06 - Presos em "A princesa e a ervilha"
— Podemos ir? — Ten só volta quando estou pagando pela refeição.
— Ah, claro — respondo, pegando meu cartão de crédito da mão do garçom.
Eu já estou cansado. E cansado saio do restaurante, caminhando ao lado dele. O carro não está no mesmo lugar de antes, mas sim um pouco mais afastado, sinônimo de que ele foi a algum lugar com ele. Não quero perguntar, não me diz respeito e, sendo honesto, eu também não ligo muito. Apenas prefiro caminhar em silêncio. Já está ficando bem escuro. Mesmo assim, desço os olhos para Ten, que caminha um pouco a frente de mim. Ele está vestindo uma camisa preta sem manga e por baixo uma camisa de mangas curtas e isso nem faz sentido. Se fosse um colete, menos mal. Mas é literalmente uma regata por cima de uma camisa com mangas.
Mas muito embora estejamos num lugar meio escuro, consigo ver o vulto de alguma tatuagem no seu braço. Ele se vira no momento que foco nela para tentar ver do que se trata. No segundo seguinte, ele para e eu me choco com seu corpo.
— Desculpa — me afasto rapidamente dele.
— Realmente temos que parar em algum hotel para você dormir? — ele abre a porta do carro e eu só percebo agora que ele tinha parado de andar porque chegamos.
— Sim — respondo.
— Não vamos.
— Eu acabei de falar que sim.
— Mas vamos perder muito tempo. Me contrataram para te levar rápido. Tenho um prazo e se eu passar dele, com certeza vou receber menos. Então quanto antes chegarmos, acredito que será melhor para nós dois — ele se senta no banco do motorista.
Fico do lado de fora do carro.
— Mas o dinheiro vem de mim, então eu posso simplesmente cancelar, se eu quiser.
— Tudo bem.
— Ótimo. Prazer em te conhecer, então.
Abro a porta dos bancos traseiros e puxo minha bolsa. Dou uma leve acenada ao retrovisor, porque sei que ele está me vendo, daí saio andando pela rua. Eu já disse, não quero me estressar. Quanto mais eu economizar raiva, melhor. Não posso ficar surtando com qualquer maluco que me aparecer… Não quero ficar maluco. Além do mais, vai ser melhor para nós dois, né?
Pego meu celular e procuro um hotel qualquer por aqui perto. Não tem nenhum que dê para ir andando sem me cansar. Mas tem um motel em duas quadras, talvez não seja tão caro passar a noite por lá. Vou passar num mercado, comprar alguma coisa, procurar o motel e fim de jogo. Amanhã de manhã arranjo um táxi que aceite me levar até Pequim ou, quem sabe, próximo disso. Só queria ter uma experiência decente, mas não sabia que iria ter tudo arruinado por uma criaturinha de cabelo colorido e carro que cai aos pedaços.
Aqui estou eu andando. Não sei quanto tempo levo caminhando, mas acho que é o suficiente para começar a ponderar sobre algumas coisas da vida. Não ando lamentando nada, porém sinto muita vontade de viver uma viagem interessante.
Além do mais, acho que estou muito exausto mentalmente para lidar com as coisas. Assim, prefiro ir andando devagarinho ao motel. Se no meio do caminho eu puder comprar comida, que bom. Tenho estado cansado de tudo e todos. Se eu tenho algo importante para fazer, simplesmente quero terminá-lo logo. Sabe, eu nem deveria ser assim. Quero degustar cada momento que eu tiver. De alguma forma, quero degustar a caminhada de agora. O vento está friozinho, mas está bom, refrescante. Suspiro.
Caminhando pacientemente até uma faixa de pedestre, eu vou pensando aqui em como estou me sentindo chateado ultimamente. Obviamente, minha vida está mudando e nem tem muito tempo que rompi meu último relacionamento. Quer dizer, um ano e dez meses não é muito tempo, né? Eu acho que não. Mas nem durou tanto. Digo, eu e ela. Não duramos. Só ficamos juntos por um ano e dois meses. É engraçado eu lembrar disso, porque eu sequer lembrava o dia do nosso aniversário. Ela não ficou chateada quando chegou dizendo que era nosso aniversário e eu não reagi de uma maneira muito calorosa (na verdade, eu estava me questionando se era mesmo real o fato de termos chegado a um ano de namoro). Dois meses depois, despedaçamos. Eu não me culpo por nada. Mesmo assim, de todo modo, acho que eu deveria estar melhor quanto a isso. Eu estava. Agora me sinto confuso. Nem sei por que estou pensando nessas coisas...
