26 - Provavelmente a última humilhação


Acordo com um tapa na cara. Abro os olhos assustado com o coração saindo pela boca, e então percebo que meu corpo está destruído. Solto um bocejo enquanto sento no banco e, olhando ao redor, vejo que estamos no mesmo lugar de antes. Ten está dormindo sentado com as pernas esticadas sobre o banco e eu percebo que estou entre as pernas dele e que provavelmente estive dormindo com a cabeça em seu colo. Deve ser por isso que acordei com um tapa.

Abro a porta do carro e deslizo para sair. Minha movimentação acorda Ten também, tanto que ele abre os olhos e depois de ficar um tempo olhando minha cara, dá uma espreguiçada. Minhas roupas estão todas amassadas e, de alguma forma, meus olhos estão doendo um pouco. Acho que dormimos muito.

— Ai… — escuto seu resmungar baixinho ao passo que desliza o corpo pelo banco para sair do carro.

É tão engraçado agora, porque o cabelo dele está amassado em algumas partes e, em outras, espetadinho. Eu não sei como viemos parar nessa posição, mas entendo como e porque o cabelo dele está uma bagunça. Inclusive o rosto dele parece até meio inchadinho, as pálpebras também. Acredito que eu esteja nas mesmas condições. Realmente, provavelmente dormimos demais.

— Nossa! — exclama ao parar de frente para mim.

— O que foi?

— Você está uma desgraça!

Eu não acredito que é por esse cara que eu estou tendo interesse… sinceramente, eu não sei qual o meu problema agora. Ontem quase beijei ele, o mesmo de anteontem. E hoje ele me chama disso. Vou parar e analisar: eu mereço isso? Não!

— Eu não vou nem falar de você — reviro os olhos e passo direto. Pego minha bolsa no carro e jogo-a sobre meus ombros. — No seu caso, só cirurgia.

— Pegou pesado, hein, Taeyong!

— Se pesado for verdadeiro… ok — dou de ombros e sorrio, porque ele não pode me ver. — Vou ao banheiro.

— Não, eu vou primeiro — sua voz falha no "primeiro" e eu rio que nem idiota.

— Se você ainda tá no início da puberdade, Ten, não deveria estar dirigindo.

— Você sabe que essa é a minha primeira vez falando depois de horas, então a voz fica meio assim… Para de me humilhar.

Eu não consigo pensar numa resposta além de uma bela risada enquanto caminho para o posto. Ten me ultrapassa após alguns segundos de caminhada, trazendo uma sacola na mão. Ele literalmente corre para dentro da loja, otário, pensando que vou correr atrás dele. Vou andando mesmo. Quando chegar, vou entrar no banheiro nem que eu tenha que arrombar.

Bom dia, o senhor pode preparar um Expresso para mim? — peço ao moço que fica na parte da lanchonete, detrás do balcão.

Ele parece meio entendiado ou com sono. Talvez os dois. Concorda com a cabeça. Quando estou prestes a sair, volto os passos para dizer:

Uh, na verdade… pode preparar um Americano também?

Tudo bem.

— Obrigado. E… uh, o senhor pode me informar onde fica o banheiro?

Ali — ele aponta para uma porta ao lado do corredor de utensílios domésticos. — Mas já tem gente.

— Ah, eu sei. Obrigado — tiro a alça da bolsa doa ombros e caminho até a direção onde ele apontou.

Solto um suspiro antes de bater à porta. Sou bem paciente.

Tem gente! — Ten grita lá de dentro em mandarim.

— Me deixa entrar! — dou outra batida na porta.

— Não…

— Vamos, Ten… Eu preciso urgentemente entrar aí!

Fica em silêncio por alguns segundos. De repente, a porta é aberta e sua figura sem camisa é tudo que encontro. Engulo em seco.

— Entra logo — puxa-me pelo braço para dentro e depois fecha e tranca a porta.

— Espera. Você não vai sair?

— Não. Eu entrei primeiro. Faça o que tiver que fazer e depois se mande.

— Eu não vou sair.

Ten revira os olhos e se vira de frente para o espelho. Como ele disse que posso fazer o que tenho que fazer, eu deixo minha bolsa encostada na parede enquanto me viro para o vaso sanitário. Só para checar, vejo o que Ten está fazendo: pegando o creme dental para escovar os dentes. Como está distraído, eu resolvo que vou fazer meu xixizinho que guardei a noite toda.

Por sorte, Ten não parece estranhar nem nada, eu até tento não fazer muito barulho, mas é no mínimo impossível. Esvazio minha bexiga com toda vergonha possível e depois fecho minha calça. Eu não estou assim totalmente envergonhado, mas é estranho fazer isso com Ten tão perto. O banheiro é pequeno, escuro e esquisito. O espelho é pequeno e a pia também. Não tem muita opção. Vou ter que tomar um banho de gato.

— Com licença — dou uma empurradinha de leve no Ten e puxo algumas folhas de papel toalha. Feito isso, dou uma umedecida nelas ao colocar debaixo da torneira e rapidamente ligar e desligar.

— Tá fazendo o quê? — ele pergunta todo embolado, por conta da escova na boca.

— Tomando banho — respondo.

Arranco minha camisa do corpo, depois esfrego o papel úmido no pescoço e peitoral. Eu suei ontem, então preciso pelo menos dar uma ajeitada no corpo. O ruim é que fica soltando e grudando na minha pele. É nojento e agora eu percebo que não deveria ter feito. Está grudando e nem adianta eu esfregar para sair.

