesse.
— Pois então ele era outro arrombado imbecil! Quer saber, Mewcedrya, você tem razão. Se eu tô destinado a mandar nesse mundo de merda, quando eu estiver no comando, eu vou fazer os malditos desse tipo pagarem muito caro!
Em contrapartida a fúria na voz e no rosto de Devimyuu, na face da druidesa havia um sorriso de orgulho e contemplação.
— Viu só? É por isso mesmo que estou te ensinando a poderosa magia das bruxas. Eu percebi que você é diferente dos outros, Devimyuu. Posso estar indo contra a lei de minhas ancestrais, mas não me arrependo. Através de você, tenho certeza que uma futura geração de bruxas terá a chance de ser tratada como deve, porque você os obrigará a isso pelo temor de sua fúria. Eu acredito nesse futuro porque acredito em você, meu filho semideus. E tem mais; eu espero muito que um dia você tenha sua própria filha, porque tenho certeza de que nesse mundo ou no outro, não haverá um pai de menina melhor do que você.
O sorriso, a confiança, e toda a esperança que Mewcedrya dedicava a ele fizeram Devimyuu acalmar-se um pouco. E pela primeira vez, ter um pequeno vislumbre do que poderia ser seu futuro. Por uns instantes se imaginou com uma filha; e não precisou pensar para ter certeza de que aniquilaria qualquer um que ousasse chegar perto dela.
— Bom, se um dia eu tiver uma, prometo que trago ela aqui pra conhecer a avó druidesa dela.
Mewcedrya não queria demonstrar tanto, mas não conseguiu esconder ter ficado um pouco sentimental com aquela frase.
— Oh, meu príncipe... — Ela disse com um sorriso melindroso, colocando uma mão sobre o peito enquanto com a outra afagava delicadamente uma das mechas do cabelo de Devimyuu entre seus dedos — Tenho certeza que ela será tão linda, inteligente e poderosa quanto você.
O futuro Lorde das Trevas sorriu levemente encabulado, coçando atrás de sua nuca.
Circunstâncias cruéis e destinos injustos haviam arrancado tanto de Devimyuu quanto de Mewcedrya aquilo que conheciam como família, lhes deixando no lugar apenas tristeza, mágoa e solidão. No entanto, aquele instante em que suporam um futuro onde juntos poderiam usufruir novamente de tais laços, foi um pequeno revigor para suas almas tão machucadas.
Entretanto, o momento passara e era necessário se aterem novamente a realidade. A sombria realidade do Mundo Reverso, brutal desde seus primórdios.
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