12 - Em busca da sopinha da vovó
— Estou com fome — eu anuncio após o pedágio e dar uns trezentos goles na garrafa de água quente que achei aqui. — Estamos próximos de algum restaurante?
— Não muito.
— Tem alguma comida por aqui? — olho para o banco traseiro, mas só encontro os apetrechos de dormir do Ten.
— Seu estômago fresco não aguenta as coisas que como — é o que me responde.
Pronto. A raiva voltou!
— Você disse o quê?
— Ora, você não aguenta nem um iogurte barato… — Ten ri eu fico pensando aqui se tem chance de batermos o carro caso eu desça um tapa na cara dele.
— Você sabe que estava fora da validade.
— Uhum, claro — ele vira o rosto para mim e me dá uma piscadela estilo “vamos mentir”.
Tinha tudo para eu revirar os olhos e ignorar, mas isso saiu de uma maneira meio atraente (ok, não estou no meu estado normal) da parte dele, então o máximo que consigo fazer é me espremer contra o banco e esfregar a unha no cinto de segurança. Ele está me deixando tímido. De repente começou a tentar ser charmoso ou só percebi que ele é incrivelmente bonito agora?
— Desistiu sem nem mesmo discutir, Taeyong? — ele me provoca só porque estou quietinho.
— Você é um desgraçado, Ten. Um maldito.
— Obrigado, senhor. Fico feliz que esteja satisfeito com o meu serviço.
Eu olho-o com raiva e ele ri da minha expressão. Mas tudo se dissipa quando ele precisa se concentrar na pista, porque tem um caminhão engraçadinho querendo ultrapassar a gente. A real é que me peguei aqui querendo ter uma conversa de verdade com Ten. Saber sobre ele, entende? Não sei se é uma boa ideia. Vou ficar quieto.
E assim fico. Escutamos uns programas de rádio que eu nem entendo, mas aproveito o tempo para ler meu livro. Vejo que Ten me olha de vez em quando, como quem querendo saber qual livro estou lendo, porém não fala nada. Não é possível que ele não se interesse em me perguntar exatamente nada! Ele bem que poderia fazer algumas perguntas despretensiosas sobre mim. O máximo que ele tentou saber foi minha idade, mas errou.
No meio do percurso, peço que pare em algum lugar para que eu use o banheiro. Sabe o que ele faz? Tira uma garrafa de refrigerante 2L do porta-luvas que está cheia pela metade e disse que eu poderia fazer xixi ali. E, só para deixar claro, tem 1L de urina dentro daquela garrafa. Eu não sei o que há de errado com ele. Eu não sei o que há de errado com ele.
Pra fugir disso, digo que é o número dois e que é urgente. Ele resmunga um pouco, porém em alguns minutos nos aproximamos de uma civilização humana — porque até agora só tivemos contato com mosquitos. Inclusive, ainda não consigo esquecer a mão dele na minha coxa.
— Entra na lojinha e compra umas barras de cereais para mim, por favor? — peço, assim que ele para num posto de gasolina todo acabado.
Estou me remexendo todo com vontade de fazer xixi. Maldita hora que bebi água feito um condenado!
— Virei seu mordomo, dondoca? — ele brinca quando estou saindo do carro.
— Sim? — viro-me rapidamente com um sorriso nos lábios. O vento está bagunçando meus fios loiros do cabelo, então afasto algumas mechas dos olhos. — Não demore, ok?
— Nem você com o seu cocô! — ele grita da janela e, quando percebo, todo mundo ao redor está olhando para nós dois.
Adianto os passos para dentro da lojinha com vergonha e pergunto pelo banheiro. Felizmente, me deixam entrar e eu faço meu xixi. Encontro Ten pagando pelas barrinhas na saída, inclusive ele comprou um bocado de porcaria também. Chego bem pertinho dele e vejo-o escrever o total valor da compra num caderninho de bolso. Está fazendo uma lista de valores em baht.
— O que é isso? — quero saber.
Puxo o saquinho com as compras enquanto observo-o fechar o caderno.
— No final da viagem, vou somar tudo isso e te cobrar como extra. Estou contabilizando todos os meus gastos com você, Taeyong — vira-se para mim com um sorrisinho meio provocativo nos lábios.
— Tem quanto até agora?
— No final você vai ter uma surpresinha — dá uma batidinha com o caderno no meu ombro e depois sai andando.