Levanto o olhar para enfiar a mão debaixo da torneira de novo e ponho os olhos rapidamente no espelho. Percebo que Ten está olhando para meu peitoral e nem esconde. Sério. Ele nem esconde. Inclusive, até mesmo olha para o meu rosto e depois volta encarar meu corpo. Finjo que isso é normal, afinal mencionar o fato irá torná-lo mais estranho do que já é.

Ligo a torneira e enfio a mão como uma concha para pegar a água. Meio perdido, despejo no meu corpo e percebo que foi uma ação estúpida também. Acho que molhei mais a minha calça do que limpei os pedaços de papel toalha do meu corpo.

— Você piorou — comenta.

— Acho que estou ciente disso, Ten. Mas obrigado mesmo assim.

— Que bom humor! — ele ri, mas na mesma hora acaba engolindo creme dental, se engasga e começa a tossir.

— Bem pouco — resmungo, afastando-me para pegar uma roupa seca na minha bolsa enquanto ele enxagua a boca.

Bem, não há muito o que fazer senão me trocar. Aproveito o fato de Ten estar distraído com a morte dele e tiro minha calça pelas pernas também. Tropeço, mas não caio. Acho que deveria vestir uma calça bege que tenho aqui guardado, porque eu gosto dela até. Se eu encontrar meu pulôver colete de ursinho sorridente, eu uso também. É bonitinho e fofo, assim como eu quero parecer hoje.

— Ai, Taeyong… está difícil dividir o banheiro com você — Ten me segura por trás quando eu me atrapalho ao pôr os pés nas pernas da calça. — Tu ocupa muito espaço.

— A culpa não é minha — apoio-me nele e afasto os pés da calça. — Estou tentando parecer alguém decente, não um maluco que não sai de um carro há trezentos anos.

— E a viagem não era sobre isso? — ele ri baixinho, ainda me segurando, mas joga os braços ao redor da minha cintura.

É estranho dizer que seu peito está contra as minhas costas e que isso é… bom?

— É difícil lidar com você.

— Com você também — sussurra bem próximo a minha orelha.

Eu engulo em seco.

— Ugh! Qual o problema da sua barriga? — ele desliza os dedos pela minha barriga molhada e grudada de papel toalha úmido.

— Eu tentei limpar! — abaixo o olhar para ver suas mãos em mim e noto como ele tenta tirar cada bolinho de papel molhado.

— Deixa que eu faço...

Pelo espelho, aqui estamos nós: Ten por trás de mim, sem camisa, a cabeça inclinada para o lado com o intuito de enxergar minha barriga e os braços ao redor do meu corpo. Já eu estou apenas usando uma cueca branca toda folgada, porque é confortável, e eu deveria sentir vergonha por estar assim na frente e tão perto dele… mas não estou. Ele usa as unhas em alguns pedacinhos pequenos, fazendo-me contrair a barriga por arrepio.

— Provavelmente essa é a minha última humilhação — comento baixinho, erguendo meu braço esquerdo para liberar o campo de visão ruim dele.

— E… pronto — tira os últimos pedacinhos com alguns tapinhas e espalma as mãos na minha barriga sequinha, porque não ando comendo tanto. — Ficou ótimo.

— Uhum.

Um suspiro e pronto. Ficamos em silêncio. Lentamente, suas mãos se movem para cima e para baixo. Bem lentamente, quase imperceptível. Seguro o ar. Acho que ele não sabe que posso nos ver pelo espelho, mas eu posso. Ele é um pouco mais baixo que eu, porém consigo enxergar parte do seu rosto. Ten está com os olhos fechados e suas sobrancelhas estão erguidas. E, de repente, silenciosamente levanta o rosto e aproxima do meu pescoço, mas não chega a tocar. É tão quieto e imperceptível que, se eu não estivesse espiando pelo espelho, realmente nunca me daria conta.

Você sabe, eu nunca esperaria. Acho até que sinto-me desconsertado. O que fazer agora que sei? Sei que ele está sentindo meu cheiro e que seu carinho na barriga talvez não seja um ato distraído ou que talvez ele esteja pensando na vida ou sei lá o quê. Ninguém pensa na vida assim, abraçando por trás, sentindo meu cheiro de olhos fechados. Ninguém fica de olhos fechados por alguém assim. A não ser, claro... Bem, você sabe.

— Ahn… hm… tirou todos? — pergunto por perguntar, quero saber se isso é real ou fruto da minha imaginação.

Ele abre os olhos. E, como talvez esperado, se depara com nosso reflexo no espelho. Seria estranho se ele não percebesse que eu estava vendo tudo isso. Ou melhor, em poucas chances poderia acontecer. E ele está aqui, com seus olhos afiados nos meus, encarando tudo que somos. Suas mãos param, ficam estáticas à beirada do vão da virilha. Meus hormônios gritam, explodem, e não sei bem o que fazer. Quem eu devo escutar? O que devo fazer?

— Tem alguém aí? — uma batida violenta na porta me faz enrijecer os músculos repentinamente.

— Uh, sim! — Ten responde, e nem pensa duas vezes antes de arrancar as mãos de mim e se afastar. Depois, fala baixinho: — Vamos nos vestir logo.

— O-ok — procuro pela minha calça no chão.

Queria que existisse um espelho para que eu pudesse ver o que há por trás de cada coisa que ele diz...

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