Capítulo 28 | Enterro
[...]
A chuva fina caía sobre o cemitério, escorrendo pelas lápides e se misturando às lágrimas silenciosas dos presentes. O céu cinzento parecia refletir a tristeza daquela manhã, enquanto os preparativos para o enterro de Desmond Styles haviam sido cuidadosamente organizados.
Anne e Trisha estavam devastadas, com rostos pálidos e olhares perdidos. Trisha apoiava Anne, que parecia à beira de desabar, enquanto Louis permanecia ao lado delas, os olhos inchados e o coração pesado.
Louis havia passado a noite em claro, lutando contra a humilhação e a dor. Ele não sabia como enfrentaria aquele dia, ainda mais com Harry distante. E, então, quando os carros começaram a chegar, ele viu algo que o fez prender a respiração. O Impala 1967 que ele já conhecia, estacionou e dele desceu Harry acompanhado de Cora.
O murmúrio entre os convidados foi quase imediato. Anne congelou, os olhos arregalados enquanto a lembrança da conversa com Desmond invadia sua mente.
"Cora é minha filha."
Anne sentiu o estômago revirar, e um nó se formou em sua garganta. Como ela poderia suportar aquilo agora, diante de todos?
Louis, por sua vez, não desviou o olhar. Ele manteve a postura firme, mesmo com as pernas vacilando levemente. Cada passo que Harry dava ao lado de Cora era como uma punhalada. A humilhação o corroía, mas ele não daria o gosto de mostrar fraqueza.
Quando o caixão foi carregado pelos irmãos Styles e alguns membros de confiança da família, o ambiente ficou pesado.
O som abafado dos passos sobre o chão molhado e o farfalhar da chuva contra os guarda-chuvas foram as únicas coisas que acompanharam a lenta procissão até o túmulo.
Anne olhou para o caixão do marido com um vazio no peito. Como tudo havia chegado àquele ponto?
A imagem de Desmond sorrindo em dias melhores parecia tão distante quanto impossível agora. Ela apertou as mãos contra o peito, como se pudesse evitar que seu coração se partisse ainda mais.
Harry não parecia notar os olhares furtivos em sua direção. Ele estava perdido em seus próprios pensamentos, segurando o guarda-chuva acima de Cora, que mantinha uma expressão de falsa serenidade.
Por dentro, ela se regozijava com o desconforto que causava, mas sabia que precisava manter as aparências.
Quando o caixão foi finalmente colocado na terra, o som da pá despejando o primeiro monte de terra ecoou como um trovão. Anne caiu de joelhos, incapaz de conter os soluços, e Trisha se ajoelhou ao lado dela, tentando oferecer algum conforto.
Louis fechou os olhos, as lágrimas escorrendo silenciosas por seu rosto enquanto apertava o crucifixo que carregava no pescoço. Louis sempre odiou enterros, quando era pequeno tinha ido a alguns com o pai. E ver seu sogro sendo enterrado, foi de doer seu coração, pois conseguiu se lembrar perfeitamente da última conversa que tiveram e das palavras que ele havia dito.
"Você já trouxe muita felicidade para ele."
Louis sabia que se seu sogro estivesse vivo, ficaria ao seu lado.
Já Harry, o mesmo permaneceu imóvel, o olhar fixo no túmulo do pai.
Por um breve momento, ele pareceu hesitar, como se algo dentro dele estivesse prestes a se romper. Mas, antes que pudesse se permitir sentir, Cora colocou uma mão em seu braço, sussurrando algo que ninguém ouviu. Ele apenas assentiu, voltando a se fechar em sua armadura emocional.
Louis observou a cena de longe, o coração apertado. Ele queria odiar Harry por aquilo, por trazer Cora àquele momento, mas, no fundo, tudo o que sentia era uma dor profunda.
O enterro terminou com um silêncio pesado, e os convidados começaram a se dispersar. Louis se manteve no lugar por mais algum tempo, encarando a lápide recém-coberta de terra.
Quando finalmente se virou, encontrou os olhos de Anne. Eles estavam cheios de algo que parecia um misto de compreensão e dor, mas nenhum dos dois disse uma palavra.
Louis apenas saiu do cemitério em passos lentos, a chuva ainda caindo sobre ele, misturando-se às lágrimas que ele já não se importava em esconder.
[...]
A volta ao casarão deveria significar um momento de trégua, um espaço para respirar após a dor excruciante do enterro de Desmond. Mas, assim que Louis subiu as escadas, algo parecia fora do lugar.
A luz no quarto principal estava acesa, e vozes abafadas escapavam pela porta entreaberta. Louis sentiu seu coração acelerar, mas não por qualquer expectativa, era algo mais sombrio, mais pesado.
Sem pensar muito, ele empurrou a porta. O que viu fez seu peito afundar.
Harry estava inclinado sobre a cama, arrumando roupas em uma mala aberta. Sua expressão era fria, calculada, como se estivesse cuidando de negócios e não desmontando o lar que tinham juntos.
Ao lado dele, Cora dobrava roupas com uma calma irritante, seu rosto contido em um sorriso sutil.
— Bem, que cena adorável.– a voz de Louis cortou o silêncio como uma lâmina, carregada de ironia. Ele entrou no quarto, e cruzou os braços enquanto encarava os dois.
