nós não abriremos nada disso

Acordo meio atônito, sem saber por onde ir, tropeço na quina da bancada rumo ao banheiro e escovo os dentes com certa pressa. Lavo o rosto, enxugo, sem nem saber que horas são. Ten ainda está dormindo, como sempre, e aproveito que ele está quieto para treinar um pouco de abdominal e flexões para me sentir acordado. Estou com sono. Dormimos tarde, já que passamos boa parte da noite aos beijos no sofá. Foram bem íntimos, carinhosos e amáveis. Eu gosto de ter tempo com ele. Gosto muito. Isso me traz uma imensa animação. Ainda mais agora, que está cedo. Eu tinha acordado um pouco mais cedo com o barulho do despertador, mas desliguei ele, fiquei uns quinze minutinhos cochilando e levantei meio assustado e bêbado de sono. Agora estou cutucando Ten para ele não se atrasar, senão vai ficar reclamando que nem da outra vez.

— Tennie... — dou alguns tapinhas no seu rosto, já que naquele dia eu o sacudi e de nada adiantou. — Tennie, meu anjo, está na hora de acordar. Vai dar sete horas daqui a pouco.

— Hm? — ele vira-se na minha direção, ainda de olhos fechados.

Seu rosto está todo amassadinho e é a coisa mais fofa do mundo. Sério. Ele com olhos fechados, a camisa toda torta no corpo, e a pele sem maquiagem alguma... Poxa, eu queria tanto vê-lo assim todos os dias.

— Acorda — eu digo. — Agora.

Ele coça os olhos com o antebraço esquerdo, depois olha para mim e fica me encarando em silêncio por alguns segundos.

— O que foi, meu amor? — pergunto.

— Não me chame de amor — ele sai da cama rapidamente e enfim concluo que seu humor não está nem um pouco confiável.

Eu vou me trocar, isso enquanto ele entra no banheiro. Sei que vou chegar meio tarde, porque o horário que Ten marcou no alarme dele é mais tarde do que o meu horário normal. No entanto, espero que Renjun perceba que não estou na floricultura e possa abrir com a cópia da chave que ele tem. Acredito que se eu sair correndo quando Chitta estiver distraído na cozinha, posso pegar um ônibus mais vazio e chegar lá rapidinho. Vou rezar para que nada pare o tráfego.

Hoje vou mais delicado. Nada de preto ou bota. Eu apenas visto uma camisa social branca, jogo um suéter sem mangas por cima (ele é bege e sua estampa é de cenouras) e puxo uma bermuda azul claro pelas pernas. Sei que o tempo anda esfriando, mas o período da manhã e tarde costumam ser os mais quentes do dia, então não quero arriscar. Me sento na cama e espero Ten e o parecer dele acerca do meu outfit. Até estou com um tênis branco que comprei há alguns meses.

— Oh, você está tão bonitinho... — ele diz vindo até mim, sem camisa nem calça, apenas vestindo a roupa íntima. — A coisa mais fofa.

— Você falando assim faz parecer que tenho quatro anos e estou indo para a escolinha pela primeira vez — eu rio.

— É que você exala essa energia — assim que senta-se ao meu lado, não tarda a pôr os dedos na gola da minha camisa para ajeitar. — Mas você está lindo mesmo. Parabéns, seu gostoso.

A luminosidade do quarto está bem baixa, porque as cortinas estão fechadas e só algumas frestas iluminam o ambiente. Eu gosto dessa energia, é leve e calma. Às vezes é melhor do que receber o sol dando tabefe no meio da cara.

— Oh, eu só sou um objeto para você?

— Eu te chamei de lindo e fofo! — ele sorri e eu acabo sorrindo junto.

Será que o humor dele melhorou?

— Meu amor... — eu provoco.

— Shh... — encosta o indicador nos meus lábios, como quem querendo me calar.

— Amor... — mesmo assim, consigo falar.

— Não...

Mon amour...

— Não vale nem em francês — ele tenta cobrir minha boca, mas eu mordo sua mão.

Deixo ele resmungando impropérios e continuo:

Amore mio...

— Nem em italiano — ele tenta cobrir minha boca de novo, mas eu desvio facilmente. Ten com sono é muito lerdinho.

— Amor, meu amor. Ten, meu amor...

Ele finalmente desiste de tentar me calar, para enfim cruzar os braços e me olhar atentamente.

— Taeyong, eu quero terminar.

Eu caio na gargalhada e seguro seus braços com certo desespero.

— É brincadeira, bebê, eu tô biruta... — eu dou uma sacudida nele. — Me perdoa? Me perdoa mesmo? Te dou tudo o que quiser...

