Capítulo 31 | Cerejas
Harry passou o resto da manhã vagando pelos corredores do casarão, tentando encontrar coragem para encarar Louis.
Ele sabia que o magoara profundamente e que palavras, por mais sinceras que fossem, talvez não fossem suficientes. Mas Harry precisava tentar.
Pensou em mil coisas sobre o que dizer, montando um discurso perfeito em sua cabeça.
Encontrou Louis no final da tarde, sentado no jardim, sob a sombra de uma grande árvore. O vento balançava os cabelos castanhos claros de Louis, e ele segurava um pequeno bordado, algo que Anne o havia ensinado nos fins de tarde que passavam juntos.
Harry parou por um momento, apenas observando. Louis parecia tão calmo, tão sereno, que o maior sentiu o coração apertar.
Reunindo coragem, ele se aproximou devagar, anunciando sua presença com a voz hesitante.
— Você sempre foi melhor com trabalhos manuais do que eu.
Louis ergueu os olhos, o rosto neutro, mas sem a hostilidade que Harry esperava. Ele não respondeu, mas também não pediu que Harry fosse embora, o que já era mais do que ele esperava.
Harry respirou fundo, totalmente decidido a encurtar aquele espaço invisível entre ele e a esposa, e sentou-se na grama ao lado do garoto, mantendo uma distância respeitosa.
— Eu vi a foto...– começou, olhando para as próprias mãos.— A de Cora. No nosso quarto.
Louis endureceu levemente, mas manteve o olhar no bordado.
— E daí?
Harry passou a mão pelos cabelos, lutando para encontrar as palavras certas.
— Eu só... Eu acho que nunca entendi o quanto você estava carregando sozinho. O quanto... Eu fui egoísta.
Por um momento, o único som foi o das folhas balançando ao vento. Louis finalmente abaixou o bordado, os olhos cheios de algo que Harry não conseguia decifrar.
— Você só percebeu isso agora?
Harry assentiu, sem tentar se defender.
— Eu sei que é tarde. Talvez tarde demais. Mas quero consertar as coisas, Louis. Por você, pelo bebê... Por nós.
Louis o encarou por um longo momento, os olhos azuis intensos fixos nos verdes de Harry, como se estivesse tentando decifrar cada palavra dita e cada silêncio que ficava entre elas. Era um olhar que parecia atravessá-lo, quase clínico, buscando uma fagulha de sinceridade.
Harry sustentou o olhar, mas o peso da culpa parecia dobrar seus ombros. Não havia palavras que pudessem desfazer o estrago, nem promessas que soassem legítimas após tantas quebradas.
De fato, Harry havia ultrapassado todos os limites. Tinha ferido, traído e, no processo, se perdido de si mesmo. O vazio que existia entre eles agora parecia mais profundo que nunca, uma lacuna construída por mágoas e decisões equivocadas. Talvez realmente estivesse tarde demais para consertar.
Louis soltou um longo suspiro, a tensão nos ombros diminuindo apenas o suficiente para que ele desviasse o olhar e colocasse o bordado de lado. A delicadeza do movimento parecia contradizer o turbilhão de emoções que passava por sua mente.
— Consertar as coisas não vai ser fácil, Harry.– a voz saiu firme, mas carregada de um cansaço que ia além da noite mal dormida. Era um cansaço de quem já tinha tentado, esperado e acreditado mais vezes do que deveria.
Harry abriu a boca para responder, mas nenhuma palavra parecia à altura do momento. Ele sabia que não merecia confiança, muito menos perdão, e que qualquer promessa feita agora seria apenas mais um peso a ser carregado.
O silêncio entre eles era tenso, mas não completamente desconfortável. Então, de repente, Harry estendeu a mão hesitante, indicando o bordado.
— Posso tentar?
Louis arqueou uma sobrancelha, surpreso pela proposta.
— Você quer bordar?
Harry deu um sorriso tímido.
— Não prometo que vai ficar bonito, mas... Sim, gostaria de tentar.
Louis quase sorriu com isso, mas manteve a expressão neutra. Ele observou o homem grande e desajeitado tentar segurar a agulha do jeito certo, furando o tecido de forma completamente errada.
— Não, assim não...– disse Louis, mais divertido do que pretendia. Ele se aproximou um pouco, segurando as mãos de Harry para guiá-lo.
