nós não vamos pôr fogo na casa
Vejo-me cansado de tudo isso, remando de volta, o coração chacoalhando dentro do peito. Eu e Tae estamos em silêncio, cada um no seu próprio espaço pessoal, indo até a casa. Queria ficar um pouco na paz da biblioteca, mas não posso fazer isso sem passar pela sala, senão terei de andar mais que o necessário. Eu vou na cara e na coragem, mas no primeiro minuto me arrependo amargamente.
Todos, que estavam discutindo numa mistura de educação e surto, simplesmente descem os olhos a mim quando apareço. O primeiro a se aproximar é o meu tio, irmão da minha mãe, o qual possui toda a raiva que guardo da minha vida. Eu penso em sair correndo, afinal isso sempre funciona com Lee Taeyong. Mas eu não sou Taeyong. Eu não saio, literalmente, correndo dos problemas.
— Você sabe o que fazer, né? — meu tio pergunta, agoniado e desesperado. Seu jeito nervoso, talvez ansioso, sempre lhe pareceu seu estado normal. Eu sinto medo quando ele está muito calmo. — Você sabe, certo?
— Do quê você está falando? — dou um passo para trás, mas me choco com o corpo de Taeyong. Ele me apoia segurando nos meus ombros, mas depois se afasta.
— Todos sabemos que você vai destruir a empresa se pôr as mãos nela quando papai falecer — ele aponta o dedo para mim. — Você nunca vai ser responsável e útil o suficiente para isso.
— Esse não é o tópico — minha mãe, que está sentada no sofá com uma taça de vinho, simplesmente se mete na conversa. — Não chame Ten disso, por favor. Ten é muito mais responsável e útil quanto você pensa que é.
Muitas coisas acontecendo. Muitas coisas acontecendo. Minha mãe me defendendo de um comentário do meu tio? Meu tio tentando segurar-me pelos braços para implorar entre "verdades" que devo ceder meus futuros bens ou doar? Minha tia rindo, de braços cruzados, repetindo que "ele não vai fazer isso, estúpido"? E meu avô lá fora, perto do lago, meditando no meio desse caos? Até meu outro tio, que é o caçula entre os irmãos da minha mãe, está tentando conversar comigo sobre o assunto.
— É injusto você ter tanto, sendo que nunca está aqui para as coisas funcionarem! — e meu tio tóxico decide tirar minha paciência de uma vez por todas. — Você não vai sair com vantagem, Chittaphon!
— Ah, é? — eu me aproximo dele, ignorando os "ten, calma" que Taeyong sussurra atrás de mim. — Eu devo mencionar seus podres, então? Vá se foder, se puder fazer o favor.
— Vá se foder? — ele repete.
E minha tia ri, o outro tio, o sem graça, sussurra que não é bem assim que a banda toca. Então foda-se a banda também, não estou nem aí pra isso. Que inferno, será que não tenho um momento de paz? Será que tudo é culpa minha mesmo? Eu nem sei onde está minha irmã, porque nem tenho conversado com ela nesses últimos dois ou três dias. Porra.
— Ten, não é pra xingar... Você não é mais um adolescente surtado — minha mãe se intromete outra vez.
— Pois é... Pois é... Vão se foder todo mundo também! — eu olho ao redor, e até meus primos estão meio assustados. Eu não ligo para eles também. Que se foda. — E inclusive você, tio. Pra mim, você nem é parte da minha família.
— Shh... Ten... Vem cá — Taeyong sussurra em coreano atrás de mim.
— Você tá falando comigo, é? — meu tio se aproxima mais de mim, tocando meu ombro como quem queira deixar toda a minha atenção para ele. Eu não gosto dos toques dele. — Por que você tá falando comigo assim, hein? Tá pensando que está falando com quem?
— Não, não toca nele — a única frase em inglês dita durante a conversa é de Taeyong, que enfia os braços entre o corpo do meu tio e o meu e tenta afastar as mãos deles de mim. — Por favor, não toca nele...
