nós estávamos fazendo um tour

Eu fiquei obcecado pelas coisas que tinha medo de me viciar. Coisas como o som da risada dele, o sorriso, os toques, os beijos e a sua voz. Tenho ficado viciado nisso, como se precisasse dele a todo momento. Eu não sei como me parar em relação a isso, até porque é só vê-lo deitar sob o céu que eu já fico contemplando toda a obra que ele é. Não sei como parar isso! Agora há pouco fiquei repetindo: i love your gaze! E ele não entendeu. Perguntou: "Gás? Gás de cozinha? Gay? Gocê ama meu gay?" E eu ri. Mas é que ele não entende que eu quero dizer que amo o olhar dele. Eu amo olhos dele. Eu amo quando ele me encara, qualquer que seja o tipo, e seus olhos e sobrancelhas formam uma expressão genuína. Ele é lindo demais e amo a intensidade dos seus olhos em mim, quando estamos em silêncio, mas ainda queremos nos amar.

E quando nos vestimos outra vez, caminhamos de volta numa lentidão tremenda pelo percurso inverso. No meio, eu subo nas costas dele por eu estar reclamando de fome e ele aparentemente estar bem, mas a realidade é que Tae tropeça mais do que anda. Acho que estou tão entorpecido pela vontade de me esbaldar numa refeição que nem ligo para os tombos, juro. Pulamos a cerca outra vez, mas para o lado de dentro. Tae literalmente cai em cima de mim na hora de pular e ficamos um cinco minutos jogados no chão reclamando de dor. Sim, osso pesa pra caralho, porque eu senti o joelho dele no meu quadril e vai doer até meu último suspiro de vida.

Praticamente rastejamos para o bangalô, exaustos, urrando de vontade de dormir e comer. Eu sei onde encontrar a chave extra escondia e, para a minha felicidade, ainda continua no mesmo lugar. Tae acha estranho estar numa caixinha abaixo de uma tira de madeira, mas eu não ligo muito para isso. Quando entramos, eu quase choro de felicidade ao me jogar num sofá. Ele fica mais ocupado em olhar ao redor do que descansar comigo. Às vezes esqueço que ele não tem a mesma vivência que eu.

— Quer tomar banho? — questiono, senão Taeyong vai ficar olhando para cada detalhe da decoração.

— Chuveiro ou ofurô? — ele cruza os braços e para na minha frente.

Taeyong está só o pó agora. A roupa está toda suja, porque sujou na terra quando ele tirou para se banhar na cachoeira, quando deitamos entre as flores, quando caímos no percurso de volta e ficou suada de tanto que andamos também. Os fios pretos dos cabelos estão desgrenhados e dá pra ver pelo seu rosto que ele está cansado. Mesmo totalmente destruído, o homem é bonito e atraente. Eu não poderia arranjar um namorado melhor.

— Você decide — lhe respondo.

Taeyong decide tomarmos banho na ducha, porque vai ser mais rápido. Ele pensou que iria um de cada vez, então eu usei sua lógica de ser mais rápido:

— Se formos juntos, podemos acabar logo.

Ele não opina contra, fica em silêncio. Eu estou percebendo quão eu pareço um puto hipócrita por estar querendo fazer coisas com ele quando, na verdade, eu detesto tudo isso. Ten em dias comuns estaria tipo: ok, você quer tomar banho só, faça isso, porque eu não vou ligar e até concordo em não ficarmos grudados sempre. Mas que porra estou fazendo agora? Estou literalmente ensaboando as costas dele e dizendo que se alguém atravessar o lago, pode pegar a gente no flagra aqui.

Sim, eu estou tentando beijá-lo e Taeyong brinca de tentar se afastar. As coisas inverteram de papéis e não sei se isso é muito legal. Digo... Sabe... Eu deveria estar assim? Minha mão treme um pouco, porque não me sinto animado assim por um relacionamento desde sempre. E não sei se ele entende, não sei se ele percebe que estou estranho. É melhor eu me recompor em relação a tudo. É melhor.

— Tem certeza que podemos usar essas roupas? — ele ajeita no corpo a bata de linho branca que conseguimos entre as roupas esquecidas e perdidas do meu pai.

— Tenho — respondo.

Eu tive que ficar com uma túnica longa e não sei por que meu pai tem essas coisas guardadas aqui. Por um segundo fico tentado a fuçar até achar alguma coisa que ele esconde, mas estou muito crescidinho para isso. Nem vale mais a pena, também não estou em guerra com ninguém. Não me sinto em guerra com ninguém. Não preciso disso. É estranho perceber o quanto as coisas mudaram e o quanto eu cresci também.