A proximidade fez ambos se calarem por um momento. Harry sentiu o cheiro familiar de Louis, aquele que sempre o fazia se sentir em casa. Louis, por sua vez, tentou ignorar a forma como o toque de Harry fazia seu coração acelerar.
Quando Louis finalmente recuou, Harry olhou para o pedaço de tecido bordado e riu.
— Bem, parece que nosso bebê vai herdar o talento de bordado só de você.
Louis soltou uma risada fraca, um som que Harry não ouvia há muito tempo.
— Não se preocupe.– Louis disse, pegando o bordado de volta. — Ainda tem tempo para você melhorar.
Harry olhou ele com uma intensidade que fez Louis desviar o olhar.
— É isso que eu espero. Ter tempo... Com você.
Louis não respondeu, mas também não afastou Harry quando ele se inclinou levemente, apenas o suficiente para que os ombros de ambos se tocassem. Foi um toque quase imperceptível, mas carregado de uma tensão que nenhum dos dois estava disposto a admitir em voz alta.
Louis permaneceu imóvel, seus olhos fixos em algum ponto à frente, como se o peso da proximidade fosse algo que ele não sabia ao certo como lidar. Ele não recuou, mas também não se inclinou. Ficou ali, suspenso naquele momento, permitindo que o contato existisse, mas sem alimentar a fagulha que claramente começava a queimar entre eles.
Para Harry, era mais do que suficiente. Ele sentiu o calor que emanava do corpo de Louis, um calor que parecia derreter algumas das barreiras que haviam sido erguidas entre eles ao longo do tempo. Era um gesto pequeno, quase insignificante, mas para Harry, aquilo era um começo. Uma brecha no muro de gelo, uma prova de que, talvez, Louis estivesse disposto a deixar que ele se aproximasse, mesmo que fosse apenas um pouco.
Harry não tentou avançar mais. Ele sabia que qualquer movimento precipitado poderia desfazer aquele frágil equilíbrio, e ele não estava disposto a arriscar. Apenas deixou o silêncio os envolver, como se cada respiração compartilhada fosse um passo sutil na direção que ele tanto desejava.
[...]
O aroma do jantar fresco pairava no ar, preenchendo o salão de refeições com uma sensação de aconchego. Anne havia insistido em preparar uma refeição especial, como costumava fazer em momentos difíceis, acreditando que comida tinha o poder de reunir as pessoas. Naquela noite, a mesa estava posta com cuidado, iluminada pela luz suave das velas e decorada com alguns vasos de flores frescas do jardim.
Louis chegou primeiro, acompanhado por Zayn e Magnólia, o moreno estava contando uma história animada sobre suas aventuras no pomar. Ele ajudou Louis e Magnólia a se acomodarem em cada uma das cadeiras acolchoadas antes de tomar seu lugar ao lado de sua esposa.
Trisha apareceu depois, junto com Anne e Liam, as duas mulheres estavam bem vestidas e sorridentes e o irmão do meio parecia entretido com seu celular.
Harry entrou pouco depois, hesitante. Vestia uma camisa simples, mas o cabelo ainda estava um pouco desalinhado da tarde passada, e havia algo mais suave em seu semblante.
Ele cumprimentou os presentes com um aceno de cabeça, antes de ocupar a cadeira de frente para Louis.
A refeição começou em um silêncio educado. Anne observava tudo com atenção, sorrindo gentilmente enquanto servia pratos generosos de lasanha e salada fresca. Trisha, que estava ao seu lado, oferecia comentários esporádicos para manter o ambiente leve.
Foi quando Anne puxou assunto que tudo começou a mudar.
— Louis, ouvi que você passou o dia no jardim, hoje. Como estão as macieiras?
Louis sorriu, comendo um pedaço pequeno de lasanha.
— Estão carregadas. Zayn ontem pela manhã, praticamente precisou me arrastar para casa antes que eu colhesse todas as maçãs.
Zayn riu alto.
— Acredite, eu fiz isso pensando no bem-estar dela. Louis está obcecada pelas maçãs ultimamente.
Anne levantou uma sobrancelha, intrigada.
— Obcecada?
Louis deu de ombros, um pequeno sorriso brincando em seus lábios.
— Digamos que tem sido o desejo mais constante até agora.
Anne soltou uma risada suave, encantada.
