nós nos afastamos
Estou cansado. Deito no sofá do meu apartamento — que nem é meu, veja bem — e me sinto cansado e esgotado. Dias comuns são tão cansativos. E olha que voltei cedo, já que normalmente preciso me vestir para ir à faculdade. Como as aulas só começam daqui a poucas semanas, eu posso gozar da paz que é fechar a floricultura e ficar em casa de bobeira. Sinto falta de Ten. Tudo bem que ele está ocupado com as coisas. Na verdade, ao checar o horário, acredito que ele deve estar cozinhando agora, porque o restaurante fica cheio. Muitas pessoas fazem reservas lá. Mas bate um pouco de vazio, sabe. O silêncio. O vento que balança a cortina levemente, como uma dança, e eu aqui sem ninguém para dançar comigo. Só comi uma coisinha hoje, a salsicha que Renjun trouxe pra mim, e por isso me sinto mais cansado ainda. Não comi e agora minha cabeça dói. Queria que Ten estivesse aqui. Desde que começamos a namorar estamos bem grudados, por isso o choque de agora. Queria que ele estivesse aqui.
Ele só me mandou uma mensagem hoje às quatro da tarde.
açúcar papai: falo contigo depois.
Cadê? Ele não falou mais nada. De alguma forma, as palavras de Renjun ressoam pela minha cabeça e fico me questionando se Ten realmente quer dar um tempo de mim, por conta do grude. É bem a cara dele fazer isso. E ele também falou que eu o distraio demais. Eu entendo, não vou negar. Mas gostaria de fazer birra e procurá-lo mesmo assim. Ainda tem essa aposta com Renjun, nem sei se vou conseguir ganhar. Se a questão envolvesse apenas a jardineira, seria interessante. Agora pagar jantar no restaurante de Ten, sem chance. A não ser que eu faça fiado, coisa que se eu tiver coragem, me encaminho justamente ao Ten para o acerto de contas. Não gosto de dever. Mas também tenho medo da fatura do cartão.
Hoje foi um dia pacato depois que a jornalista foi embora. Nunca pensei que iria aparecer nas câmeras ou que seria importante o suficiente para alguém marcar uma entrevista comigo. Contudo, inúmeras vezes peguei-me falando sozinho no banheiro respondendo perguntas fictícias sobre fetos realizados por mim, também fictícios. Acho que, de alguma forma, achei que eu poderia fazer sucesso através do meu trabalho, do meu sangue, não porque tô beijando na boca e dormindo com alguém importante. A mídia é engraçada.
Eu, entediado, faço um pouco de chá para beber e ligo o difusor de óleos essenciais. Quero ficar bem, me sentir bem, até sento no sofá lendo um livro. Como fiquei tanto tempo longe de Ten no último ano, quero preencher essa falta com um grude meio cego. Por isso a falta. Quero sentir os fios de cabelo dele entre os meus dedos. Mas ele ainda não me mandou mensagem e tenho medo de digitar algo que sugira uma possível vinda dele até aqui, porque eu também não quero perder a aposta. Mas ficar sem ele é fogo.
Olho para o sofá e me lembro do dia maluco que nos amamos intensamente aqui. Eu e ele não somos muito de fazer sexo, embora tenhamos uma dinâmica extremamente sensual. Às vezes não saímos das preliminares e é por isso que apenas colecionamos dois momentos que contém um passo além. Isso é bom, mas às vezes me deixa meio agoniado. De repente sinto que preciso da presença dele aqui. Largo o livro sobre o sofá e encaro a janela aberta. Sem querer minha não cai na minha virilha e eu inevitavelmente me acaricio por cima da calça por alguns segundos. Que merda. Eu nem costumo fazer essas coisas, mas... Bem, uma vezinha não dói, né? Ainda mais porque sinto a falta dele e, se eu pudesse, iria para a sua casa fazer justamente isso.
Mas é só eu me acomodar melhor no sofá e ir descendo o zíper da calça que a maldita campainha toca. Meu primeiro pensamento: eita preula, é o Ten! Não fecho a calça nem nada, apenas me levanto parar abrir a porta que nem doido.
— Oi, Taeyong, podemos conversar?
Fico paralisado por alguns segundos.
— C-claro, noona — me afasto da porta e espero que entre.
Abaixo rapidamente o olhar e percebo meu zíper aberto, então eu fecho antes de fechar a porta.
— Ahn... Pode se sentar — peço gentilmente.
— Obrigada — Minyoung se senta no sofá e eu me apresso para tirar o livro que eu li apenas um parágrafo ao sentar.