— Hm — faz uma careta de nojo para mim e eu acabo rindo mais ainda.

— Fica assim não — eu o puxo para um abraço e, por incrível que pareça, Ten retribui.

É engraçado, porque eu lembro muito bem do dia que ele me chamou de “meu amor”. Lembro muito bem as circunstâncias e eu confesso que nunca pensei que escutaria. Por um segundo, cogitei a possibilidade de ele ter sido substituído por uma sósia, afinal o Ten que eu conheço realmente detesta esse tratamento. E eu não estou dizendo que eu também gosto, no meu ver é um tanto genérico demais e super hiper mega vago, porém gosto de provocá-lo ao chamar disso porque, ao contrário de mim, ele realmente se irrita com isso.

— Podemos almoçar juntos um dia desses? — eu sugiro em meio ao abraço, porém com os lábios próximos do rosto dele para um eventual beijo. — Podemos fazer um piquenique num parque...

Ele vira o rosto para o meu e me olha atentamente.

— Vou pensar no seu caso.

— Essa é a sua resposta?

— Sim.

— Eu... — deslizo levemente os meus dedos pelo seu peitoral até abdômen de uma maneira tremendamente vagarosa. Num sussurro, continuo: — Eu posso te fazer mudar a resposta?

— Você pode tentar — joga o antebraço esquerdo sobre meu ombro enquanto acompanha o momento em que eu seguro seu rosto para beijá-lo veementemente.

De alguma forma, ficar nos pegando de manhã virou uma rotina um tanto interessante. Veja só: nos agarramos horrores pela noite e madrugada adentro, dormimos e, quando acordamos, ainda estamos loucos por mais. O fato mais curioso é que, pelo menos da minha parte, sinto mais vontade de transar com ele pela manhã do que à noite. Não sei se é a brisa e o cansaço... À noite eu só quero ficar deitadinho fazendo e recebendo carinho, algo leve e espontâneo. Mas quando acordo... Jesus, parece que tem um incêndio na minha cueca.

— Ok, ok... — ele resmunga quando estou praticamente puxando-o para o meu colo. — Que horas são?

— Sei lá. Deve ser sete horas agora.

— Merda, Taeyong, você deveria ter ido embora faz tempo! — ele ligeiramente recua, só que eu agarro sua cintura e faço-o aproximar-se de mim outra vez.

— Está cedo ainda. E também não há mau algum nos amarmos um pouco...

Ele abana a cabeça, como quem discordando das minhas palavras, mas suas ações são completamente opostas a isso. Ele me beija e eu ardo como grãos de café sendo tostados. Minha tristeza é que não posso jogar-me à cama, uma vez que estou com tênis e meu bem é tão fresco e caprichoso que só em imaginar pôr meu tênis na sua roupa de cama limpinha, bonita e cheirosa, ele surta. Conquanto, não me impede de beijá-lo alegremente, de enfiar os dedos nos fios pretos do seu cabelo, de puxá-los delicadamente, porque sei que ele gosta. Ele realmente gosta. E quando joga uma perna sobre o meu colo, eu tomo a decisão de puxá-lo inteiramente para mim.

— Vem cá — com as mãos na sua cintura, ajudo-o deslizar o corpo para o meu colo. Eu amo senti-lo no meu colo.

— Eu não quero amassar sua roupa — mesmo assim, ele senta. Hipócrita que eu amo.

— Não vai — meus braços serpenteiam seu quadril assim que ele afasta as pernas e as enrola ao redor de mim.

Ele me olha com essa cara de “oh, você vai se arrepender de dizer isso”, mas eu o interrompo com um beijo na boca. Quero sentir todas as estações de uma vez só, quero dedilhar suas curvas, apertar sua carne, me enfiar em qualquer buraco que encontrar pelo caminho. Quero ser dele, quero que seja meu. Quero tudo de uma vez, cansei das coisas pela metade. Como deve ser sentir tristeza e alegria ao mesmo tempo? Como deve ser chorar e rir concomitante? Quero isso. Sentir amor, agonia, dor, desespero, alegria, carinho... Quero tudo, tudo de uma vez. E quando beijo sua boca, conquisto metade disso. Sua língua me transforma no homem mais apressado e necessitado do mundo. Quanto mais meus dedos esfregam na sua pele, mas eu quero fazê-la parte de mim. Eu quero muito, muito mais...

