✎✎✎✎

taeyong

Quando criança, as pessoas perguntam quem nós queremos ser quando crescermos. E então nós respondemos, como se nunca fôssemos crescer, como se não tivéssemos que correr atrás daquilo quando a hora chegar. Mas a hora não chega, porque a vida não te para no semáforo e diz: ei, a NASA abriu aquele concurso, o que acha de se inscrever e ir se preparando para a prova? E o que quero dizer é que nada chega de fato a se tornar real a menos que eu a torne real. Seja através de uma crença cega de que é ou que irei conseguir ou seguir o roteiro de outrem. Acontece que a idealização supera a realidade muitas vezes. Acontece que o mundo das ideias chega a ser mais real que o mundo material. Antes de se concretizar, aquilo já foi algo na minha cabeça.

— Quanto falta? — Ten me pergunta. — Desculpa se eu estiver perguntando demais.

— Você me perguntou há cinco minutos atrás — abro um pequeno sorriso para que ele fique relaxado. Estou dirigindo, então não posso estar olhando seu rosto o tempo todo. — Não falta mais de trinta minutos.

— Ok, ok... — ele respira fundo.

Viro o rosto para olhá-lo no banco de passageiro. Ele está com menos maquiagem que o comumente, um pouco de base e só. O cabelo está muito bem penteado, até demais. Ele provavelmente usou gel, porque está para trás, bem fixado e brilhante. Está sem brincos. Eu tive pensamentos sobre como ele saiu de casa, mas não falei nada. Não ainda.

— Tá tudo bem? — questiono ao olhar pelo retrovisor.

O percurso a Sokcho não é tão longo assim. Ten gosta de exagerar. Na verdade, acho que ele está ansioso. Eu queria que ele se sentisse bem em ir conhecer meus pais, porém isso tem deixado ele meio deslocado. Por exemplo, eu mal o vi piscar os olhos durante a noite. Quer dizer, eu dormi pra caramba, então é difícil saber com clareza se de fato ele chegou a dormir, mas o fato de ter dormido depois de mim e acordado antes já é uma prova. Certo?

— Tá, sim — sua resposta me parece um pouco superficial.

— Esse é o momento em que você se abre.

Um suspiro escapole dos seus lábios e depois leva algums segundos até responder:

— Olha, Tae... Desculpa se eu estiver parecendo meio... Inseguro...

— Nem percebi — brinco. Meus olhos encontram seu rosto vagamente, porém percebo que está com os braços cruzados e o olhar distante para a estrada. — Está nervoso para conhecer meus pais?

— Claro que sim. E se eles acharem que não sou bom para você? Quer dizer, eu sei que sou incrível, mas eles podem pensar que não e ficarmos num clima constrangedor. Não quero um clima constrangedor.

— Então é por isso que fez essa droga no cabelo e tirou os brincos?

— Meu cabelo não está uma droga — ele toca o próprio cabelo levemente com as dontas dos dedos da mão direita.

— Está. Sabe por quê? Porque não é você. Então bagunce ele, ponha no mínimo três brincos em cada orelha e volte a sorrir que nem um desgraçado maravilhoso para me seduzir. Esse é você.

— Eu sou isso? — sua voz sai anasalada, sinal de que ele está rindo. Uma pequena gargalhada surge ao final da pergunta.

— Sim — estico-me o suficiente para bagunçar uma parte do seu cabelo.

Ele recua balbuciando impropérios, mas não ligo.

— Te odeio — é o que me diz. Mas não sabe mentir muito bem.

— Também te amo — lhe dou uma piscadela antes de trocar de marcha. — Mas por que está nervoso?

— Não sei. São seus pais, né? Você sempre me fez pensar que eram meio... Não sei, mais sérios ou conservadores.

— Em partes, sim. Mas eles me aceitam do jeito que sou. Acho que irão te amar. Minha mãe gosta muito de você. Ela ama Cook & Taste.

— Todo mundo ama Cook & Taste — Ten dá de ombros.

Eu estaria surpreso se ele não fizesse um mínimo elogio a ele mesmo ou a qualquer coisa que faça. Acho que Ten continua sendo Ten, apesar do caos de identidade.