Deixo ele na pilha de livros ao lado do sofá e me sento nele, mas um pouco afastado da Minyoung, porque não quero acabar com o espaço pessoal dela.
— Tá tudo bem? — quero saber.
Ela concorda ao balançar a cabeça e eu sussurro um "que bom". Logo ficamos num pequeno silêncio constrangedor, ainda mais porque estou sem camisa e isso é estranho.
— Ah, desculpa... Eu não sabia que você viria — eu me levanto e fico à procura da minha camisa, mas ela sacode as mãos como se quisesse que eu deixasse isso para lá.
— Já te vi tanto sem camisa, isso nem faz mais diferença — ela ri e eu relaxo um pouco, voltando a me sentar. — Se esqueceu a quantidade de vezes que fomos para a praia ou ficamos na piscina?
— Realmente, realmente... — eu sorrio.
— E você? Está bem?
— Estou, sim.
— Fico feliz — ela sorri. — Desculpa ter vindo sem avisar.
— Não se preocupe — esfrego a mão na nuca. — Sobre o que queria conversar?
— Queria saber se é só comigo que o Doyoung está estranho.
Ah, esse assunto...
— Estranho como?
— Ele está sem falar comigo já tem um tempo. E o pior de tudo é que nós nos afastamos.
— Ele não fala nada?
— Não responde nenhuma das minhas mensagens e, quando vou vê-lo, a secretária dele diz que está ocupado e que é melhor eu voltar num outro momento... Então eu queria saber se ele está assim só comigo ou com você também.
— Ele me marcou no sorteiro de um tijolo hoje — pego meu celular sobre a mesinha de centro e procuro pela notificação. — Não estamos tendo tanto contato, mas ele não me ignora quando falo.
Ela solta um suspiro.
— Bem, ele tem me enrolado bastante...
— E o que você disse?
— O quê?
— Depois de tudo aquilo no casamento?
Minyoung encara a parece vazia que eu uso para projeção e esfrega as mãos na calça jeans escura dela. Parece respirar fundo ou remexer o baú da memória.
— Eu disse que, se não estava na hora, não tinha porque ter proposto. E depois de muita conversa, eu decidi que poderíamos tentar investir na nossa relação de novo, porque estamos juntos por tanto tempo... Não faz sentido jogar tudo no lixo de uma hora para a outra, certo? Então eu disse que não iria desistir. Que se ele quisesse ainda ficar comigo e contornar tudo o que aconteceu, poderíamos fazer isso. Ele concordou de início, mas senti um pouco de hesitação. Não chegou a confirmar nem nada, então não sei o que somos agora.
— E foi aí que ele decidiu te ignorar?
— Sim. Ele estava um tempo saindo comigo um pouco, tentando reparar o que aconteceu na Grécia... Só que de repente sumiu. Eu iria falar com Jaehyun sobre isso, mas depois que descobri que eles dois tinham fugido juntos no dia do casamento, eu não me sinto mais confortável com ele.
— Eu te entendo, noona. Olha, tenta esquecer um pouco isso... Eu posso falar com Jaehyun, se você quiser.
Ela abana a cabeça e finalmente vira o rosto para mim.
— Não, eu não quero saber de Jaehyun. Eu não quero contato algum com ele.
— Compreensível — solto um suspiro e fito o tapete no chão.
— Bem, eu só vim aqui saber se Doyoung estava por essas bandas, já que não o encontrei em casa nem na empresa.
— Ele deve estar com Yuta. Às vezes eles saem juntos.
— Também pensei, mas ele não postou nada. Normalmente Doyoung posta no Instagram o que está fazendo com Yuta, porque todo mundo acha ele engraçado e acaba dando engajamento ao perfil dele — ela dá de ombros e eu sorrio tristemente.
— Talvez ele não queira ser localizado.
— Sim — ela passa a mão pelos fios desbotados que já estão uma mistura de ruivo com castanho. — Vou indo, já que ele não está aqui...
Assim que ela se levanta, eu faço o mesmo e avanço para segurar seu braço. Não quero que ela vá ainda.
— Não, fica um pouco — eu peço gentilmente, então solto o seu braço. — Gosta de suco de pêssego? Tem uma caixa na geladeira, podemos pedir comida por aplicativo também... Você não precisa ir agora, noona.
Ela se vira para mim e solta uma pequena risada.
— Você é muito fofo, Taeyong. Mas é melhor eu ir...
— Fica só um pouco, noona, te odeio ver assim! — me sacudo um pouco para dramatizar e ela ri, deixando os ombros caírem e vindo sentar-se de novo. — Eba! Vou arranjar o suco de pêssego para a gente beber.
