nós vamos dar um rolê
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Em “As dores do mundo”, Arthur Schopenhauer afirma que “o mundo é o inferno, e os homens dividem-se em almas atormentadas e em diabos atormentadores.” Por algum motivo, essas palavras não saem da minha cabeça há um tempo. Segundo ele, a dor é positiva, enquanto a felicidade é negativa. E isso me fez pensar...
No fundo do meu caderno, anoto: o céu talvez seja o verdadeiro inferno. Eu odiaria o ócio, o tédio, a repetição... E se em tese estivermos mortos, como poderíamos nos livrar de tamanho inferno? Digo isso porque prontamente o associei a The Good Place — ok, sou formado em sitcoms, mas rir de desgraças ficcionais me parece mais fascinante do que assistir jornal — e seu final. Há de ter um escape para a felicidade. É preciso. Na série, por exemplo, as pessoas que vivem no Lugar Bom estão cansadas e entediadas, pois têm tudo o que querem e este ócio é insuportável. Simplesmente insuportável. Mas imagina se isso fosse real... Se realmente tivéssemos tudo que queremos, o que seria de nós? Decerto, não queremos a dor, não a almejamos. Então certamente neste mundo perfeito não haveria espaço para sofrer. Porém, convenhamos, a ausência de sofrimento já é um sofrimento. Se numa corrida não há obstáculos, você vai diminuindo a velocidade e por fim para.
No entanto, pensar nisso não é dizer que uma vida miserável é o recomendado. É só um levantamento, entenda. Que vivemos num ciclo de desejo e insatisfação. E todos os dias espetamos uns aos outros como se precisássemos disso para viver. Existe uma música que gosto bastante, Set in Stone de Milk & Bone, e meu trecho favorito é o início do refrão: “eu quero viver uma vida em que nada mais me machuque”. Sim, eu também quero isso. Mas tudo que eventualmente almejo, é o que eventualmente me destrói. E é engraçado pensar nessas coisas, porque estou na primeira pessoa e é difícil julgar com precisão, ao contrário de alguém que esteja vendo tudo ocorrer. O que o sol acha de nós? Que somos mesquinhos? Eu não discordaria, também sou. Mas viver em comunidade me faz ser menos, vou ser honesto. Não há instinto pior do que a falsa sobrevivência. Acho que só precisamos cagar e comer, o resto é capricho. Eu não preciso comprar um tênis novo.
Ainda estou me questionando sobre algumas partes do livro, tais quais: “Porque a nossa existência assemelha-se perfeitamente à consequência de uma falta e de um desejo culpado…” Quero pensar um pouco sobre o assunto, sendo honesto. Porém tem uma que, sinceramente, fez-me sorrir deveras. A dita cuja: “Penso, às vezes, que a maneira mais conveniente de os homens se cumprimentarem, em vez de ser Senhor, Sir etc. poderia ser: 'companheiro de sofrimentos, soci malorum, companheiro de miséria, my fellow-sufferer'”. Então, sim, é sobre isso. A única coisa que nos mantém vivo, que nos matém caminhando é a dor. Logo, a dor é positiva. Sendo esta miséria fruto do criador ou de nós mesmos.
— Você vai fazer alguma coisa hoje? — Jungwoo cutuca meu braço no meio da aula, e eu pisco os olhos lentamente por puro cansaço.
— Ahn... Acho que eu vou fazer a barba e ir dormir. A não ser que meu namorado queira ficar comigo, o que eu acho pouco provável — estico o corpo sobre a cadeira e viro-me para fitar o rosto de Jungwoo. — Por quê?
— Achei que gostaria de jogar CS.
— CS é tão antiético, Jungwoo... — estreito os olhos e balanço a cabeça na negativa, porém solto um sorriso. — Eu não posso jogar hoje porque fico estressado. Amanhã temos apresentação. Vou dormir cedo para ter energia amanhã. Preciso estudar mais.
— Uh, pensei que gostaria de relaxar da tensão.
— De certa forma... — eu começo a falar, mas sou interrompido por uma colega de classe que me olha feio e faz "shh" enquanto aponta para a tela onde está sendo projetado um documentário. Aproximo-me de Jungwoo e falo baixinho: — Ando muito cansado, acho que cochilei durante o filme todo...
— É, você tombou para o lado e dormiu mesmo — ele ri baixinho. — Mas pode ser no fim de semana?
— Vou ver — falo honestamente. — Às vezes fico ocupado com Ten...
