- 11.3 -
DYING WISH
Devimyuu permaneceu impassível diante do que acreditava serem seus momentos finais. Não havia para onde fugir, e qualquer mínima tentativa de se proteger ou esquivar seria em vão. A morte iminente o cercava - o que por alguns instantes, fez seu coração apertar-se de temor. Contudo, tão rápido quanto surgiu, tal sensação simplesmente desapareceu.
O jovem Lorde foi tomado por um senso de indiferença. Se o seu fim parecia tão certo, então que motivos tinha para se importar? E, ao final de tudo, talvez morrer não fosse de fato tão ruim. Mais de uma vez, mesmo que momentaneamente, havia desejado isso nos picos mais dolorosos de toda a angústia que sofrera desde que chegou ali. E agora, aparentemente, seu desejo estava prestes a se realizar. A qualquer instante Jezemew o mataria, e estaria tudo acabado.
Não restava mais nele nenhum ímpeto para tentar se salvar.
Já aceitando a desistência de sua vida que fora tão breve, Devimyuu ergueu seu rosto para Jezemew. Encararia a morte de frente, indômito.
- Se vai me matar então que seja. Vá em frente e acabe logo com isso.
O surto de Jezemew era tão grande que ela não pareceu escutá-lo. Sua mente fragmentada só conseguia se concentrar em carregar aquele ataque enquanto gritava ao máximo de seus pulmões. O decadente quarto de banho transformou-se numa armadilha de estática. Faíscas alaranjadas fulgorosas se espalhavam graças ao rodopiar desenfreado dos chicotes elétricos nas mãos da rainha insana. O brilho azulado emitido por sua energia era ofuscante como relâmpagos rasgando o céu numa noite tempestuosa.
Tudo ali sucedia muito rápido, mas aos olhos do Príncipe das Trevas, cada detalhe de seu momento final se passava em câmera lenta. Lento o suficiente para que ele fizesse a si mesmo seus últimos questionamentos.
Devimyuu já havia sido submetido a choques de diferentes níveis. E não somente pelos surtos de Jezemew com seus poderes elétricos. Frequentemente recebia choques de anti-magia por parte dos sacerdotes asseclas da corte a mando de Mewpester, durante as torturantes sessões de punição que aplicava a Devimyuu, para fazê-lo "pagar pela heresia de criar laços com Puros".
Seus ossos formigavam só de se lembrar da agonizante sensação das partículas de magia em seu organismo sendo eletrocutadas até se destruírem. E agora não seria só sua magia - todo seu corpo receberia correntes elétricas até que seu coração parasse de bater. Ele se perguntava se doeria muito. A resposta provavelmente era sim, então ele torcia para ao menos morresse rápido.
"É a última dor que eu irei sentir, finalmente."
Tal pensamento foi quase um alívio para o futuro Lorde das Trevas. Afinal, colocar um fim a todo o sofrimento que vinha passando no último ano era uma proposta tentadora.
"Será que eu vou para o inferno?"
O príncipe se perguntou.
Já que não estava mais tão preocupado com sua morte propriamente dita, era válido considerar o que aconteceria depois dela.
Uma vez lhe foi dito que todos os Reversos iam para o inferno, pois sua alma criada na impureza retornaria para seu lugar de origem não importando o que fizessem para tentar evitar isso.
Devimyuu franziu o cenho com uma expressão de repulsa ao pensar em tais palavras ditas por Heimewdall. Não queria passar seus últimos momentos pensando naquele felin desprezível. Preferiu pensar no que o pai adotivo dissera naquele dia para defendê-lo:
"... Diga isso ao meu filho de novo e eu te mostro o verdadeiro inferno, Heimewdall!"
Aquela lembrança quase fez Devimyuu sorrir. Seu pai de criação sempre o defendeu. Se dispôs até mesmo a expulsar o próprio irmão do palácio para ficar ao lado do reverso que escolheu como seu filho mais novo. Sabia que o rei Odimyuus Nihsicat o amava tal qual seu filho de sangue. E por sua parte, Devimyuu o amava tanto quanto teria amado o pai biológico que não pôde conhecer.
Então, como num estalo, a mente do príncipe sombrio se voltou para a única coisa que poderia lhe causar arrependimento em sua morte.
"Minha... família! Eu vou morrer aqui e nunca vou conseguir voltar pra casa...! Meus pais, meu irmão, a vovó e... a minha Roguy... Eu nunca mais vou vê-los? Não! Isso não! Se é pra ser desse jeito eu... eu não desejo morrer. Eu não posso morrer! Eu... Eu quero viver para estar com a minha família outra vez!"
