18 - Os faróis que despertam verdades

Estou de barriga cheia, mesmo assim não deixo de comer o pudim que embalei para viagem. Como já está de noite e aparentemente o Ten nunca se cansa de dirigir, eu aproveito o milagroso silêncio para comer o resto da sobremesa. Até ofereço ao Ten, porém ele balança a cabeça na negativa. Não tem falado muito, eu percebi. Às vezes eu gostaria de saber o que se passa na cabeça dele.

Ele está com pressa de chegar a Pequim, mas já falei para ele relaxar. Honestamente, nem me preocupo mais com essa palestra. Se eu disser que houveram contratempos, posso adiar para o dia seguinte ou depois. Eu só não quero morrer sem sair desse carro. Num melhor momento eu vou falar com Ten sobre pararmos mais. Precisamos dormir num lugar decente também, comer boas refeições, ou então parar para esticar as pernas. Agora mesmo, estou exausto. Gostaria de parar um pouco e respirar.

Acho que vou falar. Sei lá. O tempo está meio fechado, parece querer chover.

— Ten — chamo. — Podemos parar um pouco?

— É melhor adiantarmos.

— Eu quero parar — falo calmamente, para que ele entenda.

Solta um suspiro e procura um lugar para dar uma estacionada. Espero apenas dois minutos até estarmos parados. E então, na escuridão do carro, eu abro a porta e saio do veículo. O ventinho fresco e úmido bate no meu rosto. Bato a porta e me encosto nela, olhando ao redor do supermercado cheio de luzes, onde estamos. Eu acho que estava precisando um pouco disso: silêncio, paz, calmaria. Por mais que eu diga que minha busca por inspiração é uma máscara, eu quero pintar essa máscara no meu rosto para que eu seja ela. Quero substituir o que está detrás da máscara. Não preciso ficar sofrendo por coisas pequenas.

— Tá bem? — escuto a voz de Ten ao meu lado. Nem vi a hora em que se aproximou.

— Uh, acho que sim — estalo os dedos das mãos e ergo o olhar para um poste que está piscando no estacionamento do estacionamento.

Silêncio.

As únicas coisas que escutamos, por um punhado de tempo, são os carros que passam e conversas de clientes aqui perto. E às vezes minha camisa é recheada pelo vento que beija bem frio, porém amante. Acho que posso escrever alguns versos sobre isso mais tarde. Ou eu possa desenhar. Queria estar em casa agora. Queria beber um cházinho quente que Jaehyun me faria, porque quando estou pensativo, ele sempre se dispõe a estar ao meu lado. Ele não está aqui. Não tenho chá para beber, nem filmes ruins para assistir. Só tenho o silêncio.

— Você quer mesmo que eu fale? — do nada, Ten me chama atenção.

Eu me viro para encará-lo.

— Sobre…?

— Sobre mim. Sobre… — ele estende a palavra, descruza os braços e levanta os dedos para simbolizar aspas: — “O que estou sofrendo” ou algo do tipo.

— Só se você quiser. Se não quiser, está tudo bem.

— Acho justo. Você ficou nu na minha frente. — abre um sorrisinho e eu também.

— Verdade, esqueci disso. Sinto-me envergonhado. Não me cubri quando fiz isso — brinco com a ambiguidade e Ten solta um risinho anasalado.

Lentamente, aproxima-se de mim. Põe o braço esquerdo no teto do veículo, apóia a cabeça nele e fica olhando para o céu estrelado.

— Meu pai largou a vida de taxista há um tempo atrás — ele começa.

— Hm.

— Mas ele se envolveu em algumas coisas erradas, sabe? E… bem, ele fez merda e acabou sendo preso.

Quando olho nos olhos de Ten, eles estão meio opacos. Sua expressão está preocupada. Não pesada, uma leve, porém cansada. Eu olho para ele e nem parece que ele é jovem assim. Ele parece alguém experiente já cansada de tudo e todos, que só quer descansar e nunca mais levantar. Eu quero desvendar.

— Ele fez algo muito pesado?

