44 - Quarto de hotel pede honestidade
Ten disse que estávamos fazendo uma trilha num acampamento noturno quando eu caí de uma colina e me machuquei. E que ontem apanhou do pai homofóbico, por isso está com o olho roxo. Ele disse isso quando a recepcionista do hotel nos olhou de cima a baixo ao fazermos o check-in.
Não houve problema algum. Eu suspirei aliviado.
Estamos andando pelo corredor atrás do nosso quarto. Ten está com o cartão, enquanto eu sigo porque só quero me sentir bem. Deixamos a moto escondida lá também. Atrás do estacionamento do hotel, tem uma grande concentração de mato também. Preferimos deixar a moto lá. Melhor prevenir do que remediar.
— Você... vai tomar banho — vai contando ele, reforçando o que havia me dito na árvore.
Eu apenas balanço a cabeça e espero-o liberar a porta do quarto. Quando abre, eu entro primeiro e o espero. Ten fecha a porta, passa direto por mim e joga minha bolsa junto com as chaves sobre a cama. Não faço nada. Acho que estou em choque.
— Que foi? — finalmente olha para mim.
Eu quero falar algo, mas não sei o que dizer. Meus lábios vão doer, porque o canto deles, onde se encontram, está machucado e quando eu movo dói. Também nem sei se quero dizer algo. O cansaço é tanto que até para descansar eu não consigo. É angustiante.
— Hm? — ele vem chegando perto, não de um modo intimidador. Ele vem chegando perto de um jeito íntimo. — Me diz, por favor.
Minhas bochechas ficam úmidas e me pergunto o porquê. Daí sinto meu rosto quente e a visão embaçada. Já sei que estou chorando. Uma vez que estou chorando, Ten me abraça. Conquanto, não o abraço de volta. Estou em choque.
— Vai ficar tudo bem, Taeyong — mesmo que suas palavras sejam doces, eu ainda sinto medo. — Vai tomar seu banho, ok?
Afasto-me do abraço e vou ao banheiro. Antes, separo algumas roupas da minha bolsa e minha escova e creme dental. Levo ao banheiro e me tranco. Ponho sobre a pia. Estou cansado e com fome. Olho-me no espelho e, além de estar cansado e com fome, eu também pareço ter sido engolido e depois cuspido pela Casa Monstro. Eu poderia falar coisas engraçadas, como dizer que estou o pó da rabiola ou virei uma carniça. Mas me perdoe, não ando assim tão bom em humor. E minha cara não anda assim das boas. Se eu pudesse nunca mais olhar no espelho, agradeceria.
Meu cabelo deixou de ser loiro há muito tempo. Está todo sujo e não faço a mínima ideia do que seja. Não há nada estranhamente surreal no meu nariz, mas meus lábios estão sujos e o ferimento está com sangue seco. Não importa se eu passei pomada horas atrás, ainda parece horrível. Meus olhos estão horríveis, profundos, olheiras horrendas. Além do mais, eu não sei porque, mas meu olho direito parece maior que o esquerdo. O que é uma pena, porque normalmente eu me considero deveras bonito.
Tiro a camisa e de cara noto um hematoma no meu abdômen. Deve ter sido aquele chute que recebi. Parece que tem uma via láctea na lateral da minha barriga. Quando eu pressiono, dói. Não sei como eu não tinha notado essa dor antes. Acho que chega um ponto que o nosso corpo começa a ignorar os próprios sinais e nos diz: querido, há coisas maiores para você se preocupar. E está aí, sabe… A arte de suportar o insuportável.
— Tae, eu vou pedir comida — Ten fala, por trás da porta. — Vou pôr seu celular para carregar. Quando ele ligar, você fala com seu pai. Enquanto isso, estou ligando para a polícia.
— Ok — digo baixinho.
Penso em beber água da torneira, porque estou morto de sede. Mas vou esperar terminar o banho para pedir serviço de quarto.
E meu banho se torna dolorosamente lento. Eu lavo o cabelo, limpo a pele, e solto “aish” toda vez que minha pele arde. Descobri alguns ferimentos que eu nem sabia que tinha, acredita? Mas no fim eu já sou outra pessoa. Claro que meu rosto continua horrível, mas apenas pareço doente, não um cara que caiu no esgoto. Isso é uma coisa boa, ao meu ver.