— Ah, os desejos... Lembro-me de quando estava grávida de Harry. Não podia ver uma única tigela de cerejas sem querer devorar tudo.
Harry, que estava mordiscando seu pão, olhou para a mãe com curiosidade.
— Você nunca me contou isso.
— Porque você comia as cerejas antes mesmo que eu tivesse a chance!– Anne respondeu, rindo.
A sala de jantar foi preenchida por risadas leves, e até Louis não conseguiu conter uma risada sincera, algo que iluminou seu rosto de uma forma que Harry não via há muito tempo. Ele olhou para Louis, os olhos suaves, quase esquecendo a tensão que os cercava.
Louis, por sua vez, sentiu o olhar de Harry, mas em vez de se retrair, arriscou uma resposta.
— Talvez o bebê seja igual ao pai. Já estou me preparando para brigar por comida.
Harry soltou uma risada genuína, e, por um momento, os dois se encararam como se nada mais existisse ao redor.
— Espero que herde só as boas partes de mim.– Harry brincou, pegando seu copo de água.— E tudo de bom que você tem.
Louis desviou o olhar rapidamente, as bochechas levemente coradas, mas o sorriso permaneceu em seu rosto.
Anne observava a interação com o coração aquecido. Era apenas uma troca de palavras, mas parecia mais do que isso, era um vislumbre de esperança. Ela sentiu os olhos marejarem, mas manteve o sorriso genuíno, optando por mudar o assunto para algo mais leve para não pressionar demais.
A noite continuou em uma harmonia frágil, mas real. Depois do jantar, Harry subiu as escadas lentamente, o som de seus passos ecoando pelos corredores silenciosos. Ele hesitou por um momento diante da porta do quarto que dividia com Louis, a mão parando sobre a maçaneta antes de girá-la suavemente.
O quarto estava iluminado por uma luz amarelada e acolhedora. Louis estava sentado na poltrona ao lado da janela, com um cobertor sobre as pernas e um livro nas mãos. Ele ergueu os olhos quando Harry entrou, um tanto surpreso, mas não disse nada.
Harry esfregou a nuca, tentando arrancar o nervosismo.
— Eu... Só vim pegar uma troca de roupas.– disse ele, apontando para o armário.
Louis apenas assentiu, voltando sua atenção para o livro, mas Harry percebeu que os olhos dele não se moviam pelas linhas da página. Ele estava claramente distraído, e Harry se pegou desejando quebrar aquele silêncio que, embora confortável, ainda carregava resquícios de distância entre eles.
Enquanto Harry revirava o armário, ele não pôde evitar um sorriso ao notar que Louis ainda mantinha suas camisas dobradas exatamente como ele gostava.
— Você sempre teve uma paciência absurda.– comentou Harry, tentando soar casual enquanto puxava uma camiseta.
Louis levantou os olhos, arqueando uma sobrancelha.
— Isso é um elogio?
Harry riu baixo, fechando o armário e se virando para encará-lo.
— Sim. Um grande elogio, na verdade. Eu sou um desastre completo, e você ainda assim... Sempre foi paciente comigo.
Louis fechou o livro, cruzando os braços, mas não de forma defensiva. Havia algo mais suave em sua postura.
— Talvez porque eu sabia que, no fundo, você valia a pena.
As palavras de Louis o pegaram de surpresa, e Harry ficou sem resposta por um momento. Ele deu um passo hesitante na direção da esposa.
— Eu sei que estraguei muita coisa.– começou Harry, sentando-se na beira da cama. — Mas eu quero ser menos desastroso.
Louis o observou por alguns segundos, sua expressão indecifrável.
— Você tem um longo caminho pela frente, Harry.
O homem sorriu fraco.
— Justo. Posso começar dividindo o caminho de volta pro quarto?
Louis estreitou os olhos, um sorriso pequeno ameaçando escapar, mas ele não cedeu completamente.
— Como assim?
— Estou falando do colchão. É enorme, e sinceramente... Aquele quarto de hóspedes me dá arrepios.
Louis bufou, mas havia um brilho divertido em seus olhos.
— Você acha mesmo que vou te deixar voltar assim, do nada, e roubar metade da cama?
— Não roubar. Emprestar.– Harry corrigiu, erguendo as mãos em rendição. — Só por uma noite. Prometo que fico do meu lado.
Louis hesitou, olhando para ele com seriedade.
— Só por uma noite.
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