nós só conversamos
Sento-me de volta na cama e ocupo-me com o celular. Vejo o contato de Taeyong. A última mensagem que me mandou foi perguntando se cheguei em casa, e eu só respondi com a minha localização. Passo direto por ele, atropelo meu dedo, e é aí que eu penso em como eu tenho que aprender tanta coisa, mas tanta coisa, que me assusta. Solto um suspiro. Eu continuo no mesmo degrau. Mesmo que todo dia eu aprenda algo diferente, eu sinto que continuo no mesmo degrau. Às vezes pensar nisso dói um pouco. Até demais.
Após algum tempo vendo memes de celebridades, eu me levanto para espiar a vida dos outros de novo. O que vejo, porém, deixa-me assustado: Jaehyun e Dodo aos beijos insanos, puxões nas camisas, mãos bobas percorrendo o corpo do outro. Quase grito de surpresa. Pensei que era só um beijinho, mas tem um turbilhão de coisas acontecendo lá na sala. O que é isso? Dodo descendo a mão para a virilha de Jaehyun? Eu preciso sair daqui agora!!!!
Volto para a sacada. Olho ao redor, mas só vejo a rua. Ali a alguns metros da casa tem um food truck de comida de rua. Se eu conseguir descer daqui sem morrer, eu vou lá comer. Até mesmo encontro um par de chinelos praticamente debaixo da cama. Ponho nos pés e fico aqui roendo as unhas, querendo saber o que é que eu faço da vida numa situação dessa. No meu celular uma notificação pede atenção. Eu checo rapidamente, é uma mensagem do Taeyong.
sugarr baby: não consigo parar de pensar sobre o que falamos hoje
sugarr baby: isso tá corroendo minha mente
sugarr baby: você tá livre agora?
Solto o suspiro e, ao invés de abrir o app e respondê-lo, eu apago a tela e penso sozinho em como vou escapar. Não sei quanto tempo gasto olhando e bisbilhotando as coisas do quarto, provavelmente é onde irei dormir. Mordo o lábio, agoniado, porque acho que estou meio ansioso agora. Mas um barulho vindo do corredor me faz sentir hesitação e curiosidade ao mesmo tempo. Engulo em seco, chego perto da porta, olho para ver o que está acontecendo. Jaehyun está coladinho ao Doyoung, ambos estão se agarrando no corredor, caminhando aos tropeços para o quarto de Jung. Caralho, eles estão praticamente se comendo. E eu digo isso no sentido literal da coisa.
Pego meu celular e minha carteira. Estou de pijama, mas não estou nem aí. Espero quando entram no quarto aos beijos, a porta do cômodo é encostada. Eu escuto uma conversa entre os dois lá dentro, mas agora já não quero mais saber de nada. Abro a porta do quarto e percebo que estou com medo e lentidão, preciso ficar atento para voltar a qualquer segundo. Mas não. Eles continuam lá dentro e eu honestamente não acho que irão sair tão cedo. Nas pontas das sandálias, vou caminhando para a porta até abri-la. Saio, puxo a maçaneta e levo trezentos anos fechando para não fazer um mísero barulho que seja. Aqui, do lado de fora, solto um suspiro de alívio. Vou ao elevador e, só no espelho, quando estou descendo, vejo que meus cabelos estão desgrenhados, além de que estou vestindo um pijama amassado. Bem, aparentemente sempre gostei do fim do poço.
Se eu pelo menos consegui sair, isso que importa. Agora esse chinelo é difícil de andar, porque as tiras são nos dedos e eu particularmente não gosto tanto quando é assim, tanto que não costumo usar. Mas se é o que temos, é isso aí. Saio do prédio com uma cara de derrota e vitória ao mesmo tempo. Caminho até a parte de trás, atravesso a rua e vou ao encontro do food truck. Eu preciso comer. Acho que vou começar a afogar todas as minhas frustrações com comida. Literalmente todo mundo faz isso, por que eu não posso fazer? Eu quero ser assim também.
— Moça, poderia me servir dois sundaes, por favor? — assim que me sento na cadeira já vou fazendo meu pedido, porque eu mereço.
Estou com meu celular, minha carteira e calçado no pé. Não preciso mais de nada.
— Oh, você é o Ten daquele programa de culinária? O juiz malvado, né? — o rosto dela se ilumina ao me ver.
Ok, minha lista não está muito boa. Era pra eu ter adicionado que esqueci de pegar um boné e uma máscara.
