nós estamos jogando
Ten não passou um único momento do dia comigo. Ademais, passeei pela propriedade com a irmã dele e Ethan. Nadamos no lago, fugimos do almoço em família ao montar um piquenique vegetariano — visto que o inglês não come carne e eu não tinha percebido isso nas duas refeições previamente feitas —, brincamos de Uno e tentamos jogar tênis. Eu percebi que sou péssimo em tênis, mas Tern tentou me ensinar. Queria que Ten estivesse comigo em todos esses momentos, porque ele gosta de rir quando passo vergonha. E eu gosto de passar vergonha para vê-lo rir. Onde será que ele está? Sinto a falta dele. E depois daquela mensagem, ele só me mandou mais duas que acabei não vendo a tempo, porque estava ocupado.
açúcar papai: cadê você????? já vou almoçar !!
açúcar papai: deixa pra lá, have fun
Sem querer, fiquei bravo e levemente triste durante a tarde. Estava todo suado de tanto correr pelo pátio ao sudeste da casa, onde colocamos a rede de tênis. Ela logo viraria uma rede de vôlei e ficamos os três brincando. Nos nossos intervalos para beber água, eu sentei no chão e fiquei pensando em Chittaphon. Vou falar com ele sobre as coisas que me incomodam, senão minha psicóloga vai meter a porrada na minha cara. É o que eu faria se meu paciente não fizesse as coisas que eu aconselho.
Acontece que eu dormi debaixo de uma árvore, porque fiquei descansando e o suor estava secando. Um ventinho gostoso e o frescor da sombra me ninaram tão bem que eu estiquei-me na grama e não vi nada por umas três horas e meio. Assim que acordo, noto o anoitecer e uma silhueta em pé perto de mim, porém de costas. Reconheço a postura, a pose e pela altura já sei de quem se trata.
— Chitta? — eu sussurro, sentando-me no chão e com os olhos ainda sensíveis. Eu estou todo destruído, parece que não dormi exatamente nada. Credo...
— Ah, finalmente você acordou... — ele boceja no meio da frase, virando-se para mim. — Minha irmã esperou você acordar, mas, como sempre, você morreu aí e agora ressuscitou.
— Meu corpo está destruído — comento baixinho, porque sinto dor em todos os músculos possíveis. Sério. Estou fodido. — Meu pai do céu...
— Vem cá — ele me dá o braço como apoio para levantar e me ajuda a fazê-lo. — Vai tomar banho, você está pegajoso demais.
— Ok — bato as mãos umas nas outras para limpar os pedaços de grama que grudaram enquanto eu dormia.
— Eu venho te buscar para o jantar. Não saia até lá.
— Ah, sobre isso... — eu vou começar a falar sobre as coisas que me incomodam, não estou nem aí. — Posso ter um pouco de liberdade?
— Faça o que estou mandando, sério — ele me dá um tapinha no ombro de sai andando na direção da casa. — Para o quarto Taeyong! — reforça, sem nem olhar para mim.
Droga. Eu vou para o quarto. Estou com tanta raiva, queria dizer a ele como odeio o fato de ele ficar sumindo, fugindo no meio da conversa e ignorando exatamente tudo que falo
Quer dizer... Eu sou um palhaço, sou? Sou idiota assim? Estou vivendo os melhores dias da minha vida desde o último mês e sinto que não há como ficar mais feliz. Porém, claro, preciso respirar fundo e levar as coisas na boa. Porque, sei lá, eu amo muito Chittaphon, mas pra que porra ele me trata assim? Se dependesse dele, eu nem sairia do quatro. Mas por que foi que me aceitou ficar aqui se iria me tratar assim?
Eu estive conversando com minha psicóloga sobre como eu me deixo ser comandado ou darem ordens que eu não concordo e depois fico muito triste com fato de não me sentir confortável com minhas escolhas, que na verdade foram feitas por outrem. Ela disse que talvez eu não esteja me expressando, como se eu colocasse aquela pessoa na minha frente e fizesse as vontades dela para agradá-la. E como eu não quero que Ten tenha um gostinho de agrado, eu vou me rebelar. Eu sou um homem adulto, ora bolas. Posso fazer o que bem entendo. Foda-se.
Ten, te amo, mas sinto muito. Vou curtir um pouco, ok? Eu mando no meu próprio rabo.
E é com esses pensamentos que eu tomo um banho danado de caprichado. Acabo lavando o cabelo, porque eu suei bastante durante as atividades feitas no dia. Como a noitinha está fresca, aventuro-me numa regata branca de algodão e uma calça jogger tie dye azul e branca — Yuta que me deu no meu aniversário, porque sabe que detesto tie dye, mas eu só uso porque eu sou mão de vaca pra comprar roupa — para dar uma de rebelde e sair. Vou sair sim. O que é que Ten vai fazer? Me trancar de novo? Coitado!
Ainda de cabelo molhado e mergulhado em perfume doce, eu saio na noite fresquinha e fico caminhando entre as árvore. Alguns primos de Chittaphon estão jogando num console na sala de estar, outros estão nos sofás bebendo um pouco. A mãe de Ten está rindo com algumas das prováveis tias dele, então vou ficar longe delas. No meio do pessoal do jogo, encontro Ethan.
— E aí, cara? — ele me cumprimenta.
— E aí? O que estão fazendo?
— Nós estamos jogando. Não faço a mínima ideia do nome do jogo, mas estou gostando.