— O que quero dizer é que ja te conhecem um pouco e mesmo assim estão interessados em conhecer mais.

— Então me prepare um pouco. Não venha com esse papo de “seja você mesmo”, caso contrário eu te empurro pela porta do carro em movimento e vou embora para a minha casa.

— Credo, Ten! — eu acabo caindo na gargalhada.

— Eu não estou brincando...

— Tudo bem... — recomponho-me da risada fora de hora. — Meu pai que é o sério e mais conservador. Ele não gosta de mentiras e respostas muito confusas. Provavelmente ele não irá falar muito com você, mas estará te olhando de uma maneira bem julgadora. É só ignorar e continuar com a vida.

— Eu tenho tantas perhuntas sobre isso! Mas e a sua mãe?

— Ah, você vai amar minha mãe. Ela também cozinha, faz o melhor tteokbokki do mundo. É mais compreensiva que meu pai e ama os gays.

Eu olho rapidamente para Ten, que apenas arqueia as sobrancelhas. Jesus, eu amo este homem.

— Como assim “ama os gays”? — Ten inclusive dobra os dedos para ilustrar as aspas.

Eu queria dizer que ele não precisa se preocupar nem um pouco, porém tenho medo de ser repetitivo e ele acabar perdendo a paciência, porque claramente não está funcionando. Mas onde já se viu Ten Chittaphon nervoso para uma situação social? O cara é amado por todos, fala bem e é simpático, charmoso, tem um sorriso encantador e uma lábia de deixar qualquer um no chinelo. Ele é organizado, cheiroso, cozinha bem pra caramba e é o estrangeiro que se esforça para aprender o idioma local — ao contrário de muitos gringos por aí cof cof estados unidos cof cof.

— Ela ama os gays! — repito, desta vez com um sorriso super largo no rosto. — Pelo menos, ela tem se esforçado bastante nos últimos tempos. Um dia ela me enviou um vídeo do TikTok de RuPaul's Drag Race. Ela é atenta.

Ten congela por uns segundos, depois inclina o corpo para frente e ri.

— Minha mãe já me perguntou sobre ser drag! — conta, agora rindo também e percebo pela postura meio largada que está mais relaxado.

— Ai, meu Rá! — dou uma batidinha no volante e caio na gargalhada com ele.

O resto do percurso é, de fato, 35 minutos. Não dura muito quando se tem Chittaphon batendo papo sobre como ele sempre soube que gostava de garotos e que aquilo parecia mais uma maldição. Destaco a seguinte fala:

— Não sei por que falam que gays vão para o inferno. O inferno já é gostar de homem, porque homem não presta. Ou seja, sofro na Terra e ainda vou parar no inferno? Tem nem uma recompensa por eu ter que aguentar homem?

— Amor, você é homem.

— Por isso mesmo que tenho certeza que homem não presta! E não me chama de amor, Taeyong Lee!

Uma coisa interessante sobre nós é que eu chamo-o de amor para provocá-lo e ele me chama de Taeyong Lee como se quisesse deixar formal para criar uma suposta distância entre nós dois. É uma forma verbal de eu correr atrás dele e ele simplesmente se afastar de mim. Traz mais risada que outra coisa, então eu gosto. Gosto de deixá-lo relaxado.

— Chegamos — estaciono o carro alguns metros da casa que cresci. É a mesma de sempre, mas o sol parece brilhar estranho.

Há mais grama na pequena varanda, talvez meu pai tenha desistido de cortar desde a última vez que vim. Anos atrás, eu estava cansado de olhar para essa mesma construção. Agora, é curioso encará-la. Parece que foi há mil anos atrás que morava aqui...

— Tudo bem? — meu anjo chama minha atenção. Acho que fiquei parecendo um babaca olhando a casa. — É essa?

— Uhum — balanço a cabeça positivamente. Acabo mordendo o lábio também, pensando em como irei apresentar Ten. Não pensei muito nisso antes. — Algum pensamento?

— Achei que seria maior.

Viro o rosto na sua direção.

— É sério isso?

— Eu pensei, ué. Fazer o quê? — ele dá de ombros e abre a porta, após tirar o cinto de segurança.