— Safadinho... — ele me olha maliciosamente e ri.
— Idiota — acabo rindo também.
Do nada, as luzes são acesas e o professor levanta da cadeira para informar que a aula terminou. Em pouco tempo, uma cambada de alunos se levanta e começa a deixar a sala, assim como os outros enfiam os materiais na mochila. Eu me levanto e saio junto com Jungwoo, pondo os braços na alça da mochila e rezando para que não esteja aberta. No corredor da Universidade, vamos caminhando e cantarolando uma versão estupidamente errada de What makes you beautiful em que a palavra "cu" se repete incontáveis vezes.
Atravessamos o campus e saímos pela portaria. Estou cansado, com sono, fome e vontade de assistir televisão. Dois deles vou ter que dropar, possivelmente os últimos. A noite é escura, porém as estrelas são brilhantes, e me perco nesta beleza enquanto cruzamos o estacionamento. Normalmente ignoro todos os carros, mas tem um buzinando e isso certamente é irritante. Agora tudo que preciso fazer é chegar em casa, tirar as roupas e cair na cama. Meu sonho de plebeu.
— Taeyong — Jungwoo dá dois tapinhas no meu braço e então viro-me para olhá-lo. — Olha lá!
Quando ele aponta, acho que será algo banal. Porém, assim que checo, fico surpreso: no estacionamento da Universidade, aqui está Ten acenando para nós enquanto se encosta no capô do carro. Acabo sorrindo instantaneamente, e assim apresso os passos para chegar até ele. Jungwoo provavelmente me segue, pois escuto seus passos.
— Oi! — cumprimento sorridente.
— Oi, Yongie... Oi, Jungwoo — ele sorri de volta para nós dois.
— Oi, oi, Ten — Jungwoo curva-se rapidamente.
— O que está fazendo aqui? — questiono.
— Nós vamos dar um rolê — dá de ombros, simplório, e eu sorrio meio confuso. — Vou te levar pra casa.
— Ahh... — balanço a cabeça. — Oh, pode dar uma carona ao Jungwoo?
— Posso, sim — Ten inclina a cabeça.
— N-não precisa! — Woo dá dois passos para trás. A benção é bem tímida mesmo. — Eu não quero atrapalhar.
— Você pode ficar no meio do caminho, e lá pode pedir um motorista por aplicativo, porque vai sair mais barato — explico calmamente. — A não ser que queira aventurar um ônibus por lá.
— Acho que posso ir de ônibus daqui.
— Vai ser rapidinho, vamos! — puxo-o pelo braço para a lateral do veículo. — Vai ser legal.
— Tá bom, tá bom... — Jungwoo ri timidamente e deixa de lutar contra. Até mesmo entra no carro por si só quando eu abro a porta.
Sento-me ao lado dele nos bancos traseiros e puxo a porta.
— Você não disse que era pouco provável seu namorado querer ficar contigo? — Jungwoo sussurra comigo enquanto o Ten está lá fora distraído, olhando a lataria do carro. Deve estar checando se está com arranhão ou sujo, coisas que são a cara dele se preocupar.
— É, eu estou bem surpreso agora — sussurro de volta. — Normalmente ele está muito cansado esse horário, então fica em casa cochilando e quando quer me ver, me procura bem mais tarde.
— De madrugada? — ele sorri daquele mesmo jeitinho malicioso.
— É, Jungwoo... É — solto um risinho e ele se junta a mim.
— Vocês querem bala? — do nada, Ten abre a porta e entra no veículo.
— Sim! — eu estendo minha mão e Ten me olha pelo retrovisor interno enquanto ri.
No porta-luvas ele tira um saquinho de balas e joga para nós dois. E então, é isso: passamos o caminho chupando balinha de melancia até Jungwoo ter de descer. Quando ele sai do carro, Ten o chama para perto outra vez e dá dinheiro para ele pedir um motorista de aplicativo. Obviamente Jungwoo nega a todo custo, porém Ten é muito persuasivo. Extremamente. Tanto que Jungwoo decide aceitar com tanta insistência e dá tchauzinho para nós enquanto nos afastamos. É tão curioso isso, porque... Sabe, eu nunca percebi antes a eloquência dele. Será que funciona comigo também?
— Como foi seu dia? — questiono, devolvendo o saquinho da bala, porque já chupei umas cinco e se eu continuar desse jeito vou desfalecer aqui mesmo.
— Bom.
— Por quê?
— Porque teve bastante movimentação no restaurante e isso me deixa animado.