— É, sou eu sim — sorrio, porque agora não tem mais pra onde fugir. — Obrigado por assistir — me curvo rapidamente.
Pelo amor de Osíris, moça, traz logo minha comida! Meu melhor amigo pediu comida, mas tá lá comendo outra coisa!
— Agora vou caprichar bastante no seu e depois me diz como está? — ela sorri toda animada.
Eu sorrio de volta e concordo balançando a cabeça.
— Mas não se preocupe, deve estar incrível!
— Fique aí, fique aí... Eu vou trazer! — ela sai toda apressadinha e vai para o veículo. Fala com um cara lá dentro e aponta para mim, então os dois começam a olhar para mim e conversar.
Como já estou visível, abro a câmera do meu celular para poder dar uma ajeitada no meu cabelo. Se mais alguém me reconhecer menos mal, mas se todo mundo me reconhecer, vou estar parecendo um maluco. Não posso estar parecendo um maluco, muito embora esse pijama e sandália provam exatamente isso. No mínimo eu poderia parecer bonito só com o rosto. Se bem que até isso é limitado, porque estou sem maquiagem e estou usando óculos. Jaehyun me paga!
Enquanto deslizo as pontas dos dedos pela minha franja, mais notificações de Taeyong. Dessa vez, eu suspiro e puxo a central de notificação do meu celular, para ter uma prévia delas.
sugarr baby: tá, já entendi
sugarr baby: durma bem, se estiver lendo
Eu praticamente sou obrigado a ir no seu chat respondê-lo, porque está achando que ignorei de propósito. Existe uma coisa chamada filtro, tá? Eu não vou dar preferência a isso quando outra coisa estava acontecendo e eu me vi desesperado em fugir.
você: oi ty eu tava ocupado oq foi?
sugarr baby: pode chamada?
você: tu não deveria estar estudando?
sugarr baby: é mas eu não gosto dessa matéria, posso ficar no campus e falar com você
você: não deveria fazer isso ty. vá estudar. independente de gostar ou não, é importante
Tá, só uma coisa. Antes de questionar o porquê de agora eu estar digitando certo é que eu tive a belíssima ideia (note a ausência de sarcasmo) de usar o controle de voz do teclado para escrever sem usar os dedos. Então eu só estou sentado olhando para o nada e falando perto do microfone do celular. Acessibilidade, eu te amo. Tô até emocionado.
sugarr baby: você não quer falar comigo, é isso?
sugarr baby: se for, tudo bem, sabe. eu te entendo
Bloqueio o celular após respirar bem fundo. Deixo a tela virada para baixo enquanto estou na mesa. Em questão de segundos, a senhora aparece com minha comida. É estranho ter pessoas me observando comer, porque agora ela está me olhando cheia de expectativas, além do moço lá dentro também. Na verdade não só eles. Acho que quando eu estive ocupado arrumando o cabelo e falando sozinho com meu celular, ela deve ter espalhado a notícia para os outros clientes, então boa parte deles está olhando para minha cara ou com o celular na mão. Agora eu vou sair feio na internet também.
— E aí? O que achou? — a senhora nem me espera terminar, ainda estou mastigando.
Faço legal com o dedo e ela sorri, bate palmas e todo mundo fica animado com isso. Mesmo com a boca cheia, fico tentado a rir, mas não posso.
— Agora vim perceber. Você machucou o braço?
Concordo ao balançar a cabeça. Está gostoso, mas um pouco seco demais. Mas não vou falar isso a ela. Embora eu deva... Bem, aprendi por experiência com Taeyong que não devo falar tudo que que acho, porque tudo pode virar um problema.
— Isso é muito ruim. Um dia machuquei meu punho e fiquei bastante tempo sem cozinhar. Para nós, que cozinhamos, manter as mãos e braços saudáveis é essencial. Fico triste por você não poder estar cozinhando. Mas vai estar melhor em breve! Você quer que eu traga mais para você levar para casa? Vou trazer sim, não se preocupe! — ela simplesmente sai correndo para o food truck e nada que eu faça ou fale irá impedi-la.
E o que acontece? Sim, minutos depois eu estou saindo com trezentos olhares sobre mim, com um saco cheio de sundae no braço esquerdo e segurando meu celular. Eu poderia ficar lá por mais tempo, mas estava ficando bem caótico. Algumas pessoas estavam querendo tirar fotos e, gente, eu não estou com cara para foto, não! Não é que sou feio, eu não sou. Só estou sem maquiagem, estou encharcado de remédios e vestindo pijama. Eu nem sei se esse Ten de agora é o mesmo que usa roupas incrivelmente lindas e só fica sério na televisão. Inclusive, eu tive até que autografar para a moça do food truck, ela disse que iria moldurar e colocar lá dentro. Por isso que agora estou fugindo sem correr. Medo de arrancarem minha pele também.