— Ah, você vai me jogar no lago de novo, que nem quando eu era criança? Vai me jogar no lago igual aquele dia em que fez consciente de que eu não sabia nadar? — e quanto mais eu falo, ele agarra meu braço para tentar me calar. Não quer que ninguém escute isso.
— Do que ele tá falando? — o tio pombo, o caçula Kulaphon, surge com o seu interesse ridículo que me tira a paciência sempre. Odeio o fato de ele querer mediar tudo.
— Por que nunca soube disso? — mamãe é tão carinhosa em se interessar no assunto também que quase caio nesse papo.
— É melhor você... — meu tio toca meu peito com o indicador e, na mesma hora que eu avanço para empurrá-lo longe, Taeyong me abraça pelo abdômen e me puxa para trás. — Melhor dizer ao seu avô reconsiderar e não assinar o testamento.
— Eu vou te levar para o seu quarto — Taeyong sussurra no meio ouvido.
— Por que você não fala? — eu tento soltar os braços de Tae ao redor de mim, porque... Porra, ele tá me levando a direção contrária de onde quero ir. — Por que será que ele nem confia em você para deixar nas suas mãos, hein? Por que ele não confia em deixar a empresa, a casa, o dinheiro, os clássicos... tudo na mão de vocês? Por quê?
— É melhor você calar a boca, Chittaphon, você é o mais novo aqui — ainda sinto sua mão no meu braço, apertando sem parar.
— Não, por favor... Para de tocar nele, eu tô implorando — Taeyong ainda está tentando fazer com que meu tio tire as mãos de mim e, uma vez que larga meu corpo, consegue puxar a mão dele longe do meu braço.
— Eu vou anotar essa frase para quando eu for dono dessa casa e você estiver me implorando para ficar — dito isso, eu paro de lutar contra a força de Taeyong e deixo que ele me leve em direção a escada.
— Ei, Ten! Preciso falar com você... Não é assim que se conversa! Não é assim! — minha mãe caminha até o início da escada, mas já estamos aqui em cima e não vamos mais descer.
Que se foda também. Que se foda todo mundo querer as coisas e ainda me julgarem incapaz de não dar conta. E daí? E daí? Eu tenho tudo o que sempre quis, não preciso me preocupar mais com nada. Meu avô sabe que não vai prestar se ele deixar na mão de qualquer pessoa que não seja eu ou minha irmã. Me escolheu por conta do meu histórico e personalidade. Disse que, se consigo tornar o sonho de um restaurante numa realidade, significa que posso ajudá-lo a manter de pé o sonho dele.
Minha irmã vive mais na Europa que aqui, também não cresceu enfiada no mundo corporativo, pois os interesses dela eram outros. Ela não quer. Eu não quero. Minha mãe provavelmente venderia na primeira oportunidade, porque ela gosta de dinheiro e acha que vender seria a melhor opção — já escutei-a mencionar isso antes. Meu tio sem graça, Kulaphon, provavelmente não tomaria nenhuma decisão sem conselho e ajuda de outrem. Rodeado de alguém repleto de malícia, certamente iria sofrer um golpe e perder todo o poder. Minha tia que está bêbada rindo da situação no sofá provavelmente daria muitos cargos aos filhos incompetentes dela e no final nem ela nem os filhos iriam fazer nada, porque só gostam de estar na sociedade, mas não contribuir com ela — ou seja, falência na certa.
O tio que fez o prazer de destruir minha infância seria o pior de todos, porque ele tem um jeitinho tirânico, ditador, iria mudar exatamente tudo e no final tomar muitas decisões erradas. Eu já escutei alguns dos seus conselhos ao vovô e sempre foram ridículos e muito radicais. Corta isso, corta aquilo, investe nisso, investe naquilo... Não me surpreenderia se acabasse virando uma empresa de produtos aleatórios e, caso ficasse de pé ainda, ele não iria deixar um pedacinho dela para a família porque todos são "irresponsáveis e inúteis". Se fosse para as mãos dele, acho que eu nunca mais séria bem-vindo nessa casa. Eu seria cuspido da família.
— Ten... Ten... — Taeyong agora tenta me impedir de subir mais um andar, parando-me no meio da escada. — Me diz o que eles disseram.