— Fico feliz — solto um suspiro.
— E o seu?
— Cansativo.
— Por quê?
— Tenho que chegar mais cedo na faculdade e tenho mil e quinhentas atividades para fazer. Estou exausto — tombo a cabeça dramaticamente para o lado e encosto a testa no vidro da janela. Percebo, então, que está chovendo.
— Ué... Por que está sobrecarregado? Sua grade está cheia?
— Uhum. Eu queria aproveitar ao máximo o semestre e acabei vacilando ao montar minha grade. Escolhi matérias demais.
— Você está com quantas?
— Sei lá. Entre oito e dez. Talvez oito ou nove, não sei. Talvez sete. Não sei.
— Caralho, Taeyong! Tá querendo se matar, é isso?
— Credo!
— Você é todo ocupado e ainda faz uma burrice dessa?! — pelo seu tom, ele realmente está com raiva.
A chuva começa a cair de maneira bem intensa, e eu acompanho os movimentos do para-brisa.
— Desculpa... — suspiro. — Eu achei que seria legal, mas agora vivo com sono. Mas não se preocupe, não vou fazer mais isso.
— Diga isso a você mesmo — olha-me seriamente pelo retrovisor interno.
— Uhum.
No semáforo vermelho, eu saio do carro rapidamente e recebo algumas gotas pesadas de água na cabeça até entrar no veículo outra vez. Sento-me como passageiro ao lado de Ten, e rapidamente fecho a porta para não me molhar mais.
— Merda... — resmungo, batendo a mão na jaqueta de couro falso que estou usando. — Você tem guarda-chuva aí?
— Não — responde-me.
— Ok — dou de ombros ao puxar o cinto e travar.
Como estamos em silêncio e o sinal já abriu, eu ligo o rádio e conecto com meu celular. Dá tempo de escutarmos Mood de 24kGoldn e Ian Dior umas duas vezes, já que eu e Ten gostamos da música e ele pediu para repetir. Sob a chuva violenta tarde da noite, cantamos a música como se fôssemos verdadeiros rappers. Isso até ele ficar rindo e falar que meu sotaque é fofo.
— Fofo tua bunda — resmungo.
— Obrigado, ela é mesmo — ele me dá uma piscadela.
Solto alguns palavrões só pra ser oposição mesmo, tanto que nem percebo que já chegamos na frente do prédio. Só noto quando Ten desliga o carro e solta um suspiro. Olhamos para o lado de fora por alguns instantes e eu me pergunto o que irá acontecer em breve.
— Podemos esperar a chuva passar — Chitta sugere, depois liga a lâmpada interna do carro.
Eu concordo com a cabeça e continuo a olhar pela janela. A chuva varre o chão e eu acho isso lindo, embora caótico. É bem interessante, na verdade, como ela pode ser violenta num instante, enquanto num outro é gentil.
— Você vai subir? — quero saber.
— Se você quiser...
— Eu sempre quero.
— Então tudo bem...
— Uh, por que veio me buscar? — viro-me para olhá-lo.
Ten aproxima de mim e eu espero até ele chegar onde quer chegar.
— Senti sua falta.
— Oh, sério?
— Uhum — sua mão alcança meu pescoço e eu não sei se é o friozinho que estou sentindo ou é seu toque, mas me arrepio todo. — Tá com frio?
— Não — estico minha mão para tocar na sua nuca e acho que isso o deixa satisfeito, porque sorri para mim. — Vai dormir abraçadinho comigo hoje?
— Não — faz uma careta e eu reviro os olhos.
— Hm? — aproximo devagar ao ponto de sentir sua respiração. — Tem certeza disso?
— Não — ele ri não sei do quê eu acabo dando selinhos no seu sorriso. Acho isso lindo. — Vem cá...
Ten segura meu queixo com cuidado e chega junto para um beijo de verdade. Entrego-me e isso não surpreende ninguém. Mordo seu lábio, quero que sinta dor. Não o mesmo tipo de dor escrita por Arthur Schopenhauer. Uma dor menos latente, uma que diz mais sobre mim do que ele, até mesmo prazerosa. Solta um sonzinho gostoso ao afastar-se para respirar, tanto que aproveita para se aproximar mais. Sei o que ele quer, tô sentindo sua energia. Ele está cheiroso, como sempre, vestindo-se bem e me inunda de beijos gostosos. Está vindo com calmaria para que eu apareça com o fogo. É assim que funciona.