Sentado no sofá, escuto Tae dizer que não fazia ideia de onde eu tinha vindo e que tipo de vida eu levei. Estou cansado, então apenas concordo com seus comentários. A única vez que falo algo diferente é uma reclamação sobre a fome, a qual impulsiona Taeyong ir buscar algo na geladeira, ainda que eu diga que não tenha nada e que provavelmente esteja fora da tomada.

— Tem umas latas de cerveja aqui — ele conta. — A geladeira está ligada... E tem algumas embalagens de comidas rápidas e instantâneas... E sorvete.

— Ué? — me levanto para eu mesmo checar.

Quando olho que há coisas dentro da validade na geladeira, começo a pensar quem é que vem aqui. No instante que me volto ao Lee para fazer algumas suposições, vislumbro uma silhueta surgir pela porta da frente e dou um salto de súbito. A primeira reação de Taeyong é se colocar na minha frente, seu braço esquerdo esticado me empurrando para trás, como se quisesse me impedir de sair da sua proteção. De início, eu gelo, mas é preciso alguns segundos de desespero antes de perceber que na verdade é meu pai quem está entrando.

Meu pai? — saio detrás do corpo de Taeyong que, agora que me afastei, percebo quão forte ele estava me empurrando. — Que está fazendo aqui?

O que vocês estão fazendo aqui? — ele quer saber, olhando para nós dois vestindo suas roupas.

Nós estávamos fazendo um tour — eu explico. — Mas sujamos nossas roupas, então viemos nos limpar e descansar um pouco. Pensei que ninguém estava usando...

Não estavam até eu chegar por aqui — meu pai, devagar, senta-se no sofá e fica olhando para nós dois. — Enfim, eu prefiro ficar aqui do que lá...

Por quê? — me sento ao lado dele.

Estão brigando, como sempre — ele suspira. — Sua mãe falou mais do que deveria. Inclusive, estão se perguntando em que buraco vocês dois estão.

Eu ergo o olhar para Taeyong, que está parando encarando nós dois, sem entender nada do que estamos conversando. Faço um gesto para que se sente e, como não tem mais o que fazer, ele se senta.

Por que estão brigando? — quero saber.

Meu pai fica em silêncio, ajeitando a almofada nas costas. Solta um suspiro, olha ao redor, procurando algo, mas desiste. Numa frase em inglês, pede que Taeyong te traga uma cerveja. Eu me recuso deixá-lo fazer isso, mas Lee se levanta e vai primeiro que eu. Em coreano sussurro que ele não precisa fazer tudo o que mandam, assim que ele volta com a bebida. Eu odiaria vê-lo esforçar-se para agradar qualquer membro da minha família.

Mas por que estão brigando? — eu volto para a conversa.

Meu pai abre a latinha e solta outro suspiro. Seus olhos batem nos meus e por si só já dizem muita coisa.

Você sabe, Ten — me responde. — Você sabe muito bem. Seu avô deve ter falado com você antes, aposto. Então tenho certeza que você sabe.

Eu cruzo os braços na altura do abdômen e viro-me de frente. Concordo quando Taeyong pergunta se estou bem, mas a realidade é que sinto vontade tremenda de simplesmente fugir para qualquer lugar que não saibam meu nome nem de onde vim. Provavelmente devem estar brigando entre si e, tenho certeza, quando eu chegar o circo vai pegar fogo mais ainda. A questão é que me sinto muito cansado para lidar com qualquer coisa, parece até que sou um velho exausto que já não espera nada da humanidade.

Você está contente, de alguma forma? — eu pergunto ao meu pai, visto que o silêncio estava quase perpétuo.

Sim — ele ri, os lábios próximos da lata de cerveja. — Eu nem sabia que ia ter algo, mas tenho... É mais que o suficiente. Nem fazia questão, na verdade.

Eu curvo o corpo para frente, cansado.

Você não está? — ele quer saber.

Não muito.

Você é jovem demais, Ten — sinto sua mão direita deslizar pelas minhas costas. — Você tem que agir como jovem um pouco. Fique feliz. Gaste dinheiro com coisas estúpidas. Beba um pouco além da conta. Faça festas e depois se arrependa delas. Demonstre afeto ao seu namorado enquanto ainda o tem. Tente coisas novas e falhe. Vá rir um pouco, se divertir... Você nem saiu dos vinte, por que anda tão preocupado? Deixa as coisa do futuro para o seu eu do futuro, uh? Você se cobra agora por coisas que só vão acontecer quando estiver com trinta ou quarenta ou até mesmo mais. A gente só cresce depois da meia idade, escute o que lhe digo. Você ainda é muito verde, uma criança nesse mundo. Relaxe. Está ouvindo? Relaxe...