Saio bem rapidinho para a cozinha e abro a geladeira. Felizmente, tem bastante suco. Comprei dessa marca para experimentar e gostei mais ou menos, não fiquei viciado. Com sorte, Minyoung bebe o resto e eu não preciso fazê-lo. Uma boa estratégia, sinceramente. Volto com dois copos cheios para nós dois e digo que vou pedir pizza por aplicativo, porque desde a Grécia não como pizza. Minyoung concorda comigo e enfim escolhemos os sabores. Enquanto esperamos, bebericamos um pouco o suco e infelizmente um silêncio paira no ar.
— Posso te perguntar algo pessoal? — ela surge com o assunto e eu concordo com a cabeça. — Você está com Yuta ou com Ten? Antes de viajarmos, eu te via direto com Yuta. Só que durante a viagem você esteve bem grudado com Ten e eu peguei vocês se beijando algumas vezes sem querer.
Eu me espanto com a pergunta, por isso encaro ela com uma expressão meio estranha. Minyoung ri e diz que é melhor eu esquecer a pergunta, mas eu digo que está tudo bem.
— Não conte a ninguém por enquanto — eu sorrio para ela e vejo-a aquiescer. — Eu estou namorando o Ten.
— Sério? — Minyoung ri, parece animada. — Mas você não estava com Yuta?
— Éramos mais amigos com atividades extracurriculares, se é que você me entende...
— Oh...
— Mas eu ainda tinha uma conexão com Ten. Quando ele voltou, eu fiquei bravo, chateado. Depois, me senti triste e apático. Mas era apenas birra. Chegou um momento que eu olhava para o Ten e pensava: "poxa, é o Ten... Como não gostar do Ten?" Como eu poderia parar de gostar do Ten? Achei que tinha passado, mas... Bem, não aconteceu. Algumas coisas estão fadadas a permanecer em nós por mais tempo do que gostaríamos.
— Eu sei como é essa sensação.... Sentir que não pode controlar nada... E você ali, sem saber o que fazer ou sentir. Você está feliz com ele?
Puxo minhas pernas e enrolo meus braços ao redor delas. Então fico olhando o rosto angelical de Minyoung e pensando como seria se Doyoung não tivesse fugido, mas sim se casado, e acordasse ao lado dela todos os dias.
— Uhum — mordo o lábio inferior meio distraído. — Ele é incrível. E tenho descoberto partes dele que eu nunca tinha visto. Você acredita que o Ten é super carinhoso?
Minyoung solta uma risadinha tão amável que eu sorrio também como uma manteiga derretendo sob o sol.
— Sério? Um dia eu o vi na cozinha e... Olha, desculpa se ofender, mas minha primeira impressão foi que ele tem uma pegada meio Mussolini.
Porra, eu amo Minyoung agora. Não consigo parar de rir.
— Caramba, verdade! — bato no encosto do sofá, porque não consigo controlar meu corpo na risada. — Eu também achava isso. Nossa! Eu tinha um sentimento de medo em relação a ele no início. Ten tem umas trezentas personalidades. Uma hora ele parece um ditador, principalmente na cozinha, em outros momentos ele é super desinteressado nas coisas, mas tem momentos que ele fica bem obcecado e é nesses momentos que costuma ser carinhoso comigo. Esse final de semana ele subornou o moço do carrossel para me deixar subir no cavalo. Ele acha que eu não vi o momento que ele passou o dinheiro para o homem, mas eu vi.
— Oh, meu Deus, Ten é um corrupto?! — ela entra na brincadeira e ambos rimos da situação. — O Dodo teria tentado, mas não iria conseguir, porque às vezes ele desiste muito fácil das coisas.
— Tipo as aulas de trompete que ele inventou de fazer, dizendo que iria tocar numa orquestra ao invés de assumir a empresa dos pais. Ele só aguentou três semanas de aula e aposto que daqui a alguns anos ele vira CEO.
— Exatamente! — ela ri comigo e eu me sinto muito bem falando sobre nossos amores dessa maneira. — E quando o Ten envenenou Yuta?
— Ele é meio vingativo, isso me assusta — eu confesso. — O maluco me convenceu a ajudar ele. Fiquei com pena de Yuta, viu. Todo dia tento entender um pouco Ten, mas é difícil calcular os próximos passos dele. Parece que todo dia ele é alguém diferente.
— Ah, pelo menos ele sabe pintar unha muito bem.
