- 11.4 -


REBORN

Devimyuu tinha que fazer a magia se manifestar em seu poder mais intenso, como há minutos atrás. De joelhos, ele segurou firmemente o pingente triangular com ambas as mãos e fechou os olhos, se concentrando numa prece que gritaria por sua liberdade. 

"Meu, ahn… primeiro pai… Eu não me lembro de você, mas sei que você realmente me amou, e sou muito grato por isso. Não tenho certeza se está me ouvindo, mas se o seu poder ainda está comigo, eu acredito que esteja, de algum jeito. Então, com todo o meu coração eu te faço um pedido. Por favor me salve. Eu preciso da sua ajuda para sair desse lugar maldito e encontrar a minha segunda família outra vez! Sei que eles são puros e eu… bem, nós, somos reversos… Todos aqui dizem que eu sou o Herdeiro das Sombras, e que reneguei o tal poder da Escuridão que carrego. Eu não sei de nada disso e eu nunca quis isso. Talvez realmente aja algo de ruim em mim e por isso eu esteja aqui. Mas eu aprendi minha lição, eu juro que não serei como eles. Não sei se gostaria que eu fosse mau ou bom, eu não sei nem se você foi. Mas sei que amou a minha primeira mãe e eu. E meus novos pais me amam tanto quanto vocês teriam amado, além de uma avó carinhosa e um irmão mais velho que é o melhor irmão que eu poderia ter. Eu também tenho uma namorada, com quem eu prometi me casar um dia… Eu sinto muita falta de cada um deles, e eu amo muito eles. Eu posso ter perdido vocês que foram meus pais biológicos, mas eu ganhei uma nova família que me ama igualmente. Você deixou sua magia pra me proteger, o que significa que queria o melhor pra mim, queria que eu ficasse bem. Eu não ficarei bem sem eles, então por favor… Me empreste seu poder para que eu finalmente possa voltar pra minha casa! Por favor, pai… Pelo quanto me amou um dia, eu imploro que me tire daqui!" 

Lágrimas vertiam ininterruptas através dos olhos fechados de Devimyuu. Num misto entre esperança e desespero, o garoto chorava de soluçar implorando para que a magia de seu primeiro pai funcionasse. 

Abriu os olhos ao perceber um clarão iluminar-se diante dele. O talismã estava novamente aceso, e o círculo mágico que desenhara com seu sangue começou a brilhar no já conhecido tom esmeralda. Devimyuu mal podia acreditar. Estava funcionando. As runas em volta iam se iluminando aos poucos conforme a magia era carregada. O símbolo no centro foi o último a acender, e um vértice de energia dimensional foi se criando acima dele. Um portal estava sendo aberto.

Finalmente, o maior desejo de Devimyuu estava prestes a se realizar. Ele enfim conseguiria fugir do inferno onde fora aprisionado por um ano e retornar para seu lar e a família que tanto amava. 

O príncipe levou as mãos a boca ao testemunhar a saída que o levaria a sua tão sonhada libertação. Bastava todos os símbolos se iluminarem fechando o círculo e o portal estaria pronto. A salvação estaria a literalmente um passo de volta para o mundo de onde foi roubado. 

Mas de repente, um estrondo ensurdecedor se deu. A porta da sala da torre foi arrombada numa explosão de lampejos azuis. O vergalhão de ferro cedera como se não fosse nada. 

Jezemew estava ali. Seu corpo mostrava marcas de luta, o vestido rasgado com manchas de sangue. Ao que tudo indicava, tinha conseguido se livrar dos guardas enfeitiçados que a seguravam. 

— Aí está você, seu demônio! Achou mesmo que eu não fosse te encontrar, bastardo imundo?!

A expressão desfigurada em seu rosto não mostrava qualquer vestígio de sanidade. Foi então que seu olhar enlouquecido mirou diretamente o pescoço de Devimyuu, onde um objeto conhecido elevou a fúria descontrolada da rainha. 

— Então é isso! Esse maldito colar! Aquela vagabunda estava o usando na noite em que chegou aqui para roubar meu Mewpester de mim! É por causa dessa coisa que você sobreviveu! É só por isso que ainda está aqui! Maldição! Vou arrancar essa merda junto com o seu pescoço! 

Jezemew tinha usado suas últimas energias para explodir a porta. Sem Nei* para executar mais nenhum movimento elétrico, ela avançou em Devimyuu com suas próprias mãos. 

O adolescente e a fêmea adulta rolaram no solo em um combate físico através de dentes e garras entre socos, tapas e chutes. O talismã no pescoço de Devimyuu ainda brilhava, enquanto Jezemew lutava para tirá-lo a força. Ele a chutara no abdômen; enquanto sangue escorria por seu rosto devido a um corte triplo por parte das garras dela, num dos tapas que o acertaram.

O focinho de Jezemew sangrava assim como o enorme corte em seus lábios graças aos socos que o garoto acabava de lhe dar, além de um arranhão profundo em seu olho direito, que provavelmente a cegou.

