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— A FADA —

A druidesa mostrava espanto perante o que acabara de saber a respeito do jovem semideus à sua frente. Mais perguntas lhe sobrevieram, porém, ela sabia que o adolescente divino não se abriria facilmente. Já era perceptível que qualquer investida para o mais pessoal o incomodava. Se respostas eram o que queria, ela teria que agir com ardileza.

— Você pode ter razão, talvez eu o veja por ser um semideus...

A fala de Devimyuu tirou a fêmea de seu breve transe, que para a sorte dela, passou despercebido pelo menino. Quando deu por si, o garoto estava de pé. Sua curiosidade o movia em direção ao feldrin, que se aproximara da porta. Era o momento de Mewcedrya usar sua sagacidade.

— Na verdade, não. — A adulta igualmente levantou-se. — O feldrin acabou de me contar algo curioso a seu respeito. A real razão de você conseguir enxergá-lo.

O adolescente que fitava o elemental virou-se para ela com um olhar perplexo.

— Pera aí... essa coisa fala com você? O que é que ele poderia saber sobre mim? — O jovem indagou num tom desacreditado.

A druidesa adiantou-se uns passos na frente do garoto. Parou na entrada, apoiando sua mão direita sobre a criatura que conhecia desde que chegara a floresta.

— Você não devia depreciar um elemental, menino deus. Eles detém conhecimento de desde os tempos em que nosso mundo veio a existência.

— Tch... Tanto faz. — Respondeu, dando de ombros. — O que foi que ele te disse, afinal?

Devimyuu não escondia seu descaso. Estava certo de que Mewcedrya inventara tudo aquilo.

— Ele me contou que você pode vê-lo porque há uma parcela de pixilia em seu sangue. Essa informação me deixou perplexa, já que aparentemente não há vestígios de fada em você. Por acaso há algum fádico em sua família, semideus?

A face soberba no rosto do futuro Lorde desmanchou-se por completo. A druidesa não poderia inventar um palpite daqueles. Ele se viu obrigado a reconhecer que ela não mentira; o ser elemental realmente falava com ela – e estava certo sobre ele.

Devimyuu calou-se, com seus olhos focados no nada. Pixilia era o elemento que compunha a magia dos biotipos fádicos, presente em seu sangue e seu DNA. Apertando seus olhos dourados, restou ao jovem um suspiro pesaroso. Ele abaixou a cabeça, paralisado. Suas mãos, os únicos membros a se movimentarem, tremulavam em punhos fechados tão fortemente que as garras felinas a marcavam mesmo sob a pelagem.

— Que diferença isso faz? — O garoto questionou entre os dentes, tentando o máximo para se recompor.

Mewcedrya sentia hostilidade na voz do adolescente diante de si. O menino pouco mais calmo e de certa forma gentil que comera com ela não estava mais ali. Agora era apenas o novo senhor das Sombras, com nada além de dor e ódio pulsando em cada fibra de seu ser.

Cautelosamente, a druidesa se aproximou do príncipe arredio, que se esquivou bruscamente quando ela tentou ampará-lo, como se seu toque o repelisse.

— Ouça, não é porque eu sou uma feiticeira nascida em Mahojtani que eu penso como os outros. Como druidesa, eu jamais menosprezaria uma espécie tão ligada à natureza como os fádicos. Não tenho absolutamente nada contra eles. Pode acreditar em mim, herdeiro das Trevas.

O futuro Lorde ponderou sobre o que Mewcedrya lhe dissera. Mesmo não depositando total confiança, não podia negar o que parecia lógico. Por algum motivo, aquela fêmea preferiu uma vida eremita no meio da floresta do que conviver no lugar onde nascera. Talvez ela de fato fosse diferente dos demais.

— Se disser uma só palavra sobre a minha mãe, eu juro que não te vou perdoar, Mewcedrya, independentemente do que já tenha feito por mim.