Eu sigo-o até o carro. Depois entro. Ten faz o mesmo. Aqui dentro, ele liga o motor e já nos afastamos do posto. Como três barrinhas por um tempo que não consigo muito bem medir. E então, do nada, quando estamos passando por uma ponte, me surge uma ideia na cabeça.
— Uh, Ten, você tem carregador para celular?
— Acha que eu carrego meu celular com o dedo?
— Você é muito arrogante — faço uma careta. — Tem ou não?
— Claro que tenho! — solta uma pequena gargalhada.
— Pode me emprestar?
— Está no porta-luvas.
Abro o porta-luvas e rapidamente encontro o carregador. No entanto, o carregador dele é de algum celular Android, não vai funcionar para mim. Bem, pelo menos valeu a tentativa. Guardo de volta e fecho o compartimento.
— O que foi?
— Seu carregador não é de iPhone.
— Sério que você tem iPhone?
— Qual o problema?
— Nada. Esqueci que preciso ser gentil — ele faz um movimento com os ombros como se quisesse se ajeitar na roupa, mas não sei o que significa. — Tenho que parar de rir dos usuários de iPhone.
— Ridículo — resmungo baixinho.
Recebo um olhar pouco carinhoso vindo dele, porém não ligo. Pego meu livro de novo e volto a ler. Eu até acho que tenho outro livro na bolsa, só que acredito ser ficção. Se tem uma coisa que sempre deixo na bolsa é livro, para o caso de eu ficar entediado. E eu estou completamente entediado agora. Quer dizer, não exatamente agora, porque estou lendo. Mas é que Ten não conversa comigo de modo algum. Se não vamos brigar ou implicar um com o outro, não temos mais nada para falar. Isso me deixa chateado. Eu gosto de conversar. E ele só fica aí quieto, dirigindo todo focado, fingindo que não existo.
★★★
No meio do tarde, meu estômago praticamente está engolindo os outros órgãos. Já passamos por inúmeros comércios, mas Ten passou muito rápido por eles. E ele é tão louco dirigindo que umas duas vezes fez pequenos drifts. Meu ar quase saiu, sabe? Tenho medo dessas coisas. Ele desvia muito rápido dos carros, ele é eficiente, mas não é possível que alguém consegue ultrapassar e desviar tão rápido assim. E se ele errar alguns centímetros, acaba com nós dois. Tudo bem, talvez nem tanto, afinal só vai arranhar o carro. Mas mesmo assim. Isso é algo.
— Posso falar algo contigo? — me pergunta do nada.
Pronto. É agora. Agora que vamos conversar de verdade. Vamos conversar como dois adultos que estão no mesmo carro há sei lá quanto tempo.
— Diga — fecho o livro.
— Esse caminho que seu amigo mandou para eu seguir é na direção da casa da minha avó. Podemos passar lá para tomar um pouco de sopa?
Ah. Era isso. Tomar sopa na casa da avó… era só isso.
— Ah, claro… — minha voz falha levemente e já quero me dar um soco por isso.
— Acho que podemos chegar lá até o final da tarde. Se sim, tudo bem por você passar a noite lá? É de graça.
— Hm.. bem… não sei...
— Ela não vai ligar. É mais confortável que um hotel, vou te dizer. E ela faz uma comida bem gostosa.
— Hm, tudo bem, então. Mas fique comigo o tempo todo. Eu sou tímido.
Ten muda de marcha antes olhar para mim com uma cara de deboche.
— Tímido? — ele ri. — Desde quando?
— Desde sempre! Você que não me conhece.
— Conheço, sim. Tracei sua personalidade toda só nesse tempo. Já sei como te irritar, como pedir desculpas que te comove, seu estilo de roupa, sua dieta, seu estilo musical…
— Então me diga — cruzo os braços.
Ten ativa a seta para a esquerda e olha o retrovisor.
— Te irritar é só eu ser eu mesmo. Pedir desculpas é só ficar quietinho, sério, e falar com você carinhosamente. Você só veste roupas sem graça em cores neutras, coisa de velho. Você só come coisas de marca cara, ou então um fiapinho de comida no prato com nome europeu. E seu estilo musical ainda não desvendei, mas deve ser essas coisas de gente chorando, umas flautas ou violão no fundo e letra sem sentido que vivem chamando de “poética”.
Eu me espremo contra o banco e puxo o cinto por puro vício.
— Errou tudo — falo baixinho.
— Ah, então um dia desses eu descubro — simplesmente fala.
Encosto a cabeça na janela e decido largar a conversa no ar. Não que ele tenha acertado tudo, mas foi por um bom caminho. Um surpreendente bom caminho.
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