Eu respiro fundo, mas não aguento. Viro-me para o meu pai e abraço-o bem forte, meu rosto contra a camisa polo azul bebê que ele está usando. Eu nunca entendi porque seu estilo de roupa é tão variado, todo dia usando uma coisa diferente. Também não sei como consegue usar essa roupa no meio desse calor abafado. Mas eu entendo que talvez ele tenha algum modo de tentar me ajudar, embora sempre — sempre e sempre — suma no mapa e nem se lembre que ainda existo.

Um dia eu liguei para ele, tentando contar que meu sonho era real, que eu estava abrindo meu restaurante e que eu ainda era novinho e garoto e que iria tentar mesmo assim. Ele não atendeu. Eu tentei outra vez. Ele não atendeu. Tentei de novo. Não tive êxito. Falei com minha mãe, mas ela também não conseguiu contatá-lo. A questão agora ficou outra: como é essa história de você ter uma nova família e esquecer da sua antiga? Eu passei a detestá-lo mais ainda. Porque, por mais que minha mãe tente controlar minha vida, me critique, espalhes fatos sobre mim e sempre seja invasiva demais, pelo menos ela estava lá quando eu abri a porra do meu restaurante.

Ey, Ten... Respire fundo — meu pai me pede. — Você é muito revoltado, precisa relaxar.

Eu vou ferrar tudo — eu digo, agora percebendo quão trêmula está minha voz.

Devo estar estúpido aos olhos de Taeyong, porque ele não deveria me ver assim tão fraco e instável. Não gostaria que ele estivesse aqui.

Isso é algo que depende de você no futuro, não agora — tenta me confortar.

Quero perguntar por que é que não esteve nos dias mais importantes da minha vida, mas fico quieto. Afasto-me dele, respiro bem fundo repetidas vezes e depois me levanto. Acho que estou cansado demais.

Você vai ficar aqui? — lhe pergunto.

Sim. Não estou afim de brigas, embora sua tia seja incrivelmente sincera quando bebe e isso faz tudo valer a pena — meu pai sorri.

Após menear a cabeça, dou a mão a Taeyong e puxo-o para que levante. Ambos saímos da contrução em silêncio, indo em direção ao barco a remo. Provavelmente meu pai tenha vindo andando e confesso que isso não me preocupa nem surpreende. Acho que no fundo ele sabia que estaríamos por aqui.

— Chitta, ei... — Taeyong diz, sentando-se comigo dentro da pequena embarcação. — Você tá bem mesmo?

— Sim — respondo. — Ahn... O motivo de eu ter vindo aqui é que meu avô refez o testamento dele.

— Hmm — cruza as pernas. — E isso é algo bom ou ruim?

— Péssimo.

— Ah!

— Ainda mais porque ele quer que eu assuma o controle da editora, coisa que eu não quero — puxo um dos remos para mim, mas não faço nada. — E a casa também. Você não sabe, mas são ambas coisas mais cobiçadas entre todo mundo que está lá dentro. Eu sinto que vão arrancar minha cabeça se eu entrar em casa.

— Por quê?

— Porque eu vou ter algo que não quero, Taeyong. O que mais dá raiva às pessoas, depois de alguém ganhar algo que não merece, é alguém ganhar algo que todo mundo quer mas aquela pessoa não aceita ou não dá valor — eu explico calmamente. — Então vão me encher o saco.

— Ué, mas... Caramba, Ten, por que você não quer?

— Porque eu não preciso disso. Eu já tenho o que quero e estou correndo atrás das minhas próprias coisas — encolho os ombros, sentindo o sol mais fraquinho nas minhas costas.

— Tudo bem... ahn... — ele olha ao redor, a natureza que nos cerca, mas depois solta um suspiro derrotado. — Bem, queria poder ajudar em algo.

— Você não precisa ser meu salvador o tempo todo — digo. — Tem coisas que não estão ao seu alcance.

— Mas não gosto de te ver assim...

— Eu estou bem.

— Vem cá... — ele se aproxima de mim para abraçar.

Eu apoio a cabeça em seu ombro e, de longe, vejo meu avô meditando na sombra de um árvore, do outro lado do lago. Respiro fundo e fecho os olhos, o cheirinho de Taeyong misturando-se com o da natureza. Ele me pede pra ter calma. Mas eu estou calmo. É minha calmaria que me deixa agitado.

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