- 13.2 -


As suspeitas de Devimyuu estavam corretas.
— Um bebê? Mas ele era seu mesmo ou … — Ele perguntou, levando em conta a mínima porém plausível possibilidade dela ter encontrado um bebê abandonado na floresta.

— Ele era meu, era meu filho. Um filhote que eu gerei e dei à luz… — A fêmea virou-se para Devimyuu — Deve estar se perguntando quem era o pai, não é?

O adolescente assentiu.

— Vou contar-lhe a história… Há uns bons anos, um certo bruxo apareceu na floresta. O feldrin me alertou de sua presença, e ocultamente eu fui observá-lo. Ele pelo visto veio em busca de algo, mas contanto que eu ou o feldrin não fôssemos o alvo dele, não era da minha conta. Não achei que ele fosse durar, tinha certeza de que os Tererroris o devorariam quando fosse conveniente. Mas haviam se passado três dias, e ele ainda estava aqui. Um sinal de que a floresta o tinha aceitado, que ele tinha o que a Natureza considerava como alguém digno de permanecer vivo em seu meio. E quando se passou uma semana, eu decidi que poderia parar de me esconder. Ele estava se banhando no rio como fazia ao final de cada tarde quando fui até ele.

Por um instante, Devimyuu supôs que Mewcedrya narraria uma história de amor, conforme as que via nos filmes de contos de fada românticos que sua namorada o fazia assistir. Que Mewcedrya ia dizer que fora amor à primeiro vista com o tal bruxo e logo se apaixonaram, ou algo semelhante.

No entanto, a história não foi assim. Não havia espaço para viver contos de romance no frígido Mundo Reverso.

— Eu perguntei o que ele procurava, já que tinha notado que há mais de uma semana ele estava por aqui. Ele me contou que era um bruxo mercador, e que já sem um território definido para explorar, fez um pedido a um djinn que lhe guiasse em busca de novos tesouros e itens raros mágicos para negociar. E o djinn o trouxe até a Floresta Maldita, para encontrar uma caverna encantada onde haveriam inúmeros cristais de Etérima.

— Por acaso ele tava falando da gruta de cristais cuja entrada fica praticamente no quintal aqui da cabana?
Perguntou Devimyuu, relativamente surpreso.

— Exatamente. Mas essa não era a única entrada da caverna. Eu selei a outra com uma combinação de sete dos meus feitiços mais poderosos de trancamento; os mesmos que impedem que qualquer um que eu não queira consiga se aproximar da cabana. Por isso ele não estava a encontrando, e provavelmente passaria anos até que conseguisse nulificar meus feitiços para localizá-la, se é que seria capaz disso. Então eu lhe propus um acordo… Sem lhe mostrar o caminho, eu o levaria até a caverna e ele teria os cristais que tanto almejava, se em troca, me desse sua semente.

Devimyuu a interrompeu por um instante.
— Semente de qu… Ah, não, esquece… Já entendi…

Corrigiu-se o garoto, que apesar da idade e de tudo que já sabia da vida, ainda guardava certas nuances de inocência.

— Oh, que bom… Por um instante achei que precisaria ter aquela conversa com você…
Disse Mewcedrya.

— Ah, não. Não mesmo. Já ouvi com 13 anos, tô de boa… Pode continuar.

Respondeu ele, com as bochechas mostrando um leve tom de vermelho.

— Bem, como alguém acostumado a negociar, ele sabia que só tinha a ganhar com aquela oferta. Decidiu aceitar, e confiando em mim, tomou a poção de sono que dei a ele. Já adormecido, o feldrin o carregou até a gruta. Ele não fazia ideia de como, mas já estava lá quando acordou. Eu havia cumprido a minha parte do trato, e antes de apanhar os cristais que desejava, ele cumpriu a dele.

— Então realmente foi só um trato? Vocês tipo… Não se gostavam nem um pouco?

Perguntou Devimyuu, parecendo ligeiramente preocupado. Ele foi criado de acordo com a sociedade dos Puros, ensinado que para chegar ao ponto de conceber um filhote juntos, algum sentimento minimamente forte deveria existir entre um casal.

Mal sabia ele que no Mundo Reverso, na maioria das vezes novas crias não eram mais que um resultado indesejado, em troca de um prazer superficial e momentâneo com qualquer estranho como possível parceiro.