No entanto, como se o surto psicótico de Jezemew lhe desse mais força, a rainha vil conseguiu virar o jogo e derrubar Devimyuu. Estava em cima dele, pressionando seu estômago com os joelhos e o deixando sem ar. Devimyuu foi perdendo as forças para se debater já que não conseguia respirar.

Jezemew pois as mãos no talismã mágico, e começou a puxá-lo violentamente do pescoço do menino. Sua interferência alterou o fluxo da magia. 

Ele olhou para o lado; as runas que antes faltavam pouco para completarem o ciclo mágico agora estavam se apagando ao invés de acender. A magia oscilava, e o portal que estava se abrindo começava a desaparecer. 

Diante de sua única chance de salvação, Devimyuu entrou em pânico ao ver que estava perdendo-a. 

— N-não…! — Esticando seu braço ferido na direção do círculo que se apagava, e exclamou num apelo quase sem voz, já que Jezemew puxava o colar com tanta força que praticamente o estrangulava.

A rainha olhou na direção dos olhos do garoto.
— O que pretendia fazer, sua praga?! Ouvi dizer que foi criado pelos puros asquerosos depois que a vadia fugiu com você daqui, há 11 anos! Por acaso estava tentando voltar pra eles usando o poder desse maldito colar, seu verme?! Pode esquecer! Você pertence a mim! A sua vida miserável é MINHA! Nunca vou deixar que volte pra eles, me ouviu?! NUNCA! 

Com Devimyuu quase perdendo a consciência, o brilho do colar se apagou e o mesmo se desmaterializou de seu pescoço, levando consigo o portal e todo o poder que havia no círculo. O mesmo agora não passava de mais uma mancha de sangue no chão entre as muitas que haviam ali. O sonho de liberdade do príncipe acabara. Jezemew havia conseguido tirar isso dele. 

Sem o colar e o círculo mágico, tudo parecia perdido para o futuro Lorde. A sensação era de que havia perdido seu lar novamente após estar tão próximo de recuperá-lo. Como se o arrastassem para aquele mundo deplorável novamente, sem que ele pudesse fazer nada. 

A sensação de desesperança e impotência o dominava. Devimyuu nunca mais estaria com sua família novamente pois a cruel Jezemew o havia impedido.

Ela gargalhava de maneira doentia ao ver o reflexo de que perdera tudo nos olhos dele. 

O príncipe das Trevas estava prestes a desistir. Ele fechou os olhos cheios de lágrimas pronto para se entregar. Porém, em sua mente, uma última imagem lhe veio. Ele viu outra vez sua segunda família. Seus dedicados pais adotivos, o idolatrado irmão mais velho, assim como sua doce avó e a adorável jovem namorada por quem era tão apaixonado. Cada um dos que amava a recebê-lo com lágrimas de alegria e um enorme sorriso. Gratos e emocionados ao vê-lo retornar pra eles. Ali, seu final feliz acontecia. 

Então, Devimyuu abriu os olhos. Suas íris douradas num vermelho vivo pulsante, como duas pedras de rubi em chamas. 

— Sim… Eu vou voltarei SIM! 

O príncipe semideus sentiu um poder descomunal a possui-lo. Uma força sobrenatural que ele nunca havia sentido antes. Era como uma chama que se espalhava e o consumia por dentro, se expandindo cada vez mais até que ele não pudesse mais contê-la. Como se sua própria alma estivesse queimando. 

E logo, a chama que parecia simbólica se tornou literal. Labaredas negras e vermelhas tomaram o corpo do príncipe adolescente. A combustão de todo aquele poder descomunal atirou Jezemew para longe.

Desnorteada pelas contusões ao ser jogada violentamente, a rainha olhou desacreditada para o corpo do garoto que agora erguia-se no ar. A pressão espiritual era imensurável. As paredes da torre tremiam como prestes a desabar; os servos no andar de baixo que sentiam os tremores se perguntavam se aquilo era um terremoto enquanto corriam para se proteger. 

A chama que contornava Devimyuu como uma aura aumentou até o engolir por inteiro, transformando-se num redemoinho de trevas flamejante com o jovem semideus em seu centro. 

Estática, Jezemew se perguntava o que estava acontecendo. Embora não soubesse ao certo o que estava por vir, sentiu um medo aterrador a domina-la. Seu corpo começou a tremer descontroladamente.

Pela janela da torre, pôde ver o obscuro céu noturno reverso se tornar vermelho como um mar de sangue, com a lua em seu ápice como um grande e ameaçador círculo negro.

Ouviu o som como de um trovão. Algo saiu de dentro do flamejante vórtice de trevas como se o rasgasse. Tinha a forma de uma asa; uma grande e imponente asa de penas negras como de um anjo do apocalipse. Outra surgiu do lado oposto, e mais um par em seguida. 

O vórtice se dissipou, mas a aura de Escuridão que ele carregava permaneceu, flamejando em torno de Devimyuu - pela primeira vez em sua vida, na sua real forma de Arquemônio. 

