07 - Boas vindas a uma intoxicação alimentar
Acordo com uma pancada na cabeça. E então, quando abro os olhos, percebo que bati a têmpora na base da janela do carro. Minha testa está suada, mas também não tem como esperar outra coisa quando estou literalmente de frente para o sol. Não sei que horas são, mas minha boca está com um gosto esquisito. E, analisando bem, eu nem sei onde estou. É um posto de gasolina, mas estamos do outro lado da pista. Não tem ninguém nos arredores, apenas mato, estrada e algumas lojinhas pequenas e de procedência duvidosa. Parece cenário de filme de terror, se estivesse à noite. Mas está de dia. Provavelmente entre oito às onze da manhã. O sol está forte, porém o cheirinho de manhã é perceptível. Até a paleta de cores do céu está interessante: um azul bem calmo, porém meio ameaçador. E o sol forte espanca minha retina.
— Acordou?! — na mesma hora que respiro fundo, vejo Ten vindo do posto de gasolina. Ele está segurando duas sacolas plásticas.
Não está usando a mesma camisa preta de ontem. Na verdade, ele está usando uma calça baggy preta, toda larga, meio desbotada. Acima do cinto ajustável com buracos duplos, está uma regata branca um tanto curiosa. Ela tem um recorte horizontal meio profundo, tanto que seus braços estão todos expostos e um pouco do seu peitoral também. E seu tênis é com certeza uma imitação Shopee de um All Star, porém fica bem nele. Na verdade, eu nem deveria estar prestando atenção nessas coisa. Eu deveria dizer algo.
Mas eu não digo nada, ainda estou piscando e tentando assimilar todas as informações. Ele veio da loja de conveniência do posto. O letreiro está caído, então nem sei qual o nome dessa coisa. Atrás tem uma bela porção de área verde. Não sei se é uma mata ou algo do tipo. Estou me questionando sobre isso. Durante esse período, Ten chega perto o suficiente para dar duas batidinhas na janela e me chamar atenção. Meio assustado, eu abro e espero-o dizer o que tem que dizer.
— Aqui está o café — ele literalmente joga sobre o meu colo as sacolas e depois sai caminhando, dando a volta no carro.
— Isso? — ajeito as sacolas no meu colo e abro uma para ver. — Achocolatado, iogurte de morango e cereal de milho? O que acha que eu sou? Uma galinha?
— Agora quem não está sendo gentil é você — ele reclama, daí abre a porta e senta-se de uma maneira pouco delicada. — Poderia agradecer, não?
— Eu não te pedi nada — viro-me para olhá-lo.
— Eu quis ser gentil, sabe? Não era sobre isso?
Eu estreito os olhos e olho-o com raiva.
— Cada segundo que passo ao seu lado, eu gosto menos de você.
Ele sorri daquele mesmo jeito de ontem. Aquele mesmo jeito.
— O objetivo da viagem não é você gostar de mim, mas sim te levar naquele complô de gente rica — ele dá de ombros. — E vê se come. Esse mau humor deve ser falta de comida.
— Eu não vou comer isso — rapidamente desço os olhos para a sacola, mas depois encaro Ten. — Vamos a algum lugar decente, por favor.
— Defina “decente” — ele puxa a porta e bate com violência.
— A palavra por si só já define.
— Não é o suficiente para mim — ele puxa o cinto. — Só come. Juro que depois a gente come alguma coisa legal, ok?
— Vou cobrar — puxo o achocolatado da sacola e dou uma chacoalhada na caixa.
Ele solta um pigarro, depois liga o motor. Rapidamente, estamos na estrada de novo. Eu não quero reclamar da velocidade, até porque no celular de Ten há uma estimativa de quanto tempo vamos levar para chegar. Se formos devagar, vai demorar mesmo. Bem, ainda temos mais ou menos sete dias para chegar. É bastante coisa, mas mesmo assim não podemos demorar muito. Entendo ele, de certa forma.
Só que, droga, não consigo entender por que é que ele ligou o rádio do carro para pôr uma droga de música barulhenta. Mal consigo enfiar o canudo na caixinha, de tanta raiva que me dá essa guitarra infernal no meu juízo. Um inferno, realmente. Eu deveria estar feliz, afinal estamos cercados de árvores, a estrada é longa e o vento me abraça forte. Só que não consigo ficar com a mente limpa quando um homem está gritando num microfone e o baterista parece estar quebrando a bateria com pancadas.
— Tem como tirar isso? — peço, gritando para que ele pelo menos se toque de que está alto demais.
— Não. Me ajuda na concentração.
— É só dirigir. Não exige uma concentração extraordinária. Na verdade, isso pode até tirar sua concentração da direção.
— Se eu estou dizendo que me ajuda, é porque me ajuda.
Eu me inclino para desligar o rápido, porém Ten é mais rápido que eu. Ele dá uma tapinha na minha mão que eu diria ser engraçado, se não fosse completamente irritante da sua parte. Ele não tem o mínimo de respeito? Eu estou pagando!
— Você não liga para o meu bem estar?
— Sinceramente? — ele me olha rapidamente com um sorriso de canto. — Eu não ligo muito, só faço o básico para você não surtar e querer fugir de novo.