O amor a sua família fez o desejo de viver retornar ao espírito de Devimyuu. No entanto, seu tempo de reflexões tinha acabado. O Açoite Elétrico vinha em sua direção; os chicotes de energia a milímetros de o acertarem no peito. O príncipe das Trevas cerrou os punhos e fechou os olhos, desejando com toda a força de sua alma que no último instante, alguma coisa ou alguém fosse capaz de salvá-lo, para que assim pudesse realizar seu desejo de encontrar aqueles que amava novamente.
Mas, aparentemente, nada o salvaria. Então, ainda de olhos fechados com força, o jovem semideus esperou pelo pior. Esperou pela carga letal de energia elétrica atingi-lo a qualquer instante e fazer seu coração parar. Porém, surpreso por esperar mais do que deveria, abriu os olhos quando nada aconteceu. E ele mal pôde acreditar no que via.
Um círculo mágico em verde pulsante brilhava poderosamente diante dele, criando uma invisível barreira mágica que impedia o golpe de acertá-lo. Vários arcanos o compunham, muitos desconhecidos mesmo com seu vasto saber em magia. Mas um deles - o maior bem no centro - Devimyuu soube reconhecer. Era um símbolo de proteção invocado em sua conjuração absoluta. Um feito que só podia ser realizado por magistas excepcionais. Com sua idade e experiência, Devimyuu ainda não era capaz de um conjúrio de tal nível. Afinal, aquela magia não era dele.
Devimyuu estava incrédulo e até um pouco confuso. Mesmo que quisesse invocar um feitiço, a coleira de contenção em seu pescoço impedia que usasse seu poder. No entanto, ele logo entendeu de onde tal magia procedia.
A coleira que o condenava não era mais a única coisa em seu pescoço. Sob ela, o colar deixado por seu pai biológico se materializara por conta própria. O talismã triangular brilhava intensamente no mesmo tom esmeralda do círculo mágico que o protegia.
Mas não era apenas isso. Devimyuu sentia que aquele poder externo fora invocado a partir de algum ponto de ignição. Então ele olhou para a mão direita. Havia cerrado os punhos com tanta força no momento em que desejou não morrer, que suas garrar retráteis expuseram-se e acabaram por perfurar sua própria carne. Uma chama esverdeada que não o queimava flamejava sobre o sangue na palma de sua mão.
A erguendo na altura dos olhos, o príncipe os arregalou. Ele finalmente havia entendido. O talismã fora encantado por seu verdadeiro pai, possuindo a partir daí uma magia própria. E a chave para invocar tal magia era o que corria nas veias de ambos.
- Não! Não pode ser! Você está com a coleira! Como pode estar usando magia?! Isso é impossível! Apenas morra, seu maldito! Morra! MORRA!
Jezemew gritava ao máximo de sua voz como uma louca. Batia os chicotes do Açoite Elétrico com toda a força que tinha quase ao ponto de esgotar-se. Porém, de nada adiantava. Devimyuu continuava intocável atrás da barreira mágica.
"A magia do meu outro pai me salvou... Ele... Ele realmente me amava."
O príncipe não pôde evitar um pequeno sorriso diante de tal pensando. O pandemônio que o cercava parecia não ter importância, pois agora tudo estava bem claro. Devimyuu havia encontrado as respostas que há muito estava procurando. As respostas que poderiam enfim lhe dar sua liberdade.
No meio de tal confusão tremenda, o par de guardas do lado de fora entrou brutalmente, arrombando a porta. Devimyuu estava certo que haviam sido atraídos pelos berros pavorosos de fúria da rainha.
Ela ia ordenar que capturassem Devimyuu, no entanto, antes que dissesse uma só palavra, ambos a agarraram pelos braços e a detiveram como se ela fosse a prisioneira. Jezemew questionou como se atreviam, gritando para que a soltassem e direcionando seu ataque a eles. Mas mesmo sendo eletrocutados, os guardas não a soltavam.
Devimyuu se perguntou o que estava acontecendo até notar o brilho sobrenatural que cobria os olhos deles. Era o mesmo brilho verde que seu talismã emitia. Então ele entendeu. Estavam sendo dominados pela magia que o protegia. Ela havia deixado de ser uma barreira diante dele e agora controlava os guardas. Era como se o pai biológico do futuro Lorde das Trevas estivesse dando a ele uma chance para escapar.
E Devimyuu não perderia essa chance.