Visto-me com aquele mesmo pijama do outro dia. Quero me sentir confortável. Escovo os dentes duas vezes. Saio do banheiro me sentindo outra pessoa. Um novo homem.
— Oi — Ten me cumprimenta.
Há bastante comida que ele pediu sobre a mesa, então eu me sento e espero ele se juntar a mim.
— Já liguei para a polícia, eles vão vir. Pedi que pelo menos que pudéssemos dormir aqui hoje, precisamos descansar. Como está de madrugada, não podem fazer muita coisa. Mas pela manhã virá mais gente para nos ajudar. Por ora só quero proteção mesmo. Pode me esperar tomar banho? Ligue para seu pai, seu celular carregou uma certa porcentagem.
Ten está mais nervoso que eu. Está falando rápido e misturando os assuntos. Entendo. Concordo ao balançar a cabeça e vejo-o ir rapidamente ao banheiro. Respiro profundamente antes de levantar para pegar meu celular. Tem inúmeras chamadas perdidas dos meus familiares nos últimos dias. Mas o primeiro número que disco é o do meu pai. Ele deve estar tendo um ataque de preocupação.
E… bem, é isso. Sento-me no chão, embaixo da janela, e converso com ele. Peço para que não mande dinheiro algum e que se possível venha me ver, eu estou assustado e meus olhos andam ardendo de tanto chorar. E sim, eu choro na ligação, minhas mãos ficam trêmulas e minha voz também. Converso com ele até mesmo quando Ten sai do banheiro só de toalha na cintura. Eu desvio o olhar dele ao falar para o meu pai me ajudar. Eu sou sensível e ele sabe disso. Também, quem não ficaria assustado? Conta-me que chorou quando viu a arma perto da minha cabeça e que não sabia o que fazer. Ele já está na China, inclusive, mesmo que os sequestradores fossem coreanos. Ele imaginou que tivesse rolado aqui, porque as localizações das minhas postagens na internet estavam deixando claro onde eu estava indo. E pela primeira vez na vida, o Instagram me proporcionou algo de realmente útil. Disse que já está vindo me ver, mas que pode demorar algumas horas para chegar. Falo que não tem problema. E desligamos falando que nos amamos.
Não falo com mais ninguém, mas mando mensagem dizendo que estou bem e que logo tudo vai dar certo. Deixo o celular de lado assim que Ten se senta em frente a mim, vestindo um blusão de banda de rock e uma calça preta. Silenciosamente, nós comemos. Não falamos exatamente nada, malmente olho seu rosto. Porém, sei, ele fica olhando para mim. Não para de me olhar. Ignoro. Ainda não sei o que pensar dele. Não parei para pensar sobre isso.
A próxima vez que escuto sua voz é quando chama o serviço de quarto para levar tudo que sujamos ao comer. Eu comi muito. Muito mesmo. Agora estou cheio e assim mesmo me sento na cama, à procura do controle da televisão. Preciso me distrair com alguma coisa.
— Ei — Ten me chama ao fechar a porta na saída do moço do serviço de quarto. — Podemos conversar?
Não respondo, apenas olho para seu rosto sofrido. Ainda dá para ver o hematoma ao redor dos olhos. Realmente, um olho roxo.
— Preciso me desculpar por tudo. Me desculpa — senta-se na pontinha da cama. Lentamente, gira o corpo para ficar de frente para mim, que estou encostado na cabeceira da cama de casal. — Sei que nada justifica… mas eu preciso ser honesto aqui.
— O porquê de ter feito tudo isso?
— Eu não sabia. Eu não sabia do plano. Eles fizeram isso pelas minhas costas e me envolveram nisso. Sabiam que eu não iria concordar e por isso não iria fazer. Então Johnny me enganou, dizendo que tinha um cliente rico que precisava chegar na China. Quando ele falou o valor, eu fiquei animado. Para mim, era só te deixar e depois seguir o meu caminho.
Pisco algumas vezes durante a sua pausa. Ele continua após engolir em seco:
— Estranhei quando chegamos e passamos por lugares estranhos, também estranhei com Johnny e Jaehyun querendo saber o tempo todo onde estávamos. E quando chegamos naquela estrada e encontramos Johnny, eu não pude acreditar que tinham feito aquilo com você. Então… sabe, ele me explicou tudo e me deu duas alternativas: ou eu participava e lucraria com eles, ou eu seria preso como você.