— Ele era um macho atraente, não vou negar. Mas tirando o que me atraiu fisicamente, eu não sentia nada por ele e vice versa. Afinal, nós nem nos conhecíamos, eu sequer soube o nome dele.

Nesse momento, o príncipe pareceu um pouco confuso.
— Você acasalou com o cara sem nem saber o nome dele?!

— O nome dele era indiferente para o meu objetivo. Ele também nunca soube o meu.
Respondeu a fêmea adulta, com desimportância.

— Mas deixa eu entender… Você disse que tirando a atração não tinha mais nada; então você viu esse tal bruxo no meio da floresta e do nada quis ter um bebê com ele só porque achou ele bonito?

— Claro que não, filhote de deus. Escute, eu tinha 32 anos naquela época, e estou nessa floresta desde os 19. Ao longo dos anos, a Natureza e o feldrin se mostraram ótimas companhias, mas, depois de todo esse tempo, eu queria algo a mais… Algo que fosse parte de mim. Sabia que poderia fazer tudo sozinha tirando o mero detalhe da fecundação, então já estava decidida a na próxima lua cheia ir até a cidade procurar o candidato ideal que me fornecesse o que eu precisava. Porém, pouco antes disso, esse bruxo apareceu aqui. E eu senti que como um presente, a Natureza havia me suprido mais uma vez como sempre fez. Enfim… Ficamos na caverna por duas noites, e na manhã do terceiro dia, eu disse que o trato estava cumprido e ele poderia ir embora.

"Que? Eles passaram duas noites fazendo…?! Quanto tempo dura uma transa afinal? Não, com certeza foi mais de uma, é óbvio… Mas quantas vezes que…? Miai que droga! Vou ficar de boca fechada, a Mewcedrya não pode saber que eu não sei nada sobre isso…!"

Pensou Devimyuu consigo mesmo. Suas dúvidas de inexperiência eram compreensíveis, ainda mais levando em conta que ultimamente sua curiosidade quanto a tal tópico estava consideravelmente mais atiçada.

Sem ter ideia do que se passava na curiosa mente de 16 anos de seu aprendiz, Mewcedrya continuou.

— Após recolher os cristais que queria, ele tomou novamente a poção do sono, já que fazia parte do acordo manter o caminho em incógnita. O felin novamente o levou para fora e ele partiu. Nove semanas depois*, eu estava dando à luz ao filhote que eu queria.

Devimyuu se espantou.
— Sozinha? Por que não colocou no acordo que ele devia voltar depois pra te ajudar?

— Me ajudar com o que, crianço? Tudo que eu precisava dele eu havia conseguido 9 semanas atrás…

— Mas mães não precisam de coisas como hospital, um médico e um monte de enfermeiras trazendo água quente sei lá pra quê e… e esses negócios?

O príncipe falava de acordo com o que via em filmes e do que ouvia falar enquanto crescia. Também se lembrava de certa vez que fora ao hospital com sua família, visitar uma prima de sua mãe adotiva que tivera um bebê. Logo, para ele era estranho ouvir que sozinha, sem enfermeiras ou um hospital, Mewcedrya havia tido um.

— Fêmeas ricas tem isso, crianço. E para as que não tem, temos que dar a luz por nós mesmas. Mas isso não foi problema para mim. Sou uma bruxa e uma druidesa. Eu passei cada semana de minha gestação fortalecendo meu corpo e me preparando para aquele dia. Eu tinha feitiços de revigoramento, invoquei selos de proteção e executei rituais de fortalecimento. Quando chegou a hora, só deixei meus instintos naturais agirem. Não demorou muito, e na noite de sete de Jumewly daquele ano, eu estava com meu lindo menininho nos braços. Ele tinha a pelagem cor de oliva como a minha assim como os pequenos chifres marrons, mas eu tinha a impressão que seriam retorcidos como os do pai. O cabelo azul escuro com mechas prateadas também era como o dele. Por causa da concentração de magia da gruta, achei mais seguro dar a luz lá. Então eu levei meu bebê pra casa, o amamentei, e fiquei o observando dormir em seu berço. Ele era exatamente tudo o que eu queria. Eu o chamei de Cidryanmew.

Mewcedrya mostrava um pequeno sorriso saudoso ao descrever seu filhote para o príncipe das Trevas. No entanto, logo este sorriso se foi, e no lugar dele seus olhos esmeralda se encherem de lágrimas novamente.