— Tá inspirado hoje, Chittaphon? — sussurro, mesmo contra seus lábios.
— Quê? Eu não posso ter iniciativa?
— Hm... — lhe deixou dois beijos de língua curtos e depois me afasto. — O que houve? Você brotou hoje na minha faculdade, sendo que nunca antes fez isso.
— Você não gostou?
— Não é isso. É que não achei que fosse seu estilo.
— Não posso buscar o meu namoradinho na escolinha?
Eu arqueio o cenho.
— Essa frase fora de contexto soa tão pedófila!
— Idiota! — me dá um tapa no braço e eu finjo que dói. — Eu queria te dar um presente.
— Hm.
— Espera — daí estica-se para tirar do porta-luvas uma caixinha rosinha com cara de padaria. — Te comprei macarons.
— Oh, sério? — agarro a caixa e abro animadamente. Eles são lindos demais! Tão coloridinhos e pastéis! Tenho até pena de comer. — Woah, obrigado, Tennie!
— Eu gosto disso — sorri ao acariciar meu cabelo.
— Do quê?
— Quando você me chama de Tennie.
— Ownt, bobinho! — aperto sua bochecha e ele parece se surpreender com isso.
Acho que eu não demonstro tanto achá-lo fofo. Eu costumo ser romântico e carinhoso, mas creio que não ajo assim com tanta frequência. Normalmente mordo seu corpo, encho de beijos, porém não faço tanto carinho ou aperto suas bochechas ou chamo-o de fofo incontáveis vezes. Normalmente ele faz isso comigo. Oh, é uma descoberta interessante...
— Vou comer depois — conto baixinho, descendo o olhar para a caixa. — Mas, por favor, durma abraçadinho comigo! Está fazendo frio, não está vendo? Não para de chover.
— Aish, para de choramingar, Taeyong! — me dá um peteleco na cabeça antes de inclinar o corpo para trás, provavelmente desistindo de algum eventual beijo.
— Eu não tô choramingando! — lhe dou língua e vejo-o esboçar um sorriso. — Ah, olha... A chuva está diminuindo...
— Verdade — ele começa a olhar para o lado de fora.
Nos distraímos por um tempo com isso, aí do nada Chittaphon estica a perna e joga por cima das minhas. Eu rio por instinto e olho-o para tentar entender o contexto.
— Amarra meu tênis — dá uma girada no tornozelo.
O engraçado que nem foi uma pergunta. Ele literalmente me mandou amarrar.
— Sério isso? — eu reclamo, mas na mesma hora pego o cadarço para amarrar.
— É, amarre direito.
— Pra quê, se você vai subir comigo e vai tirar do mesmo jeito? — termino de amarrar e deixo um lacinho bonito.
— Que banana. Eu achei que você iria comentar sobre meu tênis, por isso que mandei você amarrar — ele afasta a perna da minha e revira os olhos.
Eu olho para o seu tênis. É o mesmo que ele usou para ir ao parque assistir filme naquele dia. Algum all star caro aí. Ele tem cara de ser caro.
— Por que eu comentaria?
— Porque se você elogiasse, eu iria sugerir você ter um também, para que assim pudéssemos combinar. Você fez aquelas camisas que combinam e eu pensei que... sabe... os tênis, eles... tem vários casais que fazem também — sua voz vai morrendo aos poucos.
— Oh... — tamborilo a porta do carro como se fosse a chuva lá fora. — É uma ideia legal. Podemos conversar sobre isso outra hora, uh? Eu tô com sono e minha cabeça vai bugar.
— Uhum — balança a cabeça. — Mas não precisa fazer nada, só dizer se quer ou não. Eu posso comprar onde comprei o meu. E nem adianta dizer que não quer que eu compre e pipopo. É uma via de mão dupla. Nos ajudamos.
— Eu te ajudo em quê? — tiro a franja da testa.
— Você é fofo — ele me dá um sorriso todo boiola e eu até tento me segurar, mas não consigo.
— Para de ser gay, Chittaphon.
— Tá bom, cara — ele fica sério do nada e conserta a postura. Daí sua voz sai mais grave e, de alguma forma, mais profunda: — Cê vai se mandar agora ou o quê? Vou precisar me encontrar com minha mina lá do outro lado, e tu meio que tá me atrasando. Assim, parceiro... não fazendo desfeita... Nós é brother e eu valorizo isso. Mas minha mulher tá me esperando e... Porra, tu sabe como mulher é com atraso, né? Só elas podem se atrasar e a gente não. Vou ainda passar no mercado pra comprar lanche para aquela maluca...