— É bem óbvio que você escolheu o mais vantajoso para você.
— Não é isso, Taeyong. Se eu estivesse amarrado que nem você, estaríamos aqui? Preferi ficar solto, porque aí eu poderia fingir estar trabalhando com eles. Tive que fazê-los confiar em mim. Só não quis que batessem em você — faz outra pausa, mas dessa vez olha para baixo. — Tive que me controlar em alguns momentos… mas, em outros, não consegui — ele ergue o rosto de novo e eu passo a ver outra vez seu olho machucado. Eu desço o olhar para suas mãos e percebo que a sua direita está machucada em alguns pontos do dorso. Deve ter sido durante a briga dele.
— Ah…
— Eles estavam preparando para te colocar para dormir de novo com uma substância, porque você estava meio que causando problemas… eu peguei aquilo e coloquei num suco que dei a eles mais cedo. Assim a maioria que ficaria vigiando durante a noite estaria dormindo. Mas acho que eu dei cedo demais… — afaga o queixo, ponderando. — Eles acordaram antes da hora. Ou eu pensei que duraria mais. Enfim — solta um suspiro. — Fiz o máximo que pude para que você ficasse bem. E eu juro que se eu pudesse, eu teria te deixado no meio da rua naquele dia da viagem, que você se revoltou. Sério mesmo. Eu seria esse desgraçado só para te livrar do que aconteceu nesses últimos dias…
Não sei como, não sei o porquê, mas me lembro do meu sonho outra vez. Do Ten dizendo: “Às vezes a gente tem que machucar as pessoas para impedir que elas passem por coisa pior”. Cacete.
— Eu não busco seu perdão nem nada do tipo — Ten volta a falar. — Só queria mesmo explicar o que de fato aconteceu. Você pode me julgar o quanto quiser. Olha, se...
— Ten — interrompo sua fala não porque quero ser rude, mas por medo de perder a coragem quando ele se calar. — Você me ama mesmo?
Seu olhar muda. Alivia, fica mais leve. Até mesmo as sobrancelhas ficam menos tensionadas.
— Quê?
— Você me disse, lá na árvore, que me amava muito. Você ainda ainda me ama?
— É errado dizer que sim?
— Amor nunca é errado.
— Então, sim — ele conserta a postura, fica ereto, e isso me faz pensar em como não percebi que ele estava bem curvado. — Pode ser pouco tempo para dizer isso, mas eu não me importo com essas coisas. Nesse momento, tudo que eu quero é te ver feliz, são e salvo. Não importa se eu não estiver ao seu lado.
— Obrigado por me ajudar. E por ser sincero.
Ten aperta os lábios um no outro e balança a cabeça positivamente. Ele parece triste. Eu não sei mais o que dizer, porque é muita informação e não tenho certeza sobre como me sinto.
Ele vem quietinho engatinhar até estar ao meu lado. Então aparece com o controle da televisão na mão. Entrega-me, sendo assim ligo o aparelho. À medida que a tela acende e somos atacados pelo audiovisual de um filme, eu me distraio com a sua proximidade ao pôr a mão na sua coxa. Ele vira o rosto para mim e eu viro o meu para o dele. Nos encaramos.
— Seu olho está doendo? — pergunto.
— Um pouco. E seu corpo?
— Também.
Lembro de uma coisa e levanto minha camisa, mostrando a ele meu hematoma.
— Meu Deus, Taeyong! — por um segundo, ele estica a mão para tocar, mas depois para no meio do caminho ao perceber que vai doer. Então ele só põe a mão no outro lado da minha cintura. — Está doendo muito?
— Está tudo bem — tento acalmá-lo. — Eu odeio hematomas, porque são feios.
— Você vai ficar bem — ele mesmo cobre minha barriga com a camisa e solta um suspiro. — Me desculpa por não estar na hora quando essas coisas aconteceram.
— Tá tudo bem — eu tento sorrir fraquinho, mas meus lábios doem. A real é que não tá tudo bem assim, no fundo eu sinto certa raiva por ele ter me deixado sozinho em inúmeros momentos.
— Você precisa descansar…
Ten puxa aos travesseiros e põe nas minhas costas, de um modo super confortável. Eu apenas fico quieto, porque dizer que não quero seria mentira. Acho que sou muito acostumado com as pessoas me servindo sempre.
— Daqui a pouco a polícia chega — fala mansinho próximo do meu ouvido.