— Para o carro, eu vou descer!
— Viu só? — ele gira os ombros e muda a música. Não faz nenhuma diferença, porque as músicas se parecem tanto. — Calma. Respira fundo, ok? Ainda comprei uma marca cara para que você, príncipe, não reclamar. Tome seu café!
Solto um suspiro e enfio o canudo na boca com uma cara de raiva. Sim, quero deixar claro que estou insatisfeito e que se isso fosse uma corrida feita por aplicativo, uma estrela seria muito. Eu não sei em que lugar Jaehyun arranjou esse salafrário, deve ter sido no quinto dos infernos. Que cara insuportável! Ele não tem nem um pingo de respeito por mim. Nem mesmo diminui a velocidade para que eu coma com mais conforto.
E aqui estou eu, no meio do nada, comendo lanchinho barato num carro caindo aos pedaços numa velocidade super questionável. E o pior de tudo é que, quando começo a tomar o iogurte e comer o cereal, observo Ten e vejo-o dando batidinhas no volante e até mesmo balançando a cabeça no ritmo da música. Eu não entendo, porque é basicamente uma guitarra gritando e um cara berrando alguma coisa que não faço a mínima ideia do que seja.
★★★
Tempos depois do meu "café", realmente me sinto mal. Eu achava que não era nada, mas agora estou começando a achar que a parada é séria. Só é preciso que eu bata no painel repetidas vezes para chamar a atenção de Ten.
— Ei, não bata nisso não! Se você quebrar propriedade privada, você vai me pagar… — ele reclama.
— Para a droga do carro! — encaro-o sério.
Ten muda a expressão abruptamente e começa a frear. No mesmo instante em que para, eu abro a porta e projeto meu corpo para fora. Não demora muito para que eu vomite no meio fio. Não tem ninguém para dizer que isso é errado e, honestamente, se alguém dissesse algo, eu iria realmente ficar chateado. Me senti nauseado e uma vontade indescritível de vomitar surgiu. E agora estou aqui, de joelhos no asfalto e vomitando a porcaria do café que ele me arranjou num posto de gasolina no meio do nada. De alguma forma, percebo agora que isso estava fadado a dar errado.
— Você tá bem? — noto a presença de Ten ao meu lado.
Sento nos meus calcanhares e dou um suspiro, tentando ao máximo evitar me sentir mal. Eu não sei, às vezes concentrar na minha própria respiração me faz acreditar que eu não vou surtar ou passar mal.
— Aqui. Com licença… — vislumbro o momento em que ele se agacha ao meu lado e ergue uma garrafa d'água próxima aos meus lábios.
Automaticamente eu abro a boca e deixo que ele derrame a água. Antes disso, sinto sua mão na minha nuca, me segurando para que não me mova demais. Ele diz que é para eu cuspir, mas antes disso eu faço um enxágue na boca. Cuspo no meio fio e assim que termino, sinto um guardanapo nos meus lábios. Não sei quando foi que ele arranjou isso, mas acredito que tenha sido enquanto estive vomitando. Eu viro para olhar se é realmente o mesmo Ten de antes ou se ele foi substituído por um ET. Mas é ele aqui. E pela sua expressão, parece preocupado. Está me encarando.
Eu apenas seguro o guardanapo e recuo para poder me equilibrar melhor. Ten deve entender que não quero sua ajuda, porque simplesmente solta um suspiro e se afasta de mim, tirando a mão da minha nuca, levantando-se e indo para o carro. Levanto-me também, mas levo mais tempo. Volto para o carro e enfim noto que o volume do som está mais baixo. Quando sento no banco, ele fala:
— E aí? Está bem?
— Acho que estou melhorando.
— Tá, vamos dar um tempo — ele fecha a porta do carro e eu faço o mesmo.
De repente, um pensamento surge e eu pego a sacola do café da manhã. Reviro as embalagens vazias que eu estou guardando para jogar no lixo e fico checando a data de validade. Não dá outra: esse iogurte já saiu de validade tem dois meses. E eu nem notei, porque o gosto era ruim, mas achei que era por conta da marca. Viro-me para Ten no mesmo instante.
— O que é isso? Está querendo me dar boas vindas a uma intoxicação alimentar? — entrego o copinho vazio, porém virado para que ele veja a data de validade. — Como não checou a validade?
— Como eu iria saber? — revira os olhos após checar.
— Justamente. Não tem como você saber, por isso sempre tem que verificar — guardo o pote dentro do saco do lixinho. Amarro bem forte. — Estou rezando para que não aconteça nada de mais. Caso contrário eu vou te processar, eu juro!
— Calma aí! Eu só encontrei ele baratinho e comprei pra você. Sabe, foi um bom gesto.
— Bom gesto… — resmungo com ironia.
Ten fica calado e se vira para frente. Eu também não falo mais nada. Baixinho no rádio ainda toca essas músicas bagunçadas e de batida violenta. Eu me encosto no banco, apoio a cabeça no carro e solto um suspiro longo. Ainda me sinto mal. Minha barriga quer tomar vida própria. Eu vou matar Ten e dirigir até Pequim. Estou pensando seriamente nisso.
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