Contudo, o diabo acordou inspirado hoje para me atazanar, e somos interrompidos pela campainha. Ten se assusta pelo súbito, treme um pouco no momento do toado. Eu gelo, olho para o seu rosto, e ficamos assim parados até a campainha tocar outra vez e uma voz masculina gritar: “Entrega para Ten Lee!” Ele sai de cima de mim rapidamente, vai ao banheiro, sai vestindo um robe transpassado de veludo cinza e sai do quarto caminhando com pressa. Eu passo a mão no cabelo, meio sem saber o que fazer, porém no segundo seguinte me levanto e sigo Chittaphon.

Assim que desço as escadas, encontro-o com a porta aberta pegando umas caixas na mão do moço e trazendo para dentro. Enquanto isso eu tiro meu celular da tomada e enfio na minha mochila, porque daqui a pouco estou indo embora. Esse panaca da entrega atrapalhou todo o meu momento. Palhaço.

— Vocês estão vindo mais cedo? — escuto Ten comentar com ele quando está assinando.

— Não, está no horário normal — o homem responde.

— Mas hoje foi mais cedo, não?

— Não. Daqui a quinze minutos é onze da manhã, então está dentro do horário. Não podemos aparecer mais cedo, como umas seis ou cinco. Seria loucura.

Quando o moço termina de falar, Ten se vira para mim com um olhar tão mortal que minha alma sai do corpo por dez segundos inteiros e depois volta. Sério. Só que, parando para analisar a incidência solar do lado de fora — para a minha defesa, não dava para olhar o sol num quarto escuro, mas como a porta está aberta agora, consigo ver —, realmente não parece ser seis da manhã ou primórdios das sete.

A porta é fechada com um agradecimento do Ten e uma despedida do moço. Meu namorado se vira para mim e eu juro, eu juro que ele parece querer me matar. Fecha os olhos, respira fundo e balança um pouco a cabeça para se acalmar.

— Eu desliguei o despertador, mas aí eu jurei que tinha dormido só por dez ou quinze minutinhos... — tento me explicar.

— Viu só porque a gente não pode ficar se vendo sempre? — ele passa puto ao meu lado e vai direto para a cozinha. — Você me distrai demais. Muito. Tá muito tarde. Já é onze horas basicamente, eu tenho clientes chegando daqui a trinta a quarenta minutos.

— Me desculpa! Sério! Me desculpa mesmo! — sigo-o para a cozinha, só que Ten já está voltando um estilete na mão.

Porra, ele vai me matar.

— Tá, ok... — essa resposta é tão vaga que eu fico preocupado. — Vou me virar, como sempre.

— Me desculpa, Ten. Se eu puder te ajudar...

— Deixa pra lá. É melhor você ir logo, porque já está atrasado também — dito isso, ele se abaixa perto da pilha de caixas há pouco recebidas e rompe o lacre de uma delas com o estilete.

Ata, eu achei que ele iria me matar.

— Não, eu... Porra, me desculpa...

— Taeyong, para de pedir desculpas, por favor? Está me estressando. Além dos mais, nem é assim grande coisa. Relaxa, ok?

— Tá — eu ajudo-o a tirar o objeto da caixa e, assim que vejo o que é, fico confuso. — Um pote de vidro vazio?

Ten não entende de início, assim como eu também não. Ele joga a caixa em qualquer lugar e começa a abrir a segunda, que estava abaixo dessa. Enquanto isso, eu fico olhando o pote e pensando no que raios seria isso.

— Bíblia Sagrada Autografada... Edição Limitada — ele me estende um livro super hiper grosso. O título está em inglês e mesmo assim me parece engraçado.

— Oh, já sei o que é isso tudo... — eu acabo rindo, porque me lembro muito bem daquela noite de bebedeira que tivemos.

— Esse daí é o pote que tem o espírito de Michael Jackson? — ele me olha rapidamente antes de abrir a bíblia e folhear.

— Deve ser — tento encontrar um meio de abrir a tampa, mas está emperrada. — Não consigo abrir.

— Não abra! — ele se vira desesperadamente para mim, como se temesse isso a todo custo. — Nós não abriremos nada disso, Taeyong.

— Relaxa, aqui não deve ter nada — eu levanto o pote na altura dos meus olhos para checar se tem algo. Parece estar vazio. Ten foi penas enganado.

— Mesmo assim.

— O quê? Michael Jackson tá vivo, docinho. Tá só de férias. Em 2024 ele aparece com álbum novo dizendo “vocês não imaginam o prazer que é estar de volta”. Eu também forjaria minha morte e apareceria quinze anos depois. Uma jogada de marketing fenomenal.

— Taeyong, não brinca com essas coisas.