— Mas… Infelizmente… Meu pequeno Cidryan não… ficou comigo por muito tempo. Dois dias depois, eu acordei para amamentá-lo, estranhando ele ter demorado a pedir naquela noite… Quando cheguei perto do berço, bem… Percebi que ele… ele não estava…

Mewcedrya não conseguiu terminar a frase. Seu rosto se cobria de lágrimas mais rápido do que ela conseguia enxugá-las. Mas não era necessário que terminasse. Devimyuu entendeu qual deveria ter sido o triste destino do bebê de sua mentora. Ele deslizou para o lado no piso de madeira lixada, se aproximando mais do lado dela. Seu coração estava partido por vê-la assim, pois era óbvio que a morte repentina do bebê ainda dilacerava o dela.

O garoto gentilmente repousou a mão em seu ombro.
— Eu… Eu realmente sinto muito, Cedrya… Mas por que isso aconteceu? Ele… tava doente?
Perguntou, com uma expressão de empatia ao lhe olhar.

Mewcedrya colocou sua própria mão por cima da dele, onde ele a confortava com um afagar gentil.

— Eu não sei… Ele estava bem. O coloquei para dormir e também fui me deitar um pouco. Quando acordei, meu bebê simplesmente não estava respirando mais… Apenas isso.

Um silêncio mortífero se deu em seguida. Devimyuu não sabia ao certo o que dizer, então apenas ficou ali, sem soltar da mão de Mewcedrya e a observando derramar lágrimas em silêncio.

— Ele se foi… Há muito tempo?
Perguntou Devimyuu, finalmente.

— Ele seria dois anos mais velho do que você se estivesse vivo… Teria 18 anos.

Imediatamente, Devimyuu se lembrou que essa era exatamente a diferença entre ele e Kinmyuu. Dezoito anos era a idade que o príncipe da Luz deveria ter atualmente. Pensar nele mais uma vez fez com que coração ardesse novamente, dividido entre mágoa e ódio. Mas não era hora de se concentrar em sua própria dor emocional constante. Estava mais preocupado com Mewcedrya.

Devimyuu agora observava ao redor com outros olhos, imaginando como Mewcedrya deve ter se sentido nos anos que se seguiram, sozinha na cabana onde seu filho deveria ter crescido com ela. E ao reparar bem, Devimyuu percebeu um detalhe que antes se mostrava irrelevante. Do lado direito da cabana, bem onde ficava a cama também de madeira que ela providenciou para ele no ano passado, o piso e as parede apresentavam uma coloração mais vibrante, como se os troncos que as constituíram fossem mais novos que os demais. E de fato eram. Com a ajuda do feldrin, e usando magia — como da primeira vez que construiu a cabana que seria seu lar naquela floresta — Mewcedrya havia aumentado o quarto tempos atrás. É por isso que conseguiu acomodar Devimyuu tão bem. Seu pequeno lar havia sido todo adaptado para os anos a vir que dividiria com seu filho.

Porém, tais anos nunca vieram.

E o príncipe das Trevas percebeu também outra coisa.
— Aquela árvore cercada que você coloca oferendas… Eu já te vi a noite parada em frente a ela, parecendo estar rezando. Eu nunca disse nada porque achei que fosse algum ritual druida e eu não quis atrapalhar. Mas…
Não é só uma árvore, né? É o túmulo do seu bebê…
Disse ele, com um olhar cabisbaixo.

— Aquela árvore basicamente é o meu Cidryan. Eu a plantei na noite em que o enterrei ali e o reguei com as minhas lágrimas. Um dia, eu me juntarei a ele exatamente naquele lugar. E quanto a cerca, bem… são as partes do berço dele. Para que o meu bebê possa continuar descansando. Eu vou até ali toda noite para cantar a canção de ninar que fiz pra ele. Você gostaria de ouvir?

Devimyuu foi pego de surpresa, e o príncipe se sentiu lisonjeado.
— Se você não se importar, eu gostaria sim. Seria uma honra.

A druidesa assentiu.
— Venha comigo.