Solto um suspiro e faço o mesmo. Sei que só vamos passar uma noite e depois voltar para Seoul, mas eu confesso que estou de certa forma preocupado com meu pai. Ele nunca foi de deixar ninguém dormir aqui em casa. Foi uma luta conseguir que permitisse Ten. Não quero desperdiçar isso. Espero também que ele goste do Ten e não implique com ele. Porque se implicar, ele fará isso na frente do Ten. E eu vou surtar, porque Chitta está nervoso justamente com a possibilidade do meu pai não gostar nem um pouco dele.

Caminhamos lado a lado até chegar na porta. Checo seu rosto por uns instantes, ele parece ansioso e respira fundo. Decido tocar a campainha. Segundos após, minha irmã abre a porta com um copo de Americano bebido pela metade na mão. Ela sorri quando vê Ten parado em frente a porta. Eu também sorriria se o visse assim, do nada, parado em frente a mim. Acho que estou sorrindo agora, porque consegui algo melhor: estou ao lado dele. Estou ao lado dele como namorado.

— Ei, Ten, essa é minha irmã — chamo a atenção para as apresentações, porque caso contrário ela vai ficar encarando Ten por sei lá quantos anos.

— Ah, oi! — ele sorri para ela. Sim, aquele sorriso que eu considero muito sedutor. Parabéns, estou namorando um grande gostoso.

Acho que a melhor coisa que estamos vivendo agora é essa calmaria em sair de mãos dadas, dormir abraçados — quando Ten está disposto —, compartilhar as refeições e simplesmente não fazer nada. O rolê de adulto é marcar para ficar em casa deitado no sofá, assistindo tv e recebendo carinho do seu namorido.

Minha irmã e Ten se cumprimentam, travam uma conversa sobre a viagem de carro enquanto entramos na casa. Meu namorado parece meio deslocado de início, porque demora para tirar os tênis — está meio nervoso, por isso saiu atrapalhado. Minha mãe escuta nossas vozes e vem praticamente correndo nos cumprimentar. Apresento o Ten e desde já ela parece gostar dele, porque comenta o quanto ele é bonito pessoalmente. Brilhante, jovial e belo: Ten exala toda a graciosidade da idade e do seu próprio natural.

Nunca pensei em vê-lo aqui, sorrindo para a minha mãe como se ela fosse a chave para uma tumba há muito esquecida pela humanidade, como se pudesse revelar todos os segredos que ele gostaria de um dia experimentar. Nunca pensei que veria minha irmã aqui, olhando para mim com uma cara de “uau”, porque não consegue acreditar que eu possa ter arranjado alguém tão incrível quanto o Ten.

Estou segurando minha mochila e a bolsa grande de Chitta — quem conhece a peça sabe que ele não vive sem os mil e quinhentos cosméticos —, mas abraço mamãe e sigo para o quarto guardar nossas coisas. Deixo ao lado do beliche. Daqui, escuto minha mãe exclamar um agradecimento, então provavelmente Ten já tenha dado a porção de falafel que ele fez hoje de manhã, uma garrafa de vinho suave para mamãe, uma de uísque para papai e a receita do prato que ele criou inspirado em nós.

Cruzo os braços, olho ao redor. Este quarto nem tem mais a minha cara e nem sei por que o beliche ainda está montado. Mas sei que dormirei nele. Queria que o Ten dormisse também, porém provavelmente irá dormir na sala — no sofá ou no chão. O que é um tanto triste, porque estou ficando apegado com o fato de às vezes dormirmos de conchinha ou fazendo carinho um no outro. Ele prefere massagem, mas ok.

— Taeyong, venha ver! — mamãe grita lá da sala. — O Ten é um amor!

Eu vou praticamente correndo. Quando me deparo com ela, está mostrando um colar banhado a ouro que com certeza o Ten a presenteou. Eu me seguro para não olhar feio para ele. Passamos a semana toda discutindo o fato de que ele não deveria comprar coisas caras e chiques para os meus pais. Ele fez parecer que eu havia ganhado, mas comprou pelas minhas costas. Eu bem que deveria ter desconfiado...

— Oh, que lindo, mamãe! — não resisto e acabo sorrindo também.

