nós fomos estúpidos
Depois do jantar, ficamos na beira do lago jogando pedrinhas e um jogo de tabuleiro que Tern disse que encontrou no quarto de infância dela e de Ten. Ela disse que eles dormiam juntos no mesmo quarto porque ele era medroso e não gostava de ficar sozinho. Eu quis responder que ele sempre foi medroso, afinal sai correndo no primeiro sinal de problema que aparece. Mas fiquei quieto.
— Você parou na casa que pertence a mim, vai ter que me pagar — Ethan estende a mão para me cobrar.
Eu entrego meu cartão de crédito falso a ele e espero que desconte o valor usando a maquininha. O frescor da noite me abraça, agora que estou mais calmo. As lágrimas do dia foram secas pelo vento afoito da noite. Não vou me preocupar. Estou tomado banho, vestindo a mesma regata de ontem, e comi bem hoje à noite. Estou melhor. Respiro fundo, bem fundo. Estou tentando dizer a mim mesmo de que está tudo bem.
Os sentimentos de outrora amenizaram um pouco. Eu deixei que eles fossem gradativamente embora, porque estava muito pesado para eu carregar só. Mas ainda está doendo, de certo modo. Eu não fazia ideia de que isso iria acontecer.
— Taeyong, você está ficando pobre no jogo — Tern comenta, rindo, após olhar os meus créditos no cartão. Bem, na minha vida eu também sou pobre, fazer o quê.
— Que surpresa... — sou um pouco irônico, já que toda hora eu caio em alguma casa comprada por um dos dois e tenho que ficar pagando multa.
Ethan joga os dados, enquanto isso bebo alguns goles d'água. Ele é da minha altura e tem o cabelo castanho claro, o rosto levemente salpicado com sardas e os olhos num castanho bem clarinho. Ele é bem bonito, então entendo o porquê de estar compromissado. Também é bem legal e divertido, às vezes faz umas piadas idiotas e eu sou besta e rio. Nem todas eu entendo, mas rio mesmo assim.
A rodada passa e volta para mim outra vez. Acabo parando na prisão e olha só que ironia! Não posso jogar por umas duas rodadas seguidas para cumprir minha pena e, por isso, abraço meus joelhos e fico olhando toda a troca de farpas entre os dois à minha frente. A única garota entre nós joga o dado, porém ergue o olhar para algo atrás de mim. Ethan faz o mesmo e só aí noto um barulho de passos na grama. Quando me viro, fico pasmo em ver Ten sob a lua com a sua bolsa num braço e uma ecobag cheia na outra mão.
— Taeyong, posso falar com você? — é a primeira coisa que fala ao aproximar-se de nós. Quê? Que porra Ten está fazendo aqui, se ele foi embora? — Venha comigo, por favor.
Eu me levanto, deixando meu cartão de crédito sobre o tabuleiro. Enquanto isso, Ten tira dois pacotes de snacks da ecobag e joga sobre os dois. Ethan agradece, já Tern fica em silêncio. Eu engulo a seco, afinal estive morrendo o dia todo e no final ele surge do nada, bem mais calmo.
— Vem pro meu quarto — ele passa a ecobag para a mão direita e, com a esquerda livre, segura minha mão e gentilmente me guia para a casa.
Eu afasto minha mão da sua alguns segundos após seu toque, porque eu sou palhaço, porém tem limites. Ele está sério, em silêncio, e segura minha mão de novo, dessa vez mais firme. Eu deixo, deixa lá. Eu não quero ficar nesse tira e segura sem parar.
Sua mão está suada, mas não desliza na minha. Contornamos as árvores e canteiros. Passamos pela sala de jantar vazia, subimos as escadas e agora parece que iremos a biblioteca. Só que, ao invés de seguirmos aqueles corredores, subimos mais alguns lances de escada. Dobramos dois corredores e aparecemos num terraço que leva a uma passarela de vidro até a segunda parte da casa. Eu nunca fui nessa segunda parte, só na primeira e na última, onde fica meu quarto. Há uma certa iluminação vindo do vidro abaixo de nós, porém passamos rápido o bastante e não pude ter tempo para investigar se tem algumas pequenas lâmpadas lá dentro.
Como a segunda parte da casa é mais alta que todas as outras, Ten caminha até as escadas para subirmos mais. No primeiro degrau, para. Eu me choco com suas costas pelo súbito, mas ele não parece ligar. Ainda segurando minha mão, dá meia volta e segue direto pelo corredor até darmos de cara com a porta de um elevador. Um elevador! Que tipo de pessoa tem um elevador dentro de casa????
— Aperta aí, por favor — ele pede para que eu clique no botão e assim eu faço.
Rapidinho as portas se abrem e ele entra comigo.
— Aperte o penúltimo andar, por favor.
Seis andares. Uma parte da casa que tem seis andares. Estamos no terceiro andar e nem isso é o suficiente. Que tipo de casa tem seis andares? Tipo... Seis andares!! Isso porque o sétimo, que tem dentre as opções, é o terraço. Porque se não fosse... Jesus! Quero comentar sobre isso, mas fico quieto. Bem quieto. Saímos do elevador e damos de cara com apenas um corredor que não leva a lugar nenhum que não seja uma varandinha com uma vista que eu não sei para qual lado é, porém tenho interesse. De cara vemos uma porta e só agora Ten solta a minha mão para liberar a entrada com a digital dele. Quando a porta é liberada, entramos e quase não consigo acreditar.
— Isso tudo é seu? — questiono, olhando ao redor. É basicamente uma casa dentro de outra casa.
Tem cômodos aqui dentro. Tem o quarto enorme, closet, banheiro, escritório, uma estante recheada de livros, tem uma mini cozinha com geladeira, cooktop e microondas... Tem uma varanda externa com uma vista para o lago e outra do outro lado que dá pra ver o pátio.... Tem tanta coisa aqui, eu nem consigo acompanhar a gama de informações.