— Acho que é porque a irmã dele deve ter feito ele fazer isso para ela — eu suponho, porque não sei tanto assim cobre Chittaphon. — Ou houve uma época da vida dele em que ele pintava as unhas, não sei. Ele ainda é um mistério para mim, por isso me sinto louco para estar com ele e descobrir um pouco mais.
— Por que não está com ele agora?
— Ele está trabalhando.
— É mesmo, esqueci — ela se encosta no sofá e eu percebo que está ficando mais confortável. — Fico feliz que estejam juntos, isso é bem legal. Espero que dure bastante.
— Eu não penso no fim, acho que vamos ficar juntos sempre — eu rio da minha própria fala. — Estamos ainda no início e acho que as coisas estão indo bem. Somos diferentes, mas juntos somos uma pessoa só.
— Isso é lindo, Taeyong — ela arqueia o cenho. — Quando eu estava no início, eu super idealizava nossa relação. Eu realmente achei que iria me casar com Doyoung.
— Mas não significa que vocês não irão...
— Você ainda acredita que voltaremos ao antes e que realmente podemos nos casar?
— Bem... Olha... Se formos... É que, parando pra pensar, ainda tem grandes chances de... — sou interrompido pela campainha e agradeço internamente por isso.
Eu me levanto num salto e abro a porta. Até tinha esquecido da pizza, mas aqui está ela. Pago na hora, porque tenho medo do que vai vir para eu pagar no cartão, e depois agradeço. Quando fecho a porta, percebo Minyoung olhando uma das minhas velinhas no formato de um busto masculino sobre a bancada perto da janela. Eu entendo a confusão dela, mas acho que daria muito ruim se eu comentasse a questão de Jaehyun — ela já mencionou duas vezes que não quer ter contato com Jaehyun, então o negócio tá feio — e a explícita bissexualidade do namorado dela.
Acho que entendo um pouco o Doyoung. Ele está desde o final da adolescência dele namorando a mesma pessoa. Ano após ano namorando uma garota. Ele não teve chance para ficar com outra pessoa, porque desde sempre ele só tinha olhos para uma. Não digo que o fato de ele estar com ela o impedia de sentir atração por outras pessoas — não existe monogamia na humanidade, isso é apenas uma imposição social —, mas talvez ele não gostasse de gastar o tempo dele pensando em outro alguém ou se permitindo desfrutar um pouco da sensação de estar próximo a alguém que lhe desperte interesse ou desejo. Ele só queria ela.
Acho que ele já vem pondo, um pouco, os olhos em homens. Sei que não significa nada, mas lá em Paris o Dodo me disse que achava pornô gay (me lembro de ter mandado ele assistir, já que ele estava interessado na minha vida sexual) meio forçado e, sendo honesto, não é tão comum assim homens héteros desfrutarem de pornografia homossexual que não envolva mulheres. Acho que agora que ele está se abrindo mais, deve estar meio dolorido ficar nessa de "com quem eu fico?"
No entanto, cá estou eu com certa esperança de que ele acabará com Minyoung. Eu, por exemplo, gosto muito do Ten. Só que quando nos separamos e seguimos nossos caminhos, eu estive com Yuta. E, sim, eu e Yuta tivemos inúmeras noites interessantes, mas mesmo assim eu acabei com Ten. É só seguir o que o coração deseja. E eu me senti tão mal, mas tão mal, tão mal por estar pondo minhas frustrações amorosas sobre Nakamoto, que eu chorei mais do que gostaria. E a questão é essa. Quando não machucamos alguém, machucamos a nós mesmos, e acho que ele pode sair e se divertir com Jaehyun, se quiser, mas que ele ainda sente muitas coisas pela Minyoung. Acho isso mais que válido.
— Pizza quentinha! — eu falo, vindo sentar no sofá, e me curvando para pôr a caixa quente sobre a mesinha de centro. Afasto os copos de suco e abro a caixa. Parecem estar uma delícia.
— Obrigada, Taeyong, por estar sendo tão legal — ela me diz meio sem jeito. — E por ainda tentar me convencer de que eu e Doyoung estaremos juntos.
— Vão, sim — vou à cozinha arranjar pratos e guardanapos e entrego um de cada para ela ao voltar. — Ele só está tomando um tempo para respirar. Às vezes faz bem. Deixa ele tomar um pouco de tempo. As coisas vão se ajeitar.
Sento-me com ela e pego um pedaço de pizza, assim como ela faz o mesmo. Brindamos com nossos sucos de pêssego e também nossas fatias de pizza. É brega, mas legal, e ela ri com isso. Eu me sinto bem agora. E Ten nem está aqui.
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