Após uma caminhada de alguns metros, encontro uma pracinha. Como está tarde da noite, não tem nenhuma criança. Eu me sento no balanço, mas depois levanto. Eu não vou conseguir me equilibrar com uma mão só e vou cair. Melhor sentar num banco mesmo. Desbloqueio meu celular e ligo para o Taeyong. Desde sempre, desde exatamente o dia que o conheci, ele faz o favor de me fazer sentir culpado por toda e qualquer coisinha que faço ou deixo de fazer em relação a ele. Isso cansa e nem estou sendo exagerado. Cansa mesmo.
Ele leva algum tempo para atender. Eu espero. Espero. Espero. Quando estou prestes a encerrar a chamada, ele me atende.
— Oi, eu estava saindo da sala — é o que diz. — Você tá bem?
— Hm. Diga o que queria dizer, para eu não precisar dormir hoje com o papel do vilão.
— Não quis dizer isso, Ten. Não precisa ser tão duro. É só que a gente não se entendeu.
— Você que não se entende, Taeyong. Estamos bem. Estamos perfeitamente bem.
— Se estamos bem, por que está falando nesse tom comigo? Sei que ainda está com a voz que fica com o remédio, mas eu percebo que está mais exaltado e chateado agora. Não parece estar bem.
— Porque o problema é o que você traz — suspiro, para tentar não falar merda. — Eu acho que... sei lá, nossa fase honeymoon tá acabando, é isso?
— Não, Ten...
— Deve ser. Sério, eu estou irritado com aquilo. Eu tenho tentando ser compreensível e tudo mais, só que até ser assim uma hora cansa, você não percebe. Por que cutucar algo que está bem?
— É só que você faz as coisas e eu não sei por que você faz. E eu só queria saber, entende?
— Taeyong, me desculpa se eu parecer grosso, tá? Mas é a minha vida. Eu determino o quanto dela eu quero que as pessoas tenham contato e o quanto não. Se eu quisesse dizer, eu já teria dito. Ao invés de você esperar e deixar que isso aconteça naturalmente, porque ainda estamos no início do namoro e nos acostumando com toda essa parada, você fica me pressionando com esses papinhos toda vez que sentamos juntos. Eu só quero ficar com você e é só. Não quero conversar sobre coisas mais densas ainda. Vamos aproveitar.
— Eu só quis dizer que namoro não é só sentar para beijar na boca e transar quase todo dia e...
— Taeyong, volte pra aula. Você não está me escutando e, se fosse para ser assim, eu estaria namorando uma parede. Vai lá. Eu tô cansado e daqui a pouco vou estar dormindo — encerro a chamada.
Levanto-me do banco quando sinto meu celular vibrar numa nova chamada vinda dele. Não atendo. Entro numa loja de conveniência, compro chocolate. Eu acho que não posso beber refrigerante, então não compro. Compro salgadinho também e sorvete. Saio tomando o sorvete e volto para a praça. Assisto metade de algum episódio de Vincenzo e me dou conta do horário. Se eu voltar e Dodo ainda estiver lá, eu vou me surpreender. Ninguém leva tanto tempo assim transando. Tem mais de uma hora que saí.
Volto caminhando bem devagar. Como meu sorvete já acabou, eu como agora chocolate. Lentamente, entro no prédio, aperto o botão do elevador com o cotovelo e seleciono o andar do mesmo jeito. A campainha, faço o mesmo. Segundos de espera até Jaehyun aparecer abrindo a porta, vestindo roupas diferentes das que estava quando saiu do banho da outra vez.
— Ten — ele sorri para mim.
Reviro os olhos e passo direto por ele. Olho ao redor, mas não encontro Doyoung. Pelo menos ele já foi embora, porque seria estranho eu estar no meio deles dois. Nada contra, mas né... Eles acabaram de transar, precisam de privacidade.
— E aí? Como foi? — largo o chinelo em qualquer canto e me jogo no sofá comendo o restinho do meu chocolate. É difícil encontrar uma posição confortável com esse gesso.
— Como foi o quê?
— Com Doyoung.
— Ah... Nós só conversamos.
— Para de mentir, garoto! Eu vi vocês se pegando no sofá! Não nasci ontem, Jaehyun, você trocou de roupa e está exalando sexo. Acha que me engana?