Respondeu o garoto, ao chamá-la pelo nome pela primeira vez. A seriedade em seu olhar gélido era incontestável, naqueles olhos que não eram os de um simples adolescente.

O príncipe sombrio estava ciente do repúdio por parte dos reversos magistas quanto aos biotipos fada. A miscigenação entre suas espécies não era tolerada, visto que os mágicos encaravam fádicos como seres inferiores, os chamando de meros insetos que sabiam alguns truques de mágica. O ódio descabido e o preconceito eram explícitos, e Devimyuu não toleraria mais insultos a respeito de sua mãe biológica. Já fora obrigado a aturar ofensas demais quando prisioneiro, sem que pudesse revidar e restaurar a honra daquela que dera a vida por ele.

Entretanto, a druidesa não intimidou-se. Não tinha motivos para temer que o semideus se enfurecesse com ela neste caso.

— Não tenho o intuito ou razão alguma para fazer algo do tipo, filhote. — Disse a fêmea com confiança, com o olhar voltado para o feldrin que acarinhava gentilmente, ao passo que a criatura continuava a observar os dois felins. — A pixilia no sangue vem por sua parte de mãe, então. Interessante, não sabia que você também era mestiço.

Mewcedrya prosseguia com sua serenidade. Não sentindo vestígios de prejulgamentos em sua voz, o futuro Lorde das Trevas diminuiu sua defensiva. Respirando fundo, forçou-se a acalmar-se, e após uns instantes, enfim a respondeu.

— Eu não sou, minha mãe biológica era. Ela era uma bruxa, mas também tinha poderes de fada. As... as asas dela... eram lindas...

O jovem reverso quase engasgara ao falar. Na mente do garoto, retornava uma distorcida lembrança de há muito tempo; sua verdadeira mãe, abrindo um deslumbrante par de asas. As membranas eram translúcidas e brilhantes, delicadamente contornadas por um veludo negro como pintado por um pincel.

Ela o pegava nos braços, ainda muito pequeno, com seu rosto de nem cinco anos de idade apoiado no ombro desnudo dela. Tudo que ele via eram as asas batendo – vibrantes, majestosas, captando a luz avermelhada da lua como um pedaço do próprio astro, cada vez mais acima do solo. A visão mais bela que seus pequeninos olhos já tinham contemplado.

Não obstante, o dia em que viu sua mãe usar suas asas, foi também o último em que a vira viva. De imediato, a pior das memórias lhe assombrara. As lindas asas feridas banhadas em sangue, de seu corpo já sem vida sobre três lâminas de metal que o atravessavam.

A druidesa que o encarava, notou grande pesar nos olhos do menino. Devimyuu não se lembrava muitos detalhes da aparência de sua verdadeira mãe, mas se recordava com clareza do amor que ela sentia por ele. Citar qualquer fato a respeito dela era uma grande tortura para o jovem que a perdera tão cedo e de forma tão brutal.

Mewcedrya tentou aproximar-se para confortá-lo, porém, antes que pudesse, o menino se esquivou de supetão e saiu rapidamente pela porta, empurrando bruscamente o feldrin que bloqueava quase toda a passagem.

— Filhote de deus, espere! — Ela gritou inutilmente.

O apelo não fez diferença para Devimyuu. Ele já se afastara quando a ouviu chamar. Uma angústia avassaladora o devorava, e ele não queria que Mewcedrya o visse chorar novamente. Não queria que ninguém visse; o próprio garoto se odiava pelas lágrimas que derramava, pois as considerava um sinal de fraqueza, e o novo senhor das Trevas não podia ser um fraco.

A magia de sombras do reverso semideus aflorava em meio a dor e o ódio que o castigavam. Suas mãos de punhos cerrados estavam envolvidas por duas chamas negras fulgentes, destilando seu poder. Destroçando moitas e destruindo furiosamente galhos de arvoredos que se interpunham em seu caminho, o futuro Lorde se fez desaparecer em meio a mata densa, sem nem ter certeza de para onde ia.


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