Ambos se dirigiram para fora. Já estava escuro, e Mewcedrya carregava uma das lamparinas mágicas na ponta de seu cajado de salgueiro. Eles foram até a árvore mortuária, não muito longe da cabana. Era provavelmente uma das pouquíssimas árvores de folhas verdes escuras que diferia da maioria amarronzada ou negra da floresta. Seu tronco liso e robusto devia ter a altura de Devimyuu, e sua copa balançava suavemente, embora curiosamente, não estivesse ventando aquela noite no resto da floresta.

Mewcedrya apagou a lamparina e se sentou no solo atrás da pequena cerca de grades do berço que fora delicadamente entalhado. O príncipe fez a mesma coisa, sentando-se ao lado dela.

"Feche seus os olhos
Não deve mais chorar
Durma em meus braços
E ouça-me te ninar

Seguro em meus braços
Por um sonho te guiarei
E quando acordar
Ao seu lado estarei

Durma e se lembre
Que ouviu o meu cantar
E junto a você
Meu amor permanecerá

Eu canto essa noite
E amanhã eu cantarei
E quando acordar
Ao seu lado estarei"

A bela voz de Mewcedrya ecoava pelo manto negro da floresta. E era como se todas as pérfidas criaturas que a habitavam houvessem se calado em respeito aquele canto solene. E pelo menos por aquele momento, foi como se a Floresta Maldita passasse de um lugar funesto e sombrio para um santuário sagrado e imemorial.

Devimyuu ouviu com atenção a druidesa cantar em voz alta pela primeira vez. Não havia nada de complexo ou profundo na letra, no entanto, a palpável tristeza e ao mesmo tempo mais puro amor com que entoava aquela melodia o tocaram profundamente. Ele sentia algo que nem sequer podia explicar.

Então não aguentou mais. Após mais de um ano se forçando a não derramar uma só lágrima, Devimyuu desabou a chorar quando Mewcedrya terminou.

Ele não sabia exatamente porque se sentia tão arrasado - de fato, com toda a carga emocional que vinha carregando, os motivos eram inúmeros, mas ele preferiu não pensar em nenhum. Ele só queria chorar. Não queria, e não conseguiria segurar toda aquela angústia sufocante dentro de si por mais nenhum minuto.

Mewcedrya, com seu choro em silêncio, desejou boa noite ao filho, enquanto Devimyuu continuava aos prantos. Então ela o pegou pela mão e o conduziu de volta para dentro da cabana. Chegando lá, fez com que ele sentasse em sua cama e sentou-se ao lado dele.

— Sabe, Devimyuu, a falta que sinto do meu Cidryan traz uma dor ao meu coração que eu sequer poderia descrever em palavras. Mas, eu tenho certeza que seria muito mais doloroso, se eu não conseguisse sentir nada por perdê-lo. Eu não me sentiria mais mãe dele. E eu jamais iria querer isso. Por mais que me machuque, eu prefiro manter os meus sentimentos em nome do amor que sinto pelo meu filho. Caso contrário, esse amor desapareceria. E sem ele, eu não poderia sentir o que sinto pelo segundo filho que a Natureza me deu alguns anos depois.

Devimyuu olhou para ela com uma expressão assustada, enquanto tentava limpar de seu rosto as lágrimas que não cessavam.
— O que? Você teve outro filho? Ah, não… Não vai me dizer que ele morreu também!

Então mesmo triste, Mewcedrya lhe sorriu.
— Ele está vivo, mas estou com medo de perdê-lo, caso ele insista com a ideia de selar os seus sentimentos…

Somente aí Devimyuu percebeu que Mewcedrya se referia a ele. Ele era seu segundo filho.

Impactado por descobrir que ela o via desse jeito, o príncipe que já estava emotivo, não conseguiu dizer nada. Apenas ficou olhando para ela, estático e boquiaberto.

Mewcedrya ergueu a mão e afagou o rosto dele, delicadamente enxugando-lhe as lágrimas com a ponta de seus dedos.

— Eu sei como ele se sente, e sei que dói. Mas são os sentimentos do meu segundo filho que o tornam único e especial. Que fazem eu tê-lo encontrado ser a melhor coisa que já aconteceu comigo desde que Cidryan teve que me deixar. Eu vou ajudá-lo por tudo que ele tiver que enfrentar, e farei tudo que estiver ao meu alcance. Farei qualquer coisa possível. Eu só não quero que este meu filho mude, porque eu o amo justamente por ser como ele é.

* A gestação de uma fêmea felin tanto Pura quanto Reversa de qualquer biotipo dura apenas 9 semanas.

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