— Eu não estou brincando — abraço o pote, mas depois coloco sobre a mesinha de centro.

— Porra... — Ten volta a olhar a bíblia. — Taeyong, veja aqui... A bíblia está numa língua estranha.

— Deve ser a língua dos anjos.

— Para de brincar, senta aqui comigo.

Eu me sento. Deito os olhos atentamente nas páginas e, sim, não faço a mínima ideia do que está escrito. Eu não consigo reconhecer essa escrita em lugar algum.

— Seu celular está aí? — ele me pergunta.

Eu tiro meu celular da bolsa no meu ombro e entrego ao Ten. Ele usa um app de tradutor para identificar o idioma e de repente sabemos que é hebraico. Tem uma parte que está em grego. Chitta solta um suspiro cansado e me empurra a bíblia, antes de pegar outra caixa para abrir.

— Olha, na primeira página tem umas assinaturas em preto... — eu falo rindo, porque a página está completamente riscada com o que supostamente é “autógrafo”. — Vou ver se encontro a de Jesus.

— Oh, aqui — ele me interrompe ao aparecer com quatro latas nas mãos. Me dá as quatro. Duas de carne de dragão. Duas de carne de unicórnio. Como eu tenho medo dessas coisas, eu deixo cair no chão. — Mandei você segurar, não largar.

— Vai que tem alguma coisa aí dentro que dá câncer? E se tiver um césio 137? Eu quero viver!

Ten ignora meu drama e continua abrindo as caixas. Dessa vez ele encontra o sapato de palhaço e diz que é para mim. Eu aceito, já que achei super estiloso, não vou mentir. Adoro cores primárias. Então num saquinho muito bem embalado ele encontra uma caixa cheia de testes de gravidez.

— Por que você quer teste de gravidez? — questiono.

— Tenho cara de quem sabe?

— Credo, seu cavalo desgraçado!

— Não vou nem responder.

— Responda, se você é homem.

— Ah, é? — ele vira o tronco na minha direção. — Você não me chama de cavalo desgraçado quando tá montando.

Eu não me seguro e me jogo no chão de tanto rir. Meu deus que vergonha. Que vergonha. Que vergonha. Muito ruim.

— Eu vou fazer um teste de gravidez — me levanto aos tropeços após pegar um dos testes. Foda-se trabalho. — Enquanto isso, você lê a bíblia, seu podre.

— Você não me chama de podre quando...

— Ei, já deu por hoje, não? — bagunço seu cabelo antes de sair correndo para o banheiro.

Não sei como faz teste de gravidez, mas pesquiso na internet. Eu acho uma saboneteira guardada no armário, porque, como disse no site, tenho que mijar num recipiente limpo. Faço meu xixizinho na saboneteira vazia e depois faço o resto no sanitário. Aqui no site diz que tenho que abrir a tampa do teste e colocar no mijo. Faço exatamente isso. Depois, deixo ele sobre a pia e espero essa banana me dar meu resultado. Enquanto espero, ajeito meu cabelo no espelho e minhas roupas também, porque daqui a pouco estou zarpando. Eu já deveria ter ido, mas sou ímã e me prendo a Ten. Estou alisando minha franja de menininho de ensino médio quando vejo dois riscos no teste de gravidez. Checo no site o que isso significa e saio do banheiro correndo.

— Ten! Ten! Eu tô grávido! — exclamo, cheio de alegria.

— Não vou assumir moleque nenhum — ele está caminhando para a cozinha com uma garrafa de bebida na mão.

— Não acredito que aquela mágica noite no escritório não significou nada para você...

— Que mágica noite no escritório? — ele dá uma volta pela cozinha, meio perdido, depois sai e vai até o bar. De qualquer jeito ele deixa a garrafa escrito “hidromel” ali e enfim abre o robe.

— Assim você me machuca... Nem se lembra de quando me engravidou, Ten?

— Eu não sei nem o que você tá fazendo aqui, quem dirás te engravidar — pelo tom meio risonho no final, eu percebo que ele também está brincando comigo. Mas então rapidamente ele muda de assunto: — Oh, você já comeu? Ah, claro que você não comeu. Quer comer?

— Não, eu já vou indo — dou um beijo na sua bochecha e me viro para a porta principal.

Quando abro a porta e saio, percebo que Ten se enrola de novo no robe e vem até a frente. Com os olhos apertados por conta da luz solar, ele meio que grita sem querer pra mim:

— O que eu faço com o teste de gravidez?

— Assume, Ten. Você deve assumir o filho — eu respondo ao acenar.

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