— Vem aqui — ele segue em frente até se jogar na cama enorme. Chittaphon tem mais dinheiro do que eu pensei que tivesse.
Eu vou, né. Fazer o quê. Me sento e percebo quão confortável a cama dele é. Ele me entrega a ecobag e depois se curva para tirar o tênis dos pés.
— Comprei para você — me diz.
Tiro da bolsa uma pelúcia de um penguin piscando, e Ten disse que isso foi o máximo que conseguiu naquele joguinho da garra. De resto, só tem algumas besteirinhas gostosas tailandesas, como salgadinhos e docinhos que ele sabe que eu gosto. Espalho tudo sobre a cama e pergunto se posso comer. Ele deixa. Fico aqui sentado sozinho quando ele se levanta e vai para dentro do closet trocar de roupa. Abro um docinho de chocolate e caramelo e fico comendo.
— Você olhou direito dentro da bolsa? — pergunta-me lá de dentro.
Volta a checar a bolsa e só assim percebo um pedaço de papel com o seguinte escrito em coreano:
"Me perdoa e namora comigo?
□ Sim
□ Não"
Eu rio um pouco com isso, porque é muito infantil e boboca. Não sei se respondo ou não ou sei lá o que devo fazer. Meus dedos ainda estão de chocolate, mesmo assim me levanto e pego uma caneta no cômodo do escritório e pinto o quadradinho que quero. Deixo o papel dentro da bolsa, onde estava, e volto a comer sentado na cama. Ten volta e está vestindo uma calça cáqui bege e uma camiseta de manga curta marrom com listras brancas. Queria dizer que ele fica brega com caqui, mas a real é que ele fica bem gostoso.
— Desculpa, ok? — ele vem sentar bem perto de mim. — Eu li suas mensagens.
— Eu pensei que você tinha ido embora e me largado aqui — conto.
— Eu nunca seria capaz de fazer isso — apoia a mão esquerda no colchão e inclina o corpo nessa direção. — Posso ter vontade, mas nunca faria.
— Pensei mesmo assim.
— Me desculpa — ele põe a mão direita sobre a minha e faz carinho. — Desculpa de verdade, tá? Eu estava muito estressado com umas coisas e... Eu não queria falar com você sobre aquelas coisas... Eu não estava com cabeça pra conversar. E também... Nós fomos estúpidos ontem.
— Mas por que você me tirou daquela maneira? Aquilo me irritou muito.
— Eu não quero que você converse com aquele tio meu — ele agora só segura minha mão bem firme, como se quisesse dizer que está falando sério. — Não fale mais com ele. Você pode fazer o que quiser e ir para qualquer lugar, só não fale com ele. Tá certo?
— Tudo bem — eu concordo, mesmo sem saber o porquê.
— O que ele te falou?
Eu olho para o pacote do chocolate na cama e fico tentando me lembrar da conversa.
— Algumas coisas sobre você... — conto, repassando as memórias de ontem. — E depois algumas sobre mim...
— O que ele falou sobre você?
Não deixo de notar como ele fica preocupado com isso, totalmente ignora o fato de que o tio tenha falado dele e focou em mim. Não sei se fico feliz ou aliviado ou talvez preocupado com tudo isso.
— Algo sobre eu estar desperdiçando minha vida com atividades inúteis, eu acho — engulo em seco, porque eu realmente não consigo entender o que aconteceu.
— Falou algo mais?
— Você apareceu quando ele ia falar alguma coisa, mas acredito que tenha sido algo do tipo — respondo.
— Tá, vem cá... — ele solta minha mão e me puxa para um abraço. — Desculpa ter sumido hoje, eu estava dando um tempo pra pensar.
— Tudo bem, a gente só precisa aprender a conversar — lhe asseguro, abraçando-o de volta bem apertado. Ten cheira tão bem. — Eu não te odeio, ok?
— Eu sei que você não me odeia — sinto o carinho na nuca que ele me faz. Eu amo tanto isso.
— Forcei a barra ontem...
— Ok, ok... Está tudo bem... — eu percebo sua pressa em não querer mencionar o ontem, para que não fiquemos rondando o assunto toda hora. — Você fica muito gostoso de regata, sabia?
— Ai, Ten... — me afasto um pouco rindo.
Ele sorri para mim e acaricia meu rosto. Eu juro que não estou acostumado com isso, mas estou amando tê-lo tão carinhoso assim.
— É sério. Sendo bem honesto, me dá vontade de sentar — o foda disso é que ele me conta fazendo um puto carinho gostoso na minha bochecha como se estivesse recitando poesia de amor.
— Venha sentar, então — entro na brincadeira.
— Eu estou falando sério.
— Também estou — espero que ele saiba que estou brincando e só indo na onda dele.
Ten só ri e vem me beijar. Eu o beijo também, porque estou feliz que tenhamos feito as pazes. Ele ainda não viu o bilhetinho que respondi, por isso interrompo o beijo para alerta-lo sobre checar.
— Vamos ver... — ele tira o papelzinho da bolsa e lê. — Não?
— Ué... — eu pego o bilhete e vejo que marquei o "sim" e Chittaphon ri da minha cara por eu ainda ter checado algo que eu mesmo fiz. — Ai, que ódio...
— É muita lerdeza... — ele se inclina outra vez para me dar um selinho.
— Então agora estamos namorando?
— Sim, estamos namorando.
Eu estou tão feliz. Claro que mudei de humor muito rápido, mas estou tão feliz. Tão feliz! Finalmente estamos namorando. Finalmente estamos namorando! Eu acho que vou passar mal.
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