Se mamãe está feliz, também estou.

— Onde está papai? — quero saber.

No instante em que minha irmã abre a boca para responder, da porta meu velho atravessa meio sério (ele sempre está assim), porém com um saco plástico na mão.

— Aqui estou eu. Trouxe uma Coca! — e entrega o saco com o refrigerante para minha irmã. E é aí, meus amigos, que seus olhos encontram os olhos de Ten.

Ok, eu dei algumas instruções a ambos lados. Ao Ten: nada de coisas caras nem chiques, falar de um jeito que meus pais possam entender e concordar com tudo que falarem, mesmo que esteja infringindo uns 20 direitos humanos. Aos meus pais: serem educados e gentis com ele, não perguntar muito sobre a família dele (eu dei a desculpa de que ainda é muito cedo para falar sobre essas coisas), organizar a casa para que Ten não perceba bagunça e também fazer e comprar alimentos que ele goste. Eu citei os vinhos, as comidas coreanas e qual seu modo favorito de beber soju. Eu lembro de ter mencionado que Ten não gosta de Coca-Cola. Por que meu pai comprou Coca-cola?

— E você, quem é? — a pergunta de papai me faz gelar. É óbvio que ele sabe quem ele é, mas quer que Ten se apresente, quer abalar um pouco a confiança dele.

— Olá, senhor — Ten carrega um sorriso nervoso, posso constar. — Eu sou Ten Lee, namorado de Taeyong — curva-se demoradamente. Nunca vi Ten levar tanto tempo aonde curvar.

— Ah, então é você? — meu pai cruza os braços e olha atentamente para Ten, quando levanta o corpo. — Quer dizer que você cozinha, huh?

Eu fico nervoso por Ten. Não que eu ache que está dando tudo errado — não por enquanto —, mas porque eu sei que meu pai  está com vantagem e ele está usando muito bem. Espero não chegar até ao último ato de emergência, composto por falar compulsivamente de culinária com a minha mãe, principalmente pedindo dicas, e servindo o uísque caro e esquisito para meu pai. Até lá, ainda temos chances. Chittaphon só precisa responder.

— É, eu sou chef de cozinha — Ten balança a cabeça. — Tenho um restaurante.

Felizmente, a resposta simples e objetiva de Ten parece deixar meu pai satisfeito. Eles se aconchegam no sofá enquanto sigo com mamãe para a cozinha. Ela disse que está preparando algo delicioso para mim e o Ten e que é legal estarmos juntos aqui. Eu estou feliz por ela estar feliz. Acho que poucas vezes tive a sensação de que minha mãe estava feliz comigo.

E então, todos nós sentamos na sala conversando sobre como o meu namorado é incrível, bonito e adorável. Em como combinamos juntos, embora estejamos sentados em lados diferentes da sala. Minha irmã comenta que pareço extremamente feliz com ele e isso que importa. O meu amor olha para mim, eu para ele, e eu não consigo acreditar.

Passei tanto tempo atirando pedras no meu caminho... Quando decidi parar, as coisas começaram a funcionar. Claro, o universo ainda me odeia, ainda tropeço e caio cambaleando para os lados. Porém, agora a história é outra: os braços que tanto almejei de repente seguram minha cintura para que eu não dê de cara com o chão. Então é isso que estou sentindo agora, que não estou sozinho, estou feliz e tudo parece tão simples e genuíno. Tudo que guardo no peito é genuíno: o amor, para que se mantenha quente; a minha raiva do mundo, porque é ela que acende o carvão que me faz sair da cama.

— E como vocês se conheceram, afinal? — minha irmã quer saber, agora que estamos comendo odeng que mamãe preparou para beliscarmos.

Eu sorrio para o Chitta, como quem perguntando "posso contar?". Ele pisca os olhos na mesma hora em que inclina a cabeça e franze a testa. Um pequeno sorriso mela seus lábios. Ele quer dizer que está tudo bem.

— Sabem do Doyoung? — começo.

— Ah, aquele garoto certinho que vivia andando com você? — minha mãe recorda-se.

Ok, preciso atualizar minha mãe sobre o que o Doyoung se tornou. Certinho? Só se for piada. Ele poderia me levar para o inferno só para se divertir.

