nós precisamos sumir do mapa

Papai chegou. Ele está mais grisalho que outrora e anda mais sorridente. Me dá um abraço bem apertado quando me vê, bagunça meu cabelo até. Reclamo com ele. Não levo vinte minutos penteando esse cabelo para ele desarrumar em cinco segundos, não. E ele não liga, como sempre. Eu apresento Taeyong como meu namorado... Ele está no meio do aperto de mão quando me dá um olhar curioso e depois encara Taeyong por um tempo.

Ele só fala inglês e coreano — aviso de antemão, assim que vejo-o preparar-se para dizer algo. — Se chama Taeyong.

Prazer... Taeyong? Depois falo com você com calma, ok? — quando ele fala isso, Taeyong sorri e concorda com a cabeça.

Meu pai se afasta e sinto uma ansiedade percorrer meu corpo, arrepiar tudo. É tudo muito complicado e sensível para mim. Queria que não fosse tão estúpido dessa maneira, mas me sinto melhor por Tae estar aqui comigo. Lee pergunta o que é que meu pai vai falar com ele, eu respondo que não sei, mas não é para se preocupar.

— Eu disse que você é meu namorado, deve ser por isso — explico.

— Você disse isso? — sua surpresa me surpreende.

— Basicamente falei com todo mundo com quem conversei hoje que você é meu namorado, Taeyong — giro o corpo e passo a observar meu pai todo animado cumprimentando todo mundo da família.

— Ah, nossa... — deixa a frase no ar. — Isso significa muito.

— Você significa muito, então está em equilíbrio — abraço a mim mesmo por um tempo e fico em silêncio, apenas observando meu pai.

Depois de trocar palavras com todo mundo, ele vem até mim outra vez e me dá um abraço apertado. Outra vez, bagunça meu cabelo, sorrindo, e diz que cresci bastante. Não o vejo há dois anos, porque quando apareço por aqui meu pai nunca está. E ele sempre enrola, demora, não vem. Eu sou o único que ele não vê com tanta frequência, porque até com minha irmã ele tem mais contato.

Mas ele é muito carinhoso, até demais. Me dá um beijo na testa e diz o quanto sentiu minha falta e que me ama muito. Eu concordo com a cabeça. Só concordo.

Te amo mesmo, viu? — ele repete.

Eu concordo com a cabeça. E ele vai andando puxando a mala para o andar de cima, como se tivesse ainda o quarto na Primeira Casa. Eu detesto estar sentindo essas coisas, por isso saio o mais rápido possível em busca de um ar puro. O vento que seja, o mínimo, para me distrair.

— Seu pai parece legal — escuto Taeyong comentar, ao meu lado. Já estava esquecendo da existência dele grudada em mim.

— Deve ter bebido — falo, esfregando o pé na grama e me abraçando mais ainda. Ligeiramente tremo, porque eu sou muito fraco. Muito fraco para certas memórias e momentos.

— Você tá bem? — ele tenta olhar-me nos olhos, mas desvio o olhar e me viro.

— Uhum, só preciso ir ali... — dou uma desculpa qualquer antes de apressar meus passos ao lago.

No meio do caminho, sento-me num banco e desde já minha visão fica embaçada. Eu não sei por que isso ainda acontece comigo há anos, porém não importa. As lágrimas desesperadamente caem, eu caio junto, me sinto tão pra baixo. Às vezes eu gostaria de modificar pequenos detalhes que ainda mexem comigo. Eu não sei se estou tão crescido assim. Sinto que ainda tenho quinze anos de idade e estivesse preso no meu quarto num feriado qualquer que eu tivesse vindo pra casa.

— Ten? — ah, ótimo, Taeyong me seguiu. — Que foi?

— Nada, não — tento enxugar o rosto, mas na mesma hora as lágrimas são repostas.

Taeyong despenca ao meu lado no banco e não diz mais nada. Sinto seus braços ao redor do meu corpo, ele me puxando bem apertado contra seu peito. Em meio as minhas lágrimas, ele beija o topo da minha cabeça e faz carinho nas minhas costas. Eu quero chorar mais, porque eu amo ele e sinceramente... Eu estou assustado com todas as coisas da minha vida.