Jaehyun fica com o rosto vermelho, embora negue com a cabeça.
— Não é isso...
— Tá, me diz: como foi? Foi bom? Vocês estão namorando?
— Aish, você está insuportável... — ele abraça a almofada e se encosta no sofá. Está tentando segurar o sorriso, mas não tem êxito. — Foi bom, sim.
— A-há! Sabia! — ouso dar um pulinho no sofá. — E ele já foi, né?
— Uhum. Tem um tempinho. Você demorou pra cacete lá fora. Aliás, como você sabe o que teve aqui?
— Porque eu fui para o quarto de hóspedes e lá não tem como sair. Fiquei aqui o tempo todo até vocês irem para o quarto e eu poder sair sem ser visto. Foi traumático.
— Me sinto pior ainda. Que vergonha! — Jaehyun, todo fofo, cobre o rosto com a almofada e eu fico rindo. Taeyong também fica fazendo quando está com vergonha.
— Relaxa, Jung, já vi você pegando tanta gente em tantas festas que já não me surpreende em nada — puxo a almofada do seu rosto. — Eu passei vergonha lá fora, estou um caco, sem maquiagem e ainda me reconheceram.
— Pelo menos você comeu. Tem comida no canto dos seus lábios, Ten — Jaehyun ri e se inclina para limpar com as costas das mãos. — Como foi seu rolê?
— Péssimo. Só serviu para me estressar mais ainda com Taeyong.
— Tu encontrou Taeyong na rua? — arregala os olhos.
— Não. Ele queria conversar e fizemos uma ligação.
— E aí?
— E aí o quê?
— O que teve?
— Nada, só umas coisas que ele está implicando.
— Vocês estão saindo da fase honeymoon?
— Possivelmente. E é um saco, porque se dependesse de mim a gente ficaria de boa para sempre. Mas ele veio com um papo de que eu não estou me abrindo e os caralhos. E toda vez que a gente tá de boa, ele surge com esse papo. Eu tô tentando ser legal, sabe? Mas é muito, mas muito chato ter que ficar falando toda hora. Eu entendo o lado dele, mas também me sinto meio desrespeitado. Não que ele esteja sendo um babacão, ele está sendo legal e bem carinhoso ao preocupar, só que é chato. Só... chato, repetitivo, cansativo...
— Você já falou com ele?
— Já, mas ele não me escuta. Fica dizendo que namoro não é só beijo e sexo, e que também tem que ter conversa e pipipo. Eu entendo isso, mas a questão é que eu não quero que as coisas fiquem densas ainda, quero aproveitar que somos um casal recente apaixonado que não quer nunca sair da cama. Sacou?
— Acho que o Taeyong viveu a época honeymoon dele quando vocês estavam na Grécia e o início do namoro de vocês tenham sido o meio indo para o final. Então agora ele já está de fato com a cabeça no namoro, entende? Então talvez ele queira um pouco mais de honestidade ou determinadas conversas sérias que vocês não tinham antes. Só que você não está nessa mesma fase que ele, saca? Ou pelo menos não se sinta aí.
Eu solto um suspiro.
— O que eu faço?
— Eu não tenho como te aconselhar nisso, porque eu não sou você e nós temos sentimentos e pensamentos diferentes.
Encosto a cabeça no ombro de Jaehyun. Não sei o que fazer.
— O que você faria?
— Eu conversaria mais com ele sobre essas coisas.
— Mas eu não me sinto confortável agora...
— Exatamente — ele faz um carinho no meu queixo. — Somos diferentes. Se você não quer, não precisa se forçar.
Solto um suspiro e fecho os olhos.
— Relaxa, Ten. Não fica pensando nisso — Jae continua. — Tudo bem?
— Uhum.
— Então tá. Amanhã você fica com ele, porque ajeitamos assim. Vocês tem que se resolver, ou talvez deixar o assunto de lado e viver o agora. Mas tente ser compreensível, ao mesmo tempo que exponha sua opinião também. Escutou?
— Uhum — empurro meu corpo para chegar mais perto de Jaehyun. — Jaey.
— Que foi?
— Quero leitinho...
— Ai, sinceramente, você é muito pidão... — ele fica reclamando, mas não demora a se levantar e ir à cozinha.
— Você é o melhor! — grito da sala.
Ele resmunga um "tá, tá" que se perde entre o barulho metálico da panela e a geladeira abrindo. Jaehyun é o melhor.
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