Caralho.
— Caralho! — eu dou um pequeno salto e Ten não se segura e acaba tomando um susto e depois ri.
— O quê? — o sorriso dele é lindo!
— Você me deixou arrepiado! Olha! — estico meu braço e puxo a manga do casaco rapidamente, depois abaixo.
— Você tem fetiche meu com uma mulher, é isso? — sua expressão é uma mistura de confusão com surpresa.
— Não! Foi sua voz, seu maníaco! — lhe dou um tapa no braço.
Ten ri eu também.
Num gesto, diz que devemos sair do carro logo, porque a chuva deu uma estiada. Seguro a caixa com os macarons com força e abro a porta. Assim que saio, acabo pisando numa poça e xingo baixinho por conta disso. Em pouco tempo, Chitta surge ao meu lado e me segura pelo braço para entrarmos. Eu amo o fato de ele fazer isso, porque é muito fofo. Ten é fofo. Eu deveria dizer isso mais sobre ele e para ele.
— Venha, fofinho — puxo-o para dentro do elevador e depois abraço-o pelos ombros.
— Tô com fome — ele sai do meu abraço para selecionar o andar, mas depois volta a se aninhar a mim.
— Você sempre está com fome.
— Algum problema com isso?
— Não, nem um pouco — deixo um beijinho na sua testa e depois me viro para olhar-nos pelo espelho.
Eu percebo que meu cabelo está bagunçado e estou com cara de sono, então está explicado todo mundo perceber. Eu realmente estou cansado. Espero que Ten não fique chateado se eu dormir mais cedo hoje, realmente não me sinto com muita energia.
Silenciosamente saímos do elevador. Silenciosamente entramos no apartamento. Eu vou direto para o quarto, deixo minhas coisas lá, depois ponho os macarons na cozinha. Não demoro a ir ao banheiro, tomar um banho, vestir meu pijama. Daí percebo que Ten sumiu no apartamento, mas não tenho tempo pra analisar suas façanhas. Sento no chão comendo macarons e transcrevendo minha anotação do caderno da faculdade para o meu bullet journal. Há uma coleção de frases aleatórias que pensei em momentos diferentes:
“construa seu reino e veja ele ruir
as faces da lua vão cuspir em você
ninguém saberá da sua existência
os séculos passam e tudo piora
a dor não é tão forte quando dorme
você luta pra sobreviver e sobrevive para morrer
o sistema te engole por inteiro e você finge que gosta
o orgasmo fingido te assombra na manhã
o orvalho não é doce, é salgado
você fuma e pensa que a vida melhora
seu corpo é tão frágil, quase inútil
ninguém liga se você some
no fundo, somos todos egoístas
a dor do parto é da derrota
queime o dinheiro e seja chamado de estúpido
mate um homem e dirão que é inferno
céu e inferno são a reflexão do medo e esperança
seres humanos são pequenos e se sentem desamparados
talvez deus nem exista e somos todos fungos
programas de tevê são ridículos e patéticos
capitalismo é escravidão gourmet
a colonização nunca terminou, só foi mascarada
venda seu corpo e ele continuará puro
odiar a si mesmo é odiar deus
a queda dói porque gostamos da superioridade
bata palma para aquilo que você gostaria de ser
pessoas medíocres têm mais sucesso que prodígios
entretenimento é antidepressivo para mente vazia
consumismo faz parecer que preenche o oco peito
a superficialidade do indivíduo é reflexo da sociedade
os dias parecem logos na infelicidade
não precisa viver tanto tempo, o que importa é a intensidade
faça o que quiser e depois falhe
não existe imperfeição ou perfeição
não existe certo ou errado
deus não é seu sugar daddy
cuide da árvore senão a estaca atravessa teu corpo
talvez sua existência seja mero entretenimento
gaste seu tempo do jeito que quiser: estudo, trabalho, dormir, não fazer nada... tudo isso é uma perda de tempo igualitária
as dores de antes repercutem nas atuais
o sol te acha desagradável e tosco
sexo é esmola para almas desesperadas
o sonho do oprimido é se tornar opressor
a noite é fria porque o ódio não aquece
os idiotas dominam o mundo, não fique no caminho deles
deus está perdido acerca da própria existência
você se sente sozinho porque não há ninguém igual a você
atração física é igual cocaína após um dia de labuta
choro é rio que suja mais do que limpa
o plástico que põem no corpo é para atrasar a decomposição