Apanhou suas roupas correndo ao passar por Jezemew. Os guardas ainda a seguravam; ela se debatia disparando descargas elétricas que já os teriam derrubado se não estivessem sendo controlados por magia. Ela gritou para que apanhassem Devimyuu conforme o garoto atravessava a porta derrubada na maior velocidade que podia.
Tinha que ser rápido. Com todo o escândalo de Jezemew, provavelmente mais guardas logo viriam, e além disso, ele não sabia por quanto tempo a magia de seu pai biológico os seguraria.
Ele precisava fugir. Precisava de um lugar onde pudesse realizar o que vinha tentando há semanas. Daria certo dessa vez, pois agora tinha o elemento chave.
A área dos serviçais era como um labirinto de escadas de pedras no subsolo do horrendo castelo. Uma das escadarias o levaria para o primeiro nível, contudo, isso não seria uma boa ideia, já que uma horda de guardas iria avistá-lo assim que pusesse os pés lá.
Só restava a Devimyuu subir para sua segunda opção. Uma torre isolada das demais era ligada a área dos serviçais. Fora construída ali como um símbolo de opressão e um lembrete para o terror. Era para onde qualquer servo que se rebelasse perante a corte era levado para sofrer uma execução sanguinária diante dos outros, que deviam observar tudo no pátio abaixo onde o corpo mutilado do desobediente era atirado assim que sua vida era descartada.
Devimyuu sabia que era o lugar perfeito. Por lá não havia guardas, pois os serviçais se recusavam a subir, temendo que estar na torre da Execução se tornasse um presságio de que seriam os próximos a serem torturados e mortos ali.
Arfando e com o coração batendo quase a ponto de pular do peito por sua corrida desenfreada, Devimyuu tirou forças de onde parecia não haver e atravessou o pesado vergalhão de ferro atrás da portinhola de madeira maciça da sala da torre, a trancando por dentro.
Ali estava num local onde dezenas de serviçais no mesmo empenho de fuga que ele tiveram seu trágico final. Havia cheiro de morte e marcas de sangue agora apodrecido por toda a parte. Era um lugar deplorável, maculado, e definitivamente assustador.
Mas Devimyuu não se importou com nada disso. Apressadamente vestiu seus esfarrapados trajes de prisioneiro e se ajoelhou no chão, olhando nervosamente para a porta travada atrás de si. Não estava livre de ser encontrado a qualquer momento. Ele precisava ser rápido.
O jovem Lorde das Trevas já havia percebido a magia interior que existia em seu talismã herdado. Como dissera a madrinha Silmyuu na última conversa que tiveram, ele pretendia usá-la para abrir um portal que o levaria de volta ao Mundo Puro e o libertaria do inferno para onde foi levado. Porém, com a coleira de contenção bloqueando seu poder, ele não conseguia um condutor que o fizesse capaz de controlar tal magia como se fosse sua.
Mas agora tinha a peça que faltava. Tinha o que era preciso para invocá-la: o seu próprio sangue.
Em seus anos como um aluno excepcional da academia de magia que frequentava no Mundo Puro, Devimyuu estudava para se tornar um mago. E ele sabia que uma das mais principais diferenças entre magos e bruxos era que os bruxos usavam sangue como o condutor para diversos de seus encantamentos de magia negra, um ato visto como inapropriado e desonroso para magos.
"A madrinha disse que meu pai biológico era um príncipe reverso, e como um biotipo Mágico, é óbvio que ele devia ser um bruxo. Ele deve ter usado um feitiço de sangue para encantar o colar que deixou pra mim. Magos invocam o verdadeiro poder de sua magia através de sentimentos... Então, os sentimentos que tenho pela minha família e o sangue que herdei dele acabaram se tornando uma única força através de mim. Essa era chave para eu completar o feitiço!"
O príncipe olhou para a mão que suas próprias garras feriram. O machucado já não sangrava tanto, mas isso logo mudaria.
"Dediquei a minha vida toda a ser um grande mago... Se eu fizer uma invocação de sangue, talvez eu acabe me tornando um bruxo também. Mas... se é o único jeito para fugir daqui então que seja! Pagarei o preço que for para encontrar a minha família de novo! Eu finalmente cheguei tão perto, não voltarei atrás agora!"
Devimyuu expôs suas garras novamente e as cravou com força na própria mão. Os ferimentos anteriores se abriram e sangue fresco se espalhou pela palma dela. Com os dedos cobertos de vermelho, o jovem semideus desenhou um círculo no chão, escrevendo runas de invocação dentro do mesmo. Por fim, desenhou o arcano da magia do retorno em seu centro. Bastava despertar a magia do talismã. Já tinha o sangue, agora só precisava de seus mais sinceros sentimentos.
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