Eu rio, então ficamos lado a lado, em silêncio, olhando a televisão enorme. Após alguns minutos, ele me oferece uma cerveja. Eu nego, porque detesto cerveja. Então me diz que tem um vinho bem forte lá na cozinha e ambos vamos checar. A quantidade de álcool presente é exorbitante, então me sirvo só por interesse. Com a taça na mão e já de volta ao grupinho do jogo, me divirto assistindo as falhas alheias com o videogame.
Comentamos sobre alguns detalhes do jogo, porém breves palavras. Repentinamente, ele se ausenta após verificar uma mensagem no celular. Aparentemente foi encontrar Tern, me deixando aqui sozinho no meio desse pessoal que nem sei o nome e também não ligam muito para mim, porque não perguntaram se quero jogar nem estão falando em inglês. Sinto-me deslocado, mas estou bebendo e é isso que importa.
Em meio ao tédio, saio um pouco para tomar um ar. Essa porra é muito, muito forte. Um gole e já estou acabado. Ok, mero exagero, mas a parada é forte mesmo. Gosto disso. Dane-se, sou jovem e só faço merda. Gostaria ter uma degustação de queijo right now. Tipo... Álcool e queijo me parecem combinar um pouco. Não sei. Não estou pensando muito bem. Termino a bebida e ponho sobre uma mesa de um dos (muito bem contados por mim hoje) três pergolados feitos de mogno.
— Oh, boa noite... — alguém aparece ao meu lado. Quando olho, é um tiozinho de chapéu e paletó branco. — Você faz parte da família?
— Não, só sou um convidado — eu respondo.
Isso não faz sentido. Se ele está falando em inglês, como me pergunta se faço parte da família? Se eu fizesse parte da família, saberia conversar com ele em tailandês. E se ele não falou comigo em tailandês, foi porque já sabia que eu não falava o tal idioma. Ou seja, está na cara que não faço parte da família...
... Ainda.
— Oh, você se veste como um jovem moderno, assim como eles — o homem sorri, erguendo o indicador esquerdo para apontar o pessoal jogando dentro da casa. — De onde é? Taiwan? Hongkong?
— Coreia do Sul — sinto-me desconfortável com essa conversa, não sei bem o porquê.
— Ah, você me lembra Hongkong... — agora vira-se para algumas árvores que balançam pela agonia do vento. — O caos de lá.
— Caos?
— Sabe... Festa, bebidas, confusão... Essas coisas.
Quê?
— Eu não pude entender.
— Ah, que vergonha...
"What a shame" significa isso, né? Eu estou nervoso, eu acabo me atrapalhando todo na hora de traduzir. Cadê Ten para me dar suporte?
— Quem você conhece? — ele cruza os braços detrás do corpo e fica me olhando com uma expressão que, honestamente, estou confuso.
Ao mesmo segundo que me parece um tanto zombeteiro, também penso que talvez seja seu jeito próprio de ser simpático. Eu não sei muito bem o que pensar agora, porque dos adultos que Chitta chegou a me apresentar, ele não estava incluso. Não sei o que isso quer dizer.
— Quem eu conheço?
— Quem te trouxe aqui?
— Ah, foi Ten... — respiro fundo. Eu quero sair dessa conversa, não quero que ele pense que estou aqui como invasor na casa dele.
— Oh, Ten... — ele ri, como se eu tivesse contado uma piada, depois vira-se e fica olhando o interior da casa pelo vidro da janela. — Ten cresceu...
Eu estou perdido na conversa, não sei o que devo dizer.
— É, realmente.
— Ainda medíocre... — seu comentário chama minha atenção. Querido??? — Mas cresceu.
— Eu discordo.
— Bem, nem todo mundo vê o que vejo — e ele simplesmente nem quer escutar meu lado.
Meu Deus, eu preciso sair dessa conversa urgente. Eu estou me sentindo tão desconfortável, mas não quero ofender. Eu sei lá, eu sei lá.
— Desculpe — pelo que estou me desculpando mesmo???
— Eu fui o primeiro a suspeitar dele.
— Suspeitar?
— Desde criança pareceu gay demais. Eu avisava, avisava... — ele deixa a frase no ar, então olha-me com um certo brilho nos olhos. — Você é amante dele?
— Não, não... Eu gosto de meninas, só sou amigo dele — abano as mãos, porque sua pergunta pareceu que ele estava empurrando-se contra a parede.
— Não significa nada para mim. Ele dizia que gostava de menina, mas no ano seguinte já estava com um menino. Ai, ai... Ten é um ser curioso.
— Ah... Ok.
— E você? Que faz? É atleta, artista, empresário, médico...?
— Ah, não. Eu vendo flores e estudo fisofolia... Filosofia — eu tremo um pouco depois do meu erro, acho que quero correr.
— Ah, então vende planta, que tem basicamente em todo lugar e de graça... E estuda filosofia? Só precisa sentar debaixo de uma árvore e se perguntar o porquê de tudo? Pelo amor de Deus, que você está fazendo com a sua vida? Por que tão jovem e estúpido assim?
Opa. Opa. Opa. Essa conversa está ficando estranha.
— Eu já devia saber que quem anda com Ten não tem muita coisa na cabeça, já que ele também não tem. — ele continua. — Aliás, por que não investe em algo útil na vida?
— Já estou fazendo, senhor.
— Você está mais para um vagabundo do que...
— Puta merda, Taeyong! — um grito repentino de Chittaphon, em coreano, me impede de escutar o resto da fala do homem com quem falo.
Eu giro o corpo para a direita, onde ele surge rapidamente detrás de algumas árvores. Ele parece estar muito bravo. Muito mesmo. O homem ao meu lado ri da situação, enquanto isso o moreno me puxa pelo braço e eu tento lutar contra, porque estou passando vergonha parecendo um cachorrinho dele. Que porra está acontecendo agora?
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