23 - Um milagre de cada vez

— Que estranho — do nada, Ten comenta.

Pauso meu Subway Surfers para olhá-lo.

— O que foi?

— Não sei — olha para a tela do celular por alguns instantes, depois põe o olhar na pista movimentada. — Essa rota me parece confusa. Estamos levando mais tempo do que deveríamos.

— Isso é um problema?

— Não deveria ser? — olha-me confuso.

— Hm, não? — me estico para enxergar a tela do celular, que está apoiado no suporte preso ao painel. — Essa é a rota que Jaehyun passou?

— Uhum — balança a cabeça. — Parece que estamos enrolando demais.

— Eu te disse. Ele fez a rota baseada em algumas paradas para comermos, dormirmos e irmos a lugares interessantes. Talvez estejamos indo nesses lugares interessantes. Inclusive, vou até pesquisar aqui na internet… — pego meu celular do colo e saio do jogo, daí apenas abro o navegador e fico com preguiça de escrever.

— Você quer chegar breve ou não? Com certeza vai se atrasar e te garanto que nem vai chegar a tempo, se continuarmos assim.

— Siga essa rota. Se foi Jaehyun que deu, está tudo bem. Eu confio nele — estalo os dedos e me espreguiço com tédio. Essas músicas de Ten está me estressando. Não aguento mais escutar. — Ten.

— Hm?

— Eu não aguento mais essas músicas.

— Respeita Ramones, Taeyong! — ele diz sorrindo e não sei bem o porquê, mas isso me traz certo frescor.

— Eu respeito. Mas já deu, né? — estico as pernas sobre o porta-luvas e vejo-o me dar uma olhadela pouco amigável.

— Tira!

— A música? Com prazer, doce beldade… — inclino o tronco para o lado, com o intuito de mudar a música da rádio.

— Eu quis falar das suas pernas. Tire agora!

— Esse carro já tá caindo aos pedaços… Que diferença faz?

— Vou te largar aqui no meio da rua, está escutando? E aí quando você reclamar, eu vou falar que tu já passou da metade do caminho, que diferença vai fazer?

— Você guarda rancor, Ten — eu realmente tiro as pernas enquanto rio. — Desculpa, ok?

— Hm — nem olha para mim.

No meu momento de tédio após pôr o celular para carregar, abro um salgadinho de queijo que Ten comprou e fico satisfeito. Tem um tempinho que Jaehyun me mandou uma mensagem dizendo que, se estou agradável com a viagem e não tenho pretensão de ter pressa para chegar, pode inventar uma desculpa de alguma emergência e mudar a data. Disse que o importante é eu chegar em algum momento. Eu ri, porque é claro que vou chegar. Agora estou aqui, largado no banco e olhando quão bonito é o sol quando está se preparando para deitar e dormir.

— Está tocando só Ramones? — questiono.

— Hm? O quê? — aparentemente Ten não está prestando atenção.

— A música.

— Ah, sim — solta um suspiro e troca de marcha. Agora que parei pra analisar… Ten não está dirigindo tão rápido e tão maluco quanto antes. Até mesmo quando faz uma curva parece até suave, ao invés de me jogar para o outro lado do veículo. — Mas tá misturado com The Clash, Rancid e Killing Joke também.

— Não faço a mínima ideia — sinceramente, digo. — Mas acho que tenho uma camisa de Ramones.

— Por que ter camisa de uma banda que você nem gosta?

— É estilosa.

— Então é sobre isso? — olha-me atentamente, uma vez que nessa estrada tem poucos carros e todos estão bem distante de nós. — Você usar não porque se identifica, mas porque quer dizer às pessoas quão legal você é?

— Ei, não seja tão duro! Todo mundo faz isso. Um bocado de gente tem camisa do Nirvana, mas quem é que fica escutando Nirvana o tempo todo?

— Não estou sendo duro com você, só acho que é sem noção.

Reviro os olhos. Ten desvia o olhar.

— Pergunta: você só escuta isso, é?

— Por que quer saber?

— Porque quero colocar algo que nós dois podemos gostar. Eu sou o cliente e cliente sempre tem razão.

— Onde você leu isso? — sorri para mim, com o rosto iluminado pelo alaranjado do sol.

Seus olhos castanhos parecem mais claros, o sol está banhando seu rosto graciosamente. E eu mordo os lábios meio sem saber o que fazer, pouco direito, perdido. Engulo em seco e até balanço um pouco a cabeça. Sinto-me tímido perto dele. Mas, ao mesmo tempo, sinto-me livre para ser eu mesmo, para falar coisas idiotas que possa fazê-lo rir. E de repente percebe que estive apertando os dedos das mãos no banco de couro surrado

— Na internet.