— É, de certa forma — dou de ombros.

Ten está com a sobrancelha direita levemente erguida, com uma cara de confuso com o que minha mãe falou. Isso me faz rir. Doyoung já foi corretinho.

— Ele me conseguiu um emprego no restaurante do Ten há alguns anos  — meus dedos distraidamente esfregam no palitinho do odeng. — Acabamos ficando próximos e... Acho que foi inevitável não gostar dele.

Foi inevitável não gostar dele. E parece que aconteceu o mesmo, porque seu sorriso exala reminiscência. Ele espeta o palito no lábio inferior, o que chama minha atenção.

— Oh, que adorável — mamãe comenta.

E então, vamos andar um pouco para conhecer os arredores. Não há nada muito grandioso aqui, mas também não é como se fôssemos ligar para isso. Sou simples e incorrigível. Gosto das coisas calmas, como aquele posto de gasolina que comprei sorvete inúmeras vezes, e de ver o mar. Espero levar Ten para ver o mar. Digo, só nós dois. Sonhei com isso há muito tempo atrás.

E quando voltamos para casa, almoçamos todos juntos, como se realmente fôssemos uma verdadeira família. Minha irmã conta que já usou alguns memes do Ten no programa e pede desculpas. A gente ri. E no meio da risada, eu não me sinto esquisito nem esquecido. Minha risada não congela, minha mente não me diz um “ei, por que está sorrindo? Como ousa estar feliz? Olha só quão patético voce é, nem pertence a este lugar”. Não, eu não escuto isso, eu não reproduzo isso. Sou eu aqui, com meu namorado e minha família, batendo papo e comendo muito kimchi.

A parte mais curiosa é quando a noite cai. Ou, pelo menos, o começo dela. Distraimo-nos com jogos de tabuleiro, Ten prepara algo na cozinha com minha mãe. Minha irmã, parasita que só ela, apenas conversa vez ou outra quando não está totalmente imersa em seu telefone. Não poderíamos estar mais unidos que isso, então dou aleluia.

Quando minha mãe manda o meu amor de volta para a sala, sob a justificativa de que “está trabalhando demais para uma visita”, eu substituo ele para tentar adiantar o que tiver sobrado. Felizmente, ninguém se opõe e eu passo a ocupar longos minutos com a minha mãe na cozinha.

— Sabe, eu fico feliz que finalmente tenha trazido ele — ela comenta comigo, quando estou lavando uma das panelas usadas. — Que bom que está feliz, Taeyong. Vocês não são muito parecidos, mas fazem uma boa dupla.

— O que achou dele? — pergunto. Há um brilho quase sobrenatural nos meus olhos.

— Ele é educado, um bom rapaz. Eu gosto que ele queira te ver feliz. Ele é mais novo que você, certo? Então, cuide dele também. Tudo bem? De nada vale a vida se não pudermos amar — solta um suspiro. — Ele é atencioso e esforçado. É confiante também, pelo que percebi aqui na cozinha. Acredito que ele pode te ajudar com a sua insegurança.

— Eu não sou tão inseguro — arranco as luvas das minhas mãos.

— Você é inseguro até quando sabe fazer algo, Taeyong. Está tudo bem admitir que não está tudo tão ótimo assim. A primeira fase é aceitação, reconhecer. Ele pode te ajudar em inúmeras coisas. Então, espero que fique com ele por bastante tempo. Vocês dois tem muito o que ensinar um ao outro. Lembre-se que não há tempo definido para se trabalhar um amor.

Eu sorrio. Nada poderia estar melhor que isso.

E, após estender a luva para que seque, vou à sala outra vez para checar o que estão fazendo. Com o que me deparo, porém, quase põe tudo a perder. Quase.

— ... não tenha mais de duas, senão vira uma dor de cabeça — vai dizendo papai. — Duas por si só já dão dor de cabeça. Não que eu esteja te pressionando nem nada, só estou comentando mesmo. Se um dia tiver filhos, não tenha demais. Ainda mais se uma das crianças for uma peste. Foi uma luta para pôr Taeyong na linha. Sinceramente, acho que nunca conseguimos colocá-lo inteiramente lá.