— Tudo bem, pode chorar... — ele sussurra, com o rosto no meu cabelo. — Não se preocupe... Pode chorar, eu tô aqui.

Eu abraço-o pela cintura bem forte, porque não quero que desmanchemos o abraço e ele possa me ver chorar. Odeio o fato de estar chorando na frente dele, porém ele estar aqui comigo me traz um certo alívio. Porque às vezes sinto que a vida é apenas um labirinto ou um círculo e sempre me deparo com os mesmos sentimentos postos de maneira diferente. Os anos podem passar, as situações também, tudo fica diferente. Mas, mesmo assim, aparentemente nada muda. E eu cansei de ficar enterrando tudo. Eu me odeio tanto agora.

— Eu me odeio tanto agora... — eu comento, minha voz mais trêmula do que eu pensei que sairia. Se Taeyong entender o que eu digo, parabéns a ele.

— Está tudo bem, vai passar — ele me consola. — Sempre passa.

— Mas sempre volta.

— Mas não dói tanto quanto anteriormente — como ele fala, parece até que me entende. — Seu pai... Ele te disse algo ruim?

— Não, ele só disse que me ama muito — eu já estava melhorando, mas recordar disso faz tudo piorar e choro mais ainda. Estou molhando a camisa que Taeyong usa. — Desculpa, Tae...

— Não peça desculpas... — seus dedos deslizam pelos fios do meu cabelo. — O afeto dele te deixa triste?

— Ele não fala comigo, Taeyong — me afasto, enxugando o rosto, mesmo que isso seja inútil. — Eu literalmente imploro amor a ele desde sempre. Mas o amor dele é só dito. Eu não quero amores ditos. Eu não quero que digam que me amam. Eu queria que ele realmente agisse como se... Se me amasse de verdade, entende?

Tae parece entender, ou talvez sua expressão seja de pura empatia. Ele pega uma das minhas mãos e acaricia, olhando bem nos meus olhos. Eu queria não estar assim na frente dele.

— E toda vez ele aparece assim, como se tivesse mudado, como se realmente tivesse passado a se importar... Mas não é verdade — encolho os ombros ao acrescentar. — E você acha ele legal e... Ele nem é tão legal assim.

— Desculpa, eu não tenho a mesma percepção que você.

— Eu não gosto muito de estar aqui... — respiro fundo, tentando normalizar minha inspiração. — Sabe Dollhouse... Aquela música da Melanie?

— Sei qual é.

— É a música da droga dessa casa — puxo minhas pernas sobre o banco e me enrolo ao redor delas. — Aqui todo mundo parece perfeito e legal e tudo mais... Mas não é assim.

— Mas todas famílias tem coisas que não mostram, né?

— É, só que aqui fingimos tudo para a sociedade e, sobretudo, a mídia — conto. — Muitos acham que meus pais estavam com algumas diferenças e por isso se separaram devido a um acordo dos dois e tudo mais... Mas ninguém fora dessa casa sabe que ele deve ter traído ela, no mínimo que sabemos, umas cinco vezes... E minha mãe tinha uma autoestima horrível e tomava uns medicamentos desde quando eu era criança. E... Sabe aquela porcaria de casa na árvore?

— Sim...

— Eu preparei um coquetel molotov e simplesmente atirei nela — explico. — Porque eu tinha construído ela com meu pai e, quando tudo desabou na família, eu o culpei e decidi que iria odia-lo. A única vez que ele de fato se importou em fazer algo comigo foi aquela casa, então destruí-la simbolizava o rompimento de uma conexão nossa.

Eu não sei se Taeyong está me achando um louco ou percebendo que, na verdade, não sou nada daquilo que ele pensou que eu fosse... Eu não acho que ele vá gostar menos de mim, mas irá mudar minha imagem na sua cabeça. A questão é que eu estou exausto de ficar segurando essas coisas sozinho e, por mais que eu deteste compartilhar detalhes da minha vida aos outros, sinto vontade de dizer a ele.