Concordo com a cabeça. Olho para a televisão e nada daquilo me apetece. Noto minha mão ainda na coxa dele e faço um carinho.
— O que vai ser de nós depois disso tudo? — me surpreendo com minha própria pergunta.
— O que você quiser, Taeyong. Te juro. O que você quiser.
O que eu quiser? É muita responsabilidade. Muito poder.
— Mas você não precisa decidir agora — ele rompe meus pensamentos. — Só precisa relaxar.
Eu não sei o que dá em mim, só sei que antes de piscar, eu seguro o rosto de Ten e lhe dou um beijo rápido. Meu coração ainda dói por tudo que passei e pensei lá no galpão. Mas eu estava errado. Sim, ele errou bastante, ele poderia ter feito de uma maneira diferente, mas ele também fez o que pôde para me ajudar. É como se eu estivesse tentando superar o clássico: nossa amizade nunca mais foi a mesma depois que você tentou me matar. É cruel, porque no final ele não estava fazendo isso. Mas não muda o fato de que pensei que sim. E isso me machucou pra caramba.
— Relaxe — ele repete, o rosto próximo ao meu ao ponto de eu sentir sua respiração quente.
Ten me beija de novo. Não é um beijo rápido e superficial. Ele tenta me beijar de língua. Eu recuo.
— Desculpa.
— Quando você disse que não queria me beijar daquela vez, quando me rejeitou… foi por aquele motivo ou não atrapalhar o plano?
— Foi por conta da sua instabilidade. Eu não sabia de plano algum de Jaehyun e Johnny. Para mim, era só te levar ao tal hotel.
Fico olhando seus lábios se moverem e aí me toco de uma coisa:
— A palestra! E a palestra?
Ten ri meio triste.
— Príncipe — vem todo carinhoso tocar no meu rosto. — Era tudo invenção. Tudo. Não existe palestra alguma. Jaehyun mentiu para você. Ele é um péssimo secretário... ou sei lá o que ele era.
Encaro Ten, chocado que até nisso mentiram. Ele está me olhando daquele jeito carinhoso que me fez derreter muito quando ficamos no hotel naquele dia. O jeitinho que diz: ei, eu sei que você gosta de falar, mas presta atenção aqui, eu quero te beijar.
— Não creio!
— E Jaehyun se envolveu com jogos, ficou com uma dívida gigantesca. Nem com a ajuda da sua família ele conseguiria resolver. A não ser que ele dividisse, mas aí teriam que aumentar o salário dele — ele fala isso descendo a mão para o meu pescoço, vindo deslizar devagar até minha nuca. Ele gosta mesmo de me acariciar aqui. — Espero que eles sejam presos logo.
— Você não tem medo de ser preso também?
— Ninguém vai dizer que eu fiz parte desde o começo, porque seria mentira. Também, caguei tanto o plano deles que nem faria sentido eu virar a casaca tão fácil assim.
— Oh, entendi… — abaixo a cabeça, pensando no assunto.
— Ei. Para de pensar sobre isso. Vai te estressar. Ninguém merece sua preocupação senão você mesmo.
— Nem você? — ergo o olhar para encontrar com o seu.
— Nem eu.
Eu acabo esticando um pouco os lábios para um pequeno sorriso débil. Ten me beija. Eu ainda gosto de quando seus lábios estão grudados aos meus. Mesmo depois de tudo aquilo.
Encosto-me mais nos travesseiros, deitando, mas não completamente. Ainda tem um ângulo obtuso entre meu corpo e o de Ten. Ele entende o que isso quer dizer e se põe a ficar sobre mim, mas sem se apoiar no meu corpo. Seus braços e joelhos estão apoiados no colchão para que isso não aconteça. E mesmo que eu esteja hesitante, ele é carinhoso o suficiente para aproveitar que o braço direito está o apoiando perto da minha cabeça para esticar a mão e fazer um cafuné no meu cabelo.
É isso mesmo. Ficamos a nos beijar e somente. Bem lento, com calma e gostosinho. Ambos estamos machucados e cansados, mas mesmo assim um pouco de amor não dói em ninguém. E pelo que pude ver, Ten realmente nunca esteve do lado deles. Ele me ajudou sempre que possível. Quero acreditar nisso. No fundo, meu coração diz que é a verdade. E se não posso confiar no meu coração, no que mais vou confiar?
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