— Depende do seu senso — solta um suspiro e pisca os olhos algumas vezes. E então, tira o braço do carro e se afasta para caminhar por perto. — De maneira geral, ele foi idiota o suficiente para aplicar alguns golpes a aposentados ou algo do tipo. É engraçado até. De taxista a golpista… — ele solta um risinho triste e para na minha frente.

— Ele ainda está… — deixo a frase no ar, hesitante.

— Preso? — Ten conclui por mim. Balanço a cabeça. — Sim. Estou tentando juntar dinheiro o suficiente para tirá-lo de lá.

— Entendi — lambo o lábio inferior para umedecer. Percebo que ultimamente não tenho usado meu hidratante labial. — Isso é horrível.

— Bem, cansei de me chatear com isso — encolhe os ombros.

— E sua mãe?

— Ela espera que eu faça algo.

— E você está pensando em fazer algo porque quer fazer ou porque ela espera que você faça?

Não há resposta. Ele funga. Eu espero. Não há resposta. Tira a franja do rosto e solta um suspiro. E então, dá de ombros e levemente inclina a cabeça:

— Eu não sei.

Eu não sei o que fazer. Nunca fui assim. Nunca conversei sobre algo delicado com alguém que conheço há menos de um ano. Nunca fui de me abrir assim com as pessoas, do mesmo jeito que elas não se abrem tanto para mim. Mas senti isso nele, essa necessidade de mostrar algo meu, de ver algo dele. E não sei o que fazer. Estou acostumado a conversas superficiais.

— Vem cá — avanço sem hesitar e até me surpreendo com isso.

Não penso muito antes de puxá-lo para um abraço. Não estou só compensando o que ele fez comigo ontem, estou sendo honesto aqui. Quero que ele sinta que está tudo bem, ou pelo menos que estou aqui para apoiá-lo ou ajudá-lo de alguma forma. Mas isso é tão estranho… tão estranho… eu sinto que, se ele realmente está sofrendo por isso, gostaria que passasse parte dessa dor para mim só para ele não ficar sozinho nessa. Não sinto que ele mereça essas coisas. Está confuso. Não está vivendo a própria vida.

— Obrigado — Ten prontamente circunda minha cintura com seus braços.

Eu não sei como seu cabelo está cheiroso quando ficamos o dia todo no carro. Eu não sei como estamos nos abraçando como se fôssemos acostumados a isso. Mas estamos aqui. Sua bochecha em meu peito talvez sinta que meu coração está meio eufórico agora. Deve ser porque é algo novo para mim.

— Se eu puder ajudar em algo, sabe… — vou falando.

— Não, está tudo bem. Eu posso me virar. Eu sou bom nisso — afasta o rosto só para me olhar agradecido.

— Tenho certeza de que irá.

— Obrigado por isso, Taeyong. Você não é uma patty esnobe, sem graça e sem personalidade que eu achava que fosse.

— Você realmente achava isso? — inclino o rosto para olhá-lo nos olhos.

Caramba, estamos muito, mas muito próximos. Nós sequer desmanchamos o abraço.

— Sim — ele concorda com a cabeça.

— Devo me sentir ofendido?

— Não — abana a cabeça. — Você não é isso, não tem porque se sentir ofendido.

— Bem, obrigado — aperto mais meus braços ao redor dos seus ombros. — Você não fede, como eu pensei que fedia.

Ten fica sério me olhando. Na verdade, ele parece que quer me bater. Pensando bem, é justamente isso…

— Eu te odeio.

— Também te odeio, Ten — faço um carinho tímido e hesitante no topo da sua cabeça e vejo-o esboçar um sorriso.

Somos atacados pelas luzes dos faróis dos carros que estão saindo do estacionamento. Mas não nos movemos nem um pouco. Eu necessito urgentemente salvar o contato de Ten no meu celular. Eu preciso. Sinto que agora ele é uma das pessoas que mais valem a pena gastar tempo conversando. Eu adoraria tê-lo no ateliê, batendo papo enquanto ouso um baixo-relevo. Acho que ele seria minha inspiração.

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