Meu pai está falando sobre filhos com Ten! Sobre filhos! Logo filhos! O pior assunto do mundo para se conversar com Chittaphon!!

— Bem, eu não estou pensando neste assunto ultimamente — Chitta comenta meio embaraçado. Pela sua postura reta, sem constantemente alternar entre curvada, eu percebo que ele está desconfortável com o assunto.

— Está tudo bem — papai inclina a cabeça para o lado. — Mas seria bom, entende?

— Entendo — e então concorda ao balançar a cabeça. — Pensar nisso leva tempo também. Sabe, como serão os gastos, onde irá estudar, alimentação...

— Não precisa se preocupar tanto com isso — papai interrompe Ten. Eu deveria estar interrompendo essa conversa. — Eu não fiz muitos planejamentos com o Taeyong, por exemplo. E ele está bem.

Como estou bem? Tenho dez mil traumas!

— Oi, do que estão falando? — resolvo logo me intrometer. Primeiro, porque eu estava com medo do que viria a seguir. Segundo, porque quero salvar Ten deste inferno. — Já vamos servir tudo para a janta.

— Que bom — papai responde meio a contragosto, acho que está chateado por eu ter interrompido.

Um olhar autoexplicativo é tudo que consigo do meu amado: está grato por eu ter intervido. Às vezes os pais falam coisas incômodas e não parecem perceber. Ou fazem de propósito, pois acham que o incômodo é o melhor professor. Eu poderia criar um link disso com algo que estudei na faculdade, mas hoje estou cansado e só quero fingir que sou normal.

O jantar realmente fica pronto. Nós comemos todos juntos. A conversa não é tão ávida quanto antes, e por isso tocamos em terrenos perigosos. Eles decidem perguntar sobre a família do Ten e, ora, não importa o quanto eu tente... Não consigo impedi-los de questionar. Até eu tive minhas dúvidas a um tempo atrás. E é de certa forma interessante acompanhar, porque o Ten passara uma semana agindo de maneira estranha daquela vez que seu pai apareceu no restaurante. Eu não sabia se era algo bom ou ruim o Ten não estar agindo como Ten. Só dias após de terem se despedido no aeroporto que voltamos ao de antes. Hoje ele só fala o básico, nada de detalhes, nada de “taquei fogo na minha casinha na árvore porque meu pai traiu minha mãe sei lá quantas vezes”

Aqui em casa nós dormimos cedo. Com exceção do meu pai, que deixa a televisão ligada à noite, mas só fica no celular. Hoje as coisas foram diferentes. Ele bebeu soju com Ten e mamãe e minha irmã. Ninguém aguentou muito tempo e foram dormir. Pelo menos foram aos seus quartos. Ficou decidido que Chittaphon ficaria na sala, enquanto eu ficaria no meu beliche mesmo. Mas não é isso que quero. Sabe, quero desvendar o mundo inteiro com ele.

Penso em falar com ele no instante em que vamos dormir, mas nem preciso chegar necessariamente na sala para descobrir que ele está tendo uma conversa baseada em sussurros com meus pais. Eles devem ter saído do quarto para ter uma conversa com ele.

— ... para que ele fique bem — escuto Ten finalizar uma fala.

— Muito obrigada — mamãe lhe responde. — Obrigada por estar cuidando do nosso Taeyong. Sabe, ele anda tão feliz com você que eu nem sei como explicar. Eu sei que vocês tiveram seus momentos difíceis, mas estão fazendo a coisa certa agora. Quando não estivermos por perto, por favor, continue cuidando do nosso Taeyong.

— O Taeyong é nossa pérola, o nosso menino. Temos muito orgulho do que ele está se tornando. E agradecemos muito por fazer parte disso. Gostamos muito de você. Se precisar de qualquer coisa, estamos aqui. Na verdade, se vocês dois precisarem de qualquer coisa — é vez de papai falar. Eu nem sabia que ele era capaz de falar essas coisas. — Nós demos nossa benção e desejamos tudo de bom aos dois.

— Taeyong é um rapaz puro e sincero, um adorável presente que tivemos. Tenho certeza que ele irá cuidar bem de você — mamãe torna a falar. — Se não, nos avise e iremos puxar a orelha dele.