Ah, ótimo, já posso atravessar. Olho para os lados e ponho os pés para frente, me juntando ao pessoal. Balanço a cabeça para afastar esses pensamentos de mim e foco no aqui e agora. Às vezes eu penso: por que não ponho todas as minhas frustrações e decepções em alguma obra? Mas é medo. Eu teria que remexer todas essas lembranças e, honestamente, é bom como está agora. Quero isso, não. Quero sossego, ver o balanço das árvores, a vibração do motor e, quem sabe, karaokê no carro. Mas pelo visto ando pedindo demais…
— Ei! — alguém grita em algum lugar, seguido por uma buzina. — Taeyong, ei! Vem cá!
Quando me viro na direção do grito, percebo que é lata-velha do pior taxista do mundo. Ele está encostado no meio fio, numa ruazinha perto da sinaleira. Seu braço esquerdo está para fora da janela, ele sacode para me chamar.
Solto um suspiro e vou até ele. Aproximo-me da porta e questiono o que ele quer.
— Entra no carro — olha só a gentileza dele!
— Por quê?
— Porque eu vou te levar.
— Pensei que por você tudo bem eu ir com outra pessoa.
— Acontece que não posso desistir de você.
— Por quê?
— Decidi ser bom — ele sorri para mim e eu fico vendo como ele pode ser bonito.
Mas, sério, ele é realmente bonito, mesmo com esse cabelo verde fluorescente e essas roupas largas pretas. Isso não significa que preciso negar que ele tem um sorriso bonito. Ele tem, sim. Mas não significa nada, já que é um baita pé no saco. Não adianta sorrir para mim e fingir simpatia, porque sei que é mentira. Ele parece uma naja me atraindo para o bote. Eu sei lá se naja dá bote. Não importa. A comparação continua sendo boa.
— Então as coisas vão ser do meu jeito? — seguro a alça da bolsa com força, uma vez que já estava deslizando pelo meu ombro.
— Eu não disse isso.
— Vou indo, então… — viro-me para sair.
— Taeyong! — ele me chama de novo e sem querer eu acabo sorrindo com isso. Nem consigo acreditar que ele está praticamente correndo atrás de mim. Ele até deixa a voz suave ao dizer: — C-como seria do seu jeito?
Giro meu corpo para ele e ajeito os fios do meu cabelo que se bagunçam com o vento.
— Pode começar abrindo a porta para mim. Você está prestando um serviço a mim, no mínimo deve ser gentil e atencioso.
Ten resmunga alguma coisa em tailandês, acredito ser uma gama de palavrões, daí simplesmente abre a porta do carro e sai. Contenho o riso enquanto ele rodeia o carro e abre a porta do banco do carona. Até mesmo, hesitante, ele dá uma leve curvada. Essa é boa…
— Obrigado, senhor Ten — caminho até parar na sua frente.
— Ao seu dispor — ele mantém a cabeça inclinada, sendo assim entro no carro.
Quando me sento, ele mal espera minhas pernas entrarem no veículo e já vai fechando a porta. Sei que ele é apressado e tudo mais, só que essa falsa gentileza é algo que eu quero degustar por um tempo. Não sei quanto Jaehyun ofereceu para a viagem, mas deve ser uma quantidade que ele não está nem um pouco acostumado.
Ten dá a volta, entra como motorista ao meu lado e depois puxa o cinto de segurança. Eu faço o mesmo, também em silêncio.
— Vamos a algum hotel, então? — questiono.
— Não.
— As coisas não iriam ser do meu jeito?
— Você não precisa ir a um hotel para dormir. Pode dormir aí.
— Endoidou? Eu não vou dormir aqui! — olho ao redor. Está escuro, não consigo ver muitas coisas.
— Por que não? O banco é confortável. Melhor do que muita cama cara por aí, acredite em mim… — ele está empurrando o cinto de segurança, porque não está travando. Que belo carro ele tem…
— Eu vou acordar cheio de dor.
— Taeyong — ele me chama, agora finalmente conseguindo prender o cinto. Seu rosto está na direção do meu. — Você tem quantos anos?
— Por que quer saber?
— Hipótese: vinte e quatro — ele empurra a franja para trás, mas não adianta, porque volta para o mesmo lugar. — Você passou vinte e quatro anos dormindo no bem bom e não consegue passar uma mísera noite num banco de carro? Não é como se estivesse numa cama de pregos ou num chão cheio de pedras. Até parece que estamos presos no conto de “A princesa e a ervilha”. Só relaxe, ok? Amanhã de manhã a gente para em algum buraco aí e você come algo que goste.
Depois de todo o discurso dele sobre como sou mimado, fico apenas em silêncio observando a metade do seu rosto que está sendo iluminada pelos faróis. Consigo ver a linha dos seus lábios e como ele está sério olhando pra mim.
— Eu não tenho vinte e quatro anos — finalmente digo algo.
Ele solta um muxoxo e um suspiro. Vira-se pra frente e liga o motor do carro. Nós nunca vamos nos entender. Realmente, nunca vamos nos entender. E olha que hoje só é o primeiro dia.
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