— Na internet tem um monte de besteiras.

— Mas o que eu falei foi verdade.

— Em momento algum eu falei que estava errado — vira o rosto para o retrovisor externo

— Você realiza um serviço ruim e ainda maltrata os clientes — cruzo os braços e olho para frente, o horizonte limpo e fluído. — Muito arrogante.

Essa sensação inexplicável de vento batendo no rosto, o frescor da primavera emaranhado em meu corpo… sinto-me extasiado.

— Oh, tem certeza?

— Uhum.

— Vou escolher uma que com certeza você conhece de uma artista que, aposto, você adora.

— Você não me conhece — encaro seu rosto que, embora não esteja virado para mim, se contrai numa risada.

— Te achei no Instagram, sei até qual a sua cafeteria favorita — ele pega o celular sobre o painel e o ergue para ficar em seu campo de visão.

Solto uma gargalhada falsa.

— Pensa que me engana.

— Você vive bebendo capuccino e expresso.

— Mentiroso! — me desencosto do banco e avanço na direção dele, mas quando checo o que está checando na internet, vejo-o navegando num app de streaming musical.

— Por que se exaltou, se é mentira?

— Porque é! — recosto-me no banco outra vez e fecho a cara.

Ten, soltando um risinho, clica uma última vez no celular antes de colocá-lo sobre o suporte.

Apenas permaneço em silêncio, olhando a pista. Repentinamente, uma melodia conhecida por mim sai pela caixa de som e, surpreso, encaro Ten. Ele ri da minha cara e aumenta mais o volume.

— Oh, sério? — praticamente grito. Não vou tirar minha razão. — Send my love to your next love da Adele? Eu venci?

— Haha — ele finge uma risada.

— Isso é um milagre? Finalmente o povo está vencendo!

— Taeyong, quantas vezes eu preciso dizer que você não é do povo?

— Calado! — ergo minha mão aberta para prestar atenção na música e poder acompanhar.

— Escuta aqui… — ele resmunga, mas não adianta.

No segundo seguinte eu já canto o “hmmm that was what you told me” e Ten cai na risada. Eu continuo cantando, não vou me deixar abalar por conta da falta de apoio moral vindo dele. A questão é que está tão morno, o sol é tão lindo, a vista é tão extensa que eu nem me importo com isso, acredita? Parece que estamos na ponta do mundo, caminhando para as nuvens pastéis, uma estrada que parece não ter fim e os pastos rasos aos nossos lados. Se isso não é estar vivo, eu já nem sei o que é. E, por isso, entra o refrão e canto com tudo, não me importo.

E o que me pega de jeito, deixa-me pasmo, é Ten juntar-se a mim também. Acompanha a melodia comigo, com sua voz acariciando a minha e performando como se fossem uma só. Eu nunca achei que pudéssemos ter essa sintonia, mas temos. Tudo se encaixa agora. Tudo. O vento no rosto, o horizonte laranja com nuvens rosinhas bebê, Adele cantando sobre o novo amor do seu ex amor… Isso é perfeito.

E eu não tiro os olhos de Ten. Contemplo seu rosto juvenil estampar um sorriso e eu sinceramente quero dizer que, por favor, pare de sorrir tanto assim. Sei lá, acho que o mundo não merece toda essa beleza. Ele põe o braço para fora da janela e captura o vento com a palma das mãos. Eu sorrio, sabe, queria beijá-lo. Acho que minha vergonha por ontem não foi a tentativa, foi o fracasso. Talvez eu esteja só um pouco encantado por toda a coisa que ele é. Mesmo com os poréns.

— Fofo — quando tira a mão da janela e substitui a outra no volante, é tão lépido ao chegar perto de mim para apertar minha bochecha que eu congelo no mesmo instante.

Ten bagunça meu cabelo em seguida e depois se afasta, põe a mão no volante e se vira pra frente cantarolando “send my love to your new lover, treat her better”. Meu rosto ganha rubor e me abaixo todo envergonhado no banco. Pareço murchinho, mas não é como se não houvesse motivos. Eu praticamente fui metralhado de carinho agora há pouco. Se eu estivesse em casa, provavelmente gritaria com o rosto no travesseiro enquanto com certeza estaria batendo as pernas incontrolavelmente. Mas agora… eu só olho para o horizonte com um pequeno sorriso nos lábios. Isso até Ten me dar um tapinha no braço e pedir para eu voltar a cantar com ele.

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