Eu escuto uma pequena risada de Ten.

— Eu que agradeço por terem presentado o mundo com Taeyong — ele diz. — É impossível não gostar do Taeyong — ele faz uma pausa um pouco longa e volta a falar: — Iremos cuidar um do outro. Eu... admiro muito o amor que vocês têm por ele. Ele merece tudo de bom. Tudo de melhor. Quero ajudá-lo a realizar todas as suas vontades. Ele é uma parte muito importante na minha vida.

Depois disso, não escuto. Volto para o meu beliche superior, porque dos meus olhos começou a jorrar um líquido transparente e salgado.

Mas uma hora depois, eu largo o telefone de mão e tento ir atrás dele.

— Ei — sussurro quando chego à sala de estar, onde vejo que está deitado no sofá mexendo no celular. Ele levanta o rosto para mim curiosamente. — Tá up?

— Hum — e então liga a lanterna do celular para me enxergar melhor. Seus olhos estão entreabertos. Ele está com sono.

— Quer dar uma passeada?

— Quase duas da manhã?

— É. Eu não tô conseguindo dormir e, pelo visto, você também não — aproximo-me mais do sofá.

— Onde?

— À beira-mar — respondo.

Ele leva alguns segundos se decidindo. Eu dou a liberdade de assim fazê-lo sem incomodar. Por fim, resolve se levantar e me acompanha porta afora. Eu tinha meus momentos de sair pela madrugada para caminhar, principalmente quando a ansiedade atacava. Agora, eu me sinto belo e brilhante. Só coisas boas por aqui. Só coisas boas.

Andamos de mãos dadas. Passamos por algumas ruas até estar, de fato, cara a cara com o mar. A brisa recheia meu coração, recheia a minha alma. Era tudo que eu queria. Renascer. Estou me limpando. Ele aperta a mão na minha, estamos em silêncio, mas há muitas coisas sendo ditas aqui. Descemos para a faixa de areia. Estamos usando sandálias, porém parecemos não nos importar com os grãos que cutucam nossos pés.

— Frio? — Ten questiona ao perceber que fui atacado por um arrepio que me faz tremer. — Quer que eu te abrace?

— Está tudo bem — puxo-o para perto de mim. — Eu adoraria o abraço.

Ele sorri de um jeito que só eu posso contemplar. Um sorriso que só eu posso ter, mais ninguém. Nunca vi dá-lo a mais ninguém. Sei disso porque já conheço grande parte das suas expressões, assisti muito Cook & Taste. Acho que sei até o que ele desconhece. E desconheço também toda a química que envolve esse sentimento patético chamado amor. Eu olho para ele e tudo parece simplesmente perder a importância. Só ele aqui, sabe? E esse cabelo desgraçado que até agora não cortou e vive crescendo, o olhar de quem enxergar o melhor tesouro de Atlântida.

— Te amo — sussurro contra a orelha do vento, na esperança de que leve um pouco dessas palavras a quem precisa também. — Ei, obrigado por estar aqui. Por estar fazendo tudo isso.

— Não há de quê — inclina a cabeça para o lado, então seu cabelo vai junto também. — Você cresceu num lugar legal, sabia?

— É — engulo em seco e olho ao redor.

Não dá para enxergar o mar, porque está muito escuro. Mas consigo sentir o cheiro e escutar as ondas. Passamos a escutar as ondas.

— Sinto falta daqui — revelo ao Ten. — Sinto falta de tudo. Quer dizer, quase tudo. É estranho não poder largar o que construí e tentar viver tudo de novo. Não posso, a vida chama. Não há tempo para Throwback Thursday.

— Podemos vir aqui sempre que você quiser — Ten vai falando. — Eu te acompanho nas vezes que puder.

— Oh, obrigado por isso — sorrio timidamente.

Ele segura meu rosto, mas não fala nada. Não ainda. Só trocamos olhares e pequenos sorrisos. Não tenho mais vergonha quando ele me encara.

— Tive uma conversa com seus pais — finalmente diz algo.

Uma das minhas sobrancelhas se erguem. Estou curioso.