— E agora — eu continuo. — Ele tem uma outra vida... Outra família... Outras questões para lidar. Não temos contato com a sua vida nova, assim como ele também não tem muito contato com a nossa. Ele só aparece porque é nosso pai e também de vez em quando ajuda em algo da editora. Ele costumava trabalhar lá, mas se demitiu depois do divórcio. Só que teve tantas questões, tantas polêmicas... Eu não sei de tudo, eu era mais novo e ninguém me contava nada. Mas ouvi algumas coisas pelos corredores... E, quando minha família já estava toda partida, eu resolvi me mudar.

— Foi quando fez o intercâmbio?

— Sim. Eu sabia que teria apoio do meu avô, então pedi ajuda a ele — engulo em seco, agora olho para cima e enxergo as copas das árvores. — Eu fui embora antes de tudo piorar. Eu soube que teve muitas brigas aqui em casa e todo dia alguém era descoberto sobre suas coisas... Foi quando eu soube que meu tio, aquele que você estava tendo aquela conversa antes de brigarmos... Ele tinha uns podres por trás e isso me fez odia-lo mais do que antes. Mais da metade das minhas inseguranças e traumas foram causados não só por ele, mas também nessa casa em geral...

Não falo mais, porque sinto que já disse o suficiente. Falar mais vai me deixar extremamente nu, não quero que ele me veja por inteiro. Não quero que ele saiba tudo da minha vida. Porque eu sei que, se não durarmos, ele estará carregando pedaços de mim pelos cantos e eu não quero pertencer tanto a alguém que não seja eu. Eu amo-o demais e sei que ele me ama. Mas ninguém pode fazer ninguém ficar. Eu não sei como será o futuro.

— Sinto muito por tudo isso — Tae vem me abraçar outra vez, seu cheiro forte o bastante para me deixar apaixonado outra vez. Olho-o nos olhos, já que estamos bem próximos. — Sinto muito por tudo que tenha acontecido de ruim na sua vida e você teve que passar só. Mas eu tô aqui por você, tá? Não se esqueça. Eu sempre vou estar com você e nunca vou te esquecer. Pode ser que eu não possa fazer nada, mas eu vou te escutar e vou te entender. E se você quiser pôr fogo em mais alguma coisa, saiba que estou dentro.

— Obrigado, Yongie — aperto sua mão na minha.

— E não se odeie por muito tempo. Espero que seja um sentimento passageiro — acompanho seus olhos fixos nos meus.

— Tudo bem...

— Onde já se viu uma gostosa desse jeito se odiar? — ele brinca.

Eu acabo rindo e ele sorri comigo. Seus beijinhos no meu rosto úmido me aquecem, ainda mais com esses sussurros sobre quão maravilhoso e grandioso eu sou. Sinceramente, conhecê-lo foi uma das melhores coisas que me aconteceu na vida. E eu estou falando totalmente sério.

E quando minha mãe passa e nos vê tão próximos e carinhosos, começa a observar nós dois de longe. Eu puxo Taeyong para sairmos da vista dela e digo que podemos encontrar um lugar mais íntimo para ficarmos.

— Qualquer lugar... — eu proponho. — Nós precisamos sumir do mapa.

— Olha, tem um lugar que acredito que ninguém vai... — Tae me diz, seguindo comigo por onde eu estava indo antes de parar pra chorar. — O outro lado do lago. Tem como ir andando, se contornarmos.

— Quem anda é mané, a gente vai de barquinho!

Taeyong ri e me abraça por trás. Eu me permito ficar nesse carinho por um tempo, com sua respiração no meu pescoço e seus braços ao redor dos meus ombros. E, de brincadeira, ele se impulsiona e sobe nas minhas costas, enlaçando as pernas no meu quadril. Sou obrigado a caminhar assim, e ele volta a sussurrar o quanto sou incrível, talentoso, divertido, companheiro...

Eu amo-o demais.

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