a areia cobre pegadas, não adianta tentar ser memorável
se o futuro assusta, viva o presente
conquistamos a lua porque queremos provar que somos invencíveis, mas morremos por vírus e rajadas de vento
não somos benevolentes nem amigáveis
usamos a violência para propagar a paz
pode ser que derramamento de sangue traga mais alívio que um abraço
você pede atenção porque não se tem como prioridade
você é um cavalo para o governo
os cosmos não ligam se teu vídeo é viral
implorar amor é inútil, porque é passageiro
venda seus sonhos e compre comida
morte é um bloqueio criativo de deus acerca da sua vida
todos temos síndrome de superioridade
ego alimenta mais que pão matinal
faça seu pior e ganhe fama
monogamia é o eco do desesperançoso
não existe positividade se o que você consome é apenas podridão
o ódio semeado oculta uma frustração imensurável
ódio e amor são frutos da mesma árvore
todo sentimento é energia, e toda energia é transformada
infelizes são os que sonham demais
religião e leis são os artifícios de controle e manipulação da classe dominante
sucesso e fracasso são redundâncias supérfluas
somos um rebanho posto para capinar o mundo, quando não mais sobrar nada iremos morrer
seu sofrimento não muda nada no universo
a complexidade da sociedade orgânica te torna dependente
dependência é prisão
você não é nada sozinho
você não é nada em bando
seu bando não é nada contigo
seu bando não é nada sem você
você é um nada
você é um deus
você cria, assim como foi criado
você cria entretenimento
você foi criado para o entretenimento
tudo é questão de ponto de vista
nada é real
tudo é real
perspectiva anula dogmas
o amor não passa de obsessão
estou obcecado
o céu talvez seja o verdadeiro inferno”
Fecho o bullet journal. Solto um suspiro. Comi quatro macarons, vou deixar o resto para Ten. E Ten, que nem estava aqui desde que me vesti, do nada aparece saindo do meu quartinho da bagunça com alguma coisa nas mãos.
— Olha o que encontrei! — ergue o objeto escuro.
Levo alguns segundos para reconhecer a sua gargantilha.
— Oh, eu... Hm... Guardei — fico meio sem jeito, confesso. Não era algo que ele deveria achar.
— Nem me lembro de ter perdido — senta-se ao meu lado enquanto olha-a em diferentes ângulos. — Você não sabia que era minha?
— Sabia.
— Me roubou, então?
Eu acabo abrindo um sorriso nervoso logo no instante em que Chittaphon me olha.
— Que foi? Eu tô brincando contigo! — então ele ri e joga o braço direito por cima do meu ombro.
Relaxo os músculos e me permito sorrir com ele.
— Mas eu realmente achei que tinha perdido — ainda comenta. — Não se preocupe. Vou deixar com você.
— É seu, você deveria pegar.
— Nah — balança a cabeça. Mas eu já tava com tanta saudades disso... — Vou pôr no mesmo lugar.
Não me dá nem tempo de negar, simplesmente levanta e volta ao quarto. Ocupo-me pegando o celular e pondo algum vídeo do YouTube, porque eu me sinto um cachorro desgraçado de cansaço e tudo que eu quero é me distrair com qualquer boboquinha da internet.
Quase não percebo quando meu amor volta e, do nada, senta-se nos próprios calcanhares, atrás de mim. Apenas sinto seus braços ao redor da minha barriga e sua bochecha nas minhas costas. Eu até pergunto se ele tá sentindo alguma coisa, mas me responde que quer ficar assim por um tempo. Eu deixo, não nego, gosto do peito dele contra minhas costas e de como sua respiração quente resvala pelo meu corpo. Até acaricio seu braço ao redor da minha barriga, seguro sua mãozinha com maior zelo do mundo. Sinto-me feliz e radiante. Eu não precisei chamá-lo e também não acho que ele brotou do nada para sexo. É ele aqui mesmo, carne, ego e osso. Mas além de tudo, ele é real e está comigo agora.
— Te amo, bem — inclino-me de um lado para o outro, afim de chamar atenção.
— Te amo! — ele se levanta um pouco e inclina o corpo pra cima de mim, tanto que viro o rosto para ver o que vai fazer. O que faz, porém, me deixa rubro de vergonha: Ten morde minha bochecha enquanto segura meu rosto. Mesmo que eu esteja gemendo, ele não para e morde de novo. Por fim, acrescenta: — Lindo!
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