— E como foi? — questiono. Sei que escutei parte dela.

— Acabei passando os olhos no passado — sua mão deixa meu rosto e desde já sinto falta do calor. — Lembrei de Paris. Se lembra de Paris?

— Como eu poderia esquecer de Paris? — acabo sorrindo e tiro a mecha de cabelo que o vento jogou na sua boca. — O que tem Paris?

— Lembrei de quando estávamos assistindo o Sena — sua mão desce pelas minhas costas até parar na minha cintura. — E perguntei se você me amava de verdade. Você disse que sim, e muito.

— Ora, continua sendo verdade — solto uma pequena gargalhada.

Queria guardar todos os nossos momentos numa caixinha, queria assisti-los todos os dias. E tento ficar preso ao agora, porque daqui a duas semanas ele vai estar viajando e eu estarei só. Estarei só na casa dele e acho que vai doer mais do que eu penso que irá. Porém, quando olho para trás, gosto de lembrar dos nossos dias felizes e gostosos. Quero pegar o sal de Santorini, a doçura de Paris, os sorrisos da Tailândia. Eu ainda sigo caçando sonhos e sem saber o que devo fazer em seguida, porém sinto-me menos perdido ao vê-lo ao meu lado. Não é só o suporte e companhia, é algo mais intrínseco e perigoso que isso.

— Por que lembrou disso? — quero saber.

— Não sei — ele encolhe os ombros e vira-se para o mar. Caminha alguns passos em direção a água, mas para repentinamente. Parece dramático, mas está só pensando. — Só surgiu. É como abrir o guarda-roupa e encontrar a primeira peça que comprei de um estilo em específico. Agora eu tenho várias roupas parecidas com aquela, mas... Foi a primeira. E lembro de todos os lugares que fui com ela e tudo que fiz vestindo. É como se reencontrar com um velho amigo, entende?

— Eu não sou o mesmo?

— Acho que eu que não sou o mesmo — ele ergue a cabeça para a prateada lua.

Caminho na sua direção. Paro ao seu lado. Encaro seu rosto repleto de sombras e seguro sua mão esquerda. Não digo nada. Eu não saberia, mesmo se me esforçasse. Acho que ele quer dizer que, de alguma forma, não se reconhece mais como antes. Como costumava ser desprendido e lutou muito — lutamos muito — para chegar onde estamos. Foram dois passo para frente, mas quatro para trás. Continuou sendo um avanço, porque ele se esforçou. Se esforçou por mim. Não sinto orgulho de dizer que ele mudou por minha causa, porque não é verdade. Ten sofria também. Eu sei disso. Sei disso porque em momentos como esse, quando ele fala e eu escuto, eu entendo que não fui o único a rastejar sangrando pelos cantos. Ele não contava a ninguém. Quero que ele conte sempre a mim. E quanto mais ele lutava consigo mesmo para não estar comigo, enquanto ao mesmo tempo queria, ele sangrava mais ainda. Há certas vantagens em brigar consigo mesmo: você sabe todas as suas fraquezas. Mas há certas maldições em brigar consigo mesmo: você sabe todas as suas fraquezas. Acho que todos nós temos nós mesmos como maiores heróis e vilões das nossas vidas.

— Vou sentir saudades quando você estiver na América — é o que falo, após uns minutos em silêncio contemplando as estrelas e a lua. Coisas estúpidas que fazemos às vezes. É preciso.  — Volte logo, ok? Não necessariamente para mim, mas para a sua vida em geral. Seus amigos, seu restaurante.

Ele sorri. Eu acabei de entender o Ten. Ele sorri por isso.

— Obrigado — respira fundo.

Seus olhos brilham, seu sorriso se torna trêmulo. Eu sei o que isso significa. Ele sentirá minha falta, ele conversou com meus pais, ele viu onde cresci e está prestes a me dar tchau por dois meses e meio. Os olhos marejados dizem mais do que qualquer coisa. E quando ele pisca, uma lágrima desliza de cada olho. Eu abraço-o instantaneamente.

— Obrigado — ele repete. — Amo estar existindo com você.

— Também amo isso, Ten. Você não faz ideia do quanto eu amo isso.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top