Além das quatro asas sombrias, os três chifres discretos que ficavam quase totalmente ocultos por seu longo cabelo preto se transformaram num imponente par de chifres longos e afiados, como o símbolo de uma soberania régia diabólica. O garoto estava maior em estatura, seus cabelos esvoaçantes mais longos a ponto de quase tocarem o chão. As garras não mais retráteis em suas mãos pareciam tão letais quanto lâminas afiadas. 

Seus globos oculares se viam tomados em preto como feitos da própria escuridão, tornando ainda mais intimidadoras as íris em vermelho sangue. Os olhos do príncipe semideus lembravam os do próprio Ghanog em toda sua supremacia divina nefasta.

Ele encarou a rainha que agora se encolhia acuada contra a parede como uma criança apavorada. Ela tinha se recusado a acreditar nos "boatos" de que Devimyuu era o profetizado semideus daquela Era, pois tinha certeza que seria um de seus filhos. Agora via o quanto estava enganada. O medo que a consumia passara do ponto incontrolável, e a rainha chegara até a se urinar. 

A consciência de Devimyuu estava momentaneamente apagada. Só havia destruição em sua mente. Com um único puxão, arrancou a coleira de contenção de seu pescoço e a estilhaçou em suas mãos como se fosse uma frágil peça de gesso. Sua tecnologia unida a poder mágico não era párea para o poder de um semideus. Tampouco o veneno que devia ter sido injetado diretamente em sua corrente sanguínea ao puxá-la, pareceu ter o afetado. 

Devimyuu esticou o braço envolto numa espécie de bruma avermelhada. A mesma energia cobriu Jezemew ao fazê-la ser puxada até ele. O garoto Arquemônio a segurou pelo pescoço. Se usasse um pouco mais de força poderia quebrá-lo facilmente. Suas garras o perfuraram como navalhas conforme Devimyuu a sufocava. 

Jezemew sangrava tão incessantenente quanto as lágrimas de pavor que rolavam por seu rosto.

— N-não…p-por favor…pare…! E-eu não fazia ideia…de que era o Escolhido… Me perdoe…pelo que te fiz… E-eu posso estar ao seu lado… V-vamos nos vingar de Mewpester… e depois… Você será o meu amado Rei… No fundo eu sempre… Desejei tê-lo… V-você não é mais apenas um garoto… Não vou mais precisar… esconder com meu ódio o quanto eu sempre o quis… 

Jezemew imaginou que revelando seu desejo latente e sádico por aquele garoto de apenas 15 anos, ela talvez o seduziria e assim seria poupada. Um engano de proporções estupendas, pois as palavras dela soaram repugnantes aos ouvidos de Devimyuu, apenas servindo para intensificar a lembrança de sua recente tentativa de abuso e aumentar ainda mais o furor do Lorde Arquemônio. 

O herdeiro das Trevas rugiu em fúria com suas presas ainda maiores a mostra. Com toda a força de seu ódio, atirou Jezemew contra a parede, fazendo a mesma rachar no impacto de seu corpo. 
A rainha foi ao chão com ossos quebrados e lesões internas. Estava zonza pela grande quantidade de sangue que perdera através do ferimento no pescoço. Mal era capaz de se mover, mas ainda estava consciente o bastante para ver o príncipe sombrio esticar novamente um dos braços na direção dela. 

Mas dessa vez não usou seu poder para puxa-la. Estava carregando um ataque. Na palma de sua mão, um núcleo composto de Sombras começou a se formar, com uma aura avermelhada circulando ao seu redor e fazendo com que o mesmo aumentasse. 

Jezemew arregalou os olhos. Sua morte inevitável estava bem diante de si. Sequer teve tempo de gritar por socorro ou implorar por misericórdia uma vez mais quando um turbilhão devastador de trevas a atingiu, abrindo uma enorme cratera em seu corpo e destruindo a parede atrás de si. 

O que restara de seus órgãos e entranhas derramaram-se aos pedaços numa poça de sangue que se formou sob ela. Foi a última coisa que viu no segundo final em que sua vida se esvaiu e seu corpo desabou, rasgando ao meio. 

Seus restos mortais quase irreconhecíveis caíram torre a fora pelo buraco da parede destruída. Se espatifaram no chão do pátio treze metros abaixo, onde muitos serviçais que a própria rainha detestável condenara tiveram seus corpos multilados atirados feito lixo. 

Ali Jezemew encontrou seu merecido fim, no lugar que aos seus olhos seria o mais indigno de todos. Onde agora ela nada mas era que uma enorme e viscosa mancha vermelha espalhada por aquele chão. Aniquilada pelas mãos do prometido semideus daquela Era, que enfim havia despertado. 

N.e.i : Nível de Energia Interior; É a força que permite aos felins executarem seu poder elemental de acordo com seu biotipo. Caso esgotado, seu corpo gradualmente irá regená-lo até que esteja novamente em seu ponto máximo, porém, essa recuperação leva um certo tempo.

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