— Nada — eu tento passar direto por ele, mas Tae bloqueia a passagem com o braço e gentilmente me empurra até a parede, me cercando. — Sério.
— Para disso, me conta logo — pede. — Você nunca briga assim, mas dessa vez achei que ia bater nele. Fiquei assustado!
— Eles queriam que eu falasse com meu avô sobre não me colocar como o maior beneficiado nesse testamento... Já que a casa vai ser minha e maior parte da empresa também — evito olhar nos olhos dele, então desço o olhar para nossas roupas e percebo que ainda estamos com as roupas do meu pai. — Só que meu tio decidiu fazer um teatro para me humilhar. Eu estou cansado disso.
— Calma, calma — ele me puxa contra seu peito, como se soubesse que eu estou prestes a chorar. — Se você quiser bater em alguém para descontar a raiva, pode bater em mim.
— Eu não quero te bater — acabo fungando na camisa dele, porque eu não consigo mais controlar minhas próprias lágrimas.
Eu estou me odiando tanto agora. Tipo... Eu nem deveria estar chorando por isso, mas meus olhos não param de lacrimejar. Escondo meu corpo contra o dele. Ele, com sua estatura mais alta, me envolve num abraço apertado e diz que posso chorar pelo tempo que precisar, mas tenho que lembrar que eu sempre brilho e as palavras de ninguém podem mudar isso. E agora percebo quão fraco estou sendo por ficar mal com essas situações. Talvez seja a exaustão. Talvez seja tudo isso junto. O fato de que eu sinto que odeio todo mundo dessa casa, porém não quero ser expulso dela. Eu tenho muito medo da solidão.
Tae me deixa apoiar-me nele, fica comigo enquanto melhoro. Ele beija o topo da minha cabeça, acaricia minha nuca, me diz que está tudo bem chorar e não preciso ter vergonha, que sou forte demais. Eu só queria que ele ficasse me abraçando pelo resto da eternidade, porque não acho que tenho energia o suficiente para sair e encarar o mundo outra vez. Ele me cheira, beija meu rosto ainda úmido, me sacode para me animar.
— Obrigado por ter vindo e não ter desistido quando eu disse que não queria que você viesse — eu falo, afastando o rosto para olhá-lo nos olhos. — Eu provavelmente iria pôr fogo nessa casa se você não estivesse aqui.
— Você fala brincando ou sério sobre isso?
— Você nunca vai saber — tento sorrir.
Ele me abraça outra vez, só que dura menos. Depois, seu rosto está próximo do meu e ele encara meus lábios.
— É seguro eu te beijar aqui?
— Você pode me beijar em qualquer lugar, eu já virei atração principal da casa mesmo — dou de ombros.
— Vou te dar um beijinho de cura, tá? — ele deixa um selinho nos meus lábios. — Saiba que você pode fazer tudo que você quiser.
— Então quer dizer que podemos pôr fogo na casa?
— Nós não vamos pôr fogo na casa, Chitaphon.
— Mas é pelo bem da minha saúde mental...
Ele sorri.
— Sabe o que seria bom para sua saúde mental? — ele se senta no degrau e me puxa para sentar bem no cantinho. — Escutar umas musiquinhas comigo e esquecer dessas coisas por enquanto, porque não tá te fazendo bem.
— Eu estou ok — respondo.
— Vou fingir que acredito — ele pega meu celular que estava com ele e eu nem sabia.
Ele puxa meu dedo para encostar no sensor e desbloquear o celular. Feito isso, abre o app de stream de música e seleciona um rock e deixa bem baixinho enquanto segura minha mão e faz carinho. Ele tem um próprio jeito de me ajudar, talvez o esforço dele seja mais que tudo. Ele me deixa escolher algumas também e então ambos intercalamos. Bato meu joelho na parede inúmeras vezes, mas só porque estou bem agitado. Sinto que estou meio sonolento e vez ou outra paro do nada, meio triste ou chateado, mas Tae sempre percebe e está disposto até a bater minha cabeça na parede para causar algum outro tipo de dor que venha ofuscar a outra (ele que disse isso). Acho que ele vai me matar.
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