Harry se virou lentamente, os olhos verdes encontrando os azuis de Louis com uma indiferença que parecia tangível.
— Louis.– ele disse, a voz baixa e controlada.
— Harry.– Louis respondeu, carregando o nome como se fosse um veneno. — Não quero atrapalhar. Parece que vocês dois estão muito ocupados.
Cora abriu a boca, mas Harry ergueu uma mão para silenciá-la. Ele olhou para Louis, com um olhar vazio de qualquer emoção.
— Estou indo embora por um tempo.
Louis piscou, como se não tivesse ouvido direito.
— Eu preciso de espaço.– Harry continuou, a voz firme, mas sem qualquer traço de calor. — Preciso processar tudo.
— Processar tudo?– Louis riu, mas era um riso vazio, amargo. — E a melhor maneira de processar é ao lado dela, não é?
Chegava a ser cômico. Completamente cômico as palavras que entravam no ouvido de Louis. Nem mesmo parecia sair da boca do homem que o fez tantas promessas, que falava de amor.
— Você sabe o quanto tudo isso é complicado, Louis.– Harry rebateu, a frieza em sua voz começando a ganhar um tom de irritação.— Eu perdi meu pai. Minha família está desmoronando. Eu preciso de tempo.
Um filho da puta. Um traidor. Um baita traidor.
— E eu?– Louis disparou, seu tom de voz subindo.
— Eu não perdi nada? Não estou desmoronando também?
Harry não respondeu. Ele apenas virou de volta para a mala, como se Louis não estivesse ali. Aquilo machucou mais do que um tapa.
— É isso, então?– Louis continuou, a voz tremendo, mas ele se recusava a chorar. — Você vai embora com ela?
— Sim.– Harry disse, sem hesitação. E o silêncio que se seguiu após isso, foi absurdamente ensurdecedor. Louis sentiu como se o chão tivesse sido arrancado debaixo de seus pés.
Ele deu um passo para trás, respirando fundo para não desmoronar ali mesmo.
— Você sabe o quê, Harry? Vá. Leve sua mala, sua "companheira" e todo o espaço que você precisar.– Louis disparou, a voz carregada de ironia e mágoa.— E, sinceramente, seria melhor que você nem voltasse.
Harry finalmente olhou para ele, mas seus olhos estavam frios, distantes. Desde que acordou aquela manhã ao lado de Cora, seus sentimentos se trancaram no peito. Se sentia um tanto revoltado com tudo. E bem, Cora estava ali. Ele nem mesmo cogitou não estar ao lado dela.
— Eu vou.
Foi curto e decisivo, e Louis não disse mais nada. O garoto se virou, saindo do quarto com passos firmes, mas assim que a porta se fechou atrás de si, a fachada começou a desmoronar.
Quando Louis finalmente saiu, Cora percebeu um olhar diferente no maior. Parecia que Harry não tinha certeza se realmente queria fazer aquilo. Mas ele precisava.
A mulher massageou devagar os ombros tensos de Harry, o beijou a nuca e então aproximou-se o suficiente para sussurrar em seu ouvido.
— Querido... Precisamos pegar a estrada, seremos eu e você juntos em Veneza.
Enquanto isso, Anne estava no corredor, esperando por Louis. O rosto da sogra estava preocupado, mas o garoto apenas balançou a cabeça, desviando o olhar.
— Venha comigo.– Anne disse, pegando suavemente o braço de Louis.
Ele não protestou. Seus passos eram quase arrastados enquanto ela o guiava pelo corredor até o quarto dela. Assim que entraram, Anne fechou a porta com cuidado, criando um refúgio silencioso e acolhedor. Ela o conduziu até a cama, sentou-se ao lado dele e o puxou para um abraço, envolvendo-o com a mesma ternura de uma mãe que consola um filho perdido.
Louis não resistiu. Desabou em lágrimas, a angústia e humilhação finalmente transbordando de seu peito. O choro era tão intenso que o fazia tremer, enquanto Anne acariciava seus cabelos com movimentos lentos e reconfortantes.
— Querida, o que aconteceu?– ela perguntou, a voz suave, mas cheia de preocupação.
Louis tentou responder, mas a dor parecia sufocá-lo. Ele balançou a cabeça, lutando para encontrar as palavras.
— Ele... Ele está indo embora. Com ela.
Anne arregalou os olhos, o coração batendo acelerado. Como assim existia uma "ela"? E quem seria? Uma ideia horrível passou por sua mente, mas ela se recusava a acreditar.
— Cora?– Anne murmurou, completamente receosa, como se a simples menção daquele nome pudesse destruir tudo.
Louis apenas assentiu, os olhos cheios de lágrimas e a voz falhando enquanto tentava se manter forte.
— Eu... Eu não consegui contar a ele.
Anne franziu a testa, confusa e preocupada. Primeiro, ela nem sabia que Cora estava ali, e agora isso?
— Contar o quê?
Louis colocou uma mão trêmula sobre o abdômen, como se estivesse protegendo algo precioso, algo que era apenas dele naquele momento. Os olhos finalmente transbordaram lágrimas, e Anne se lembrou de tudo antes mesmo de ele falar.
— Oh, Louis...– ela sussurrou, puxando-o para um abraço ainda mais apertado, como se pudesse protegê-lo de toda aquela dor.
Louis soluçou contra o ombro dela, os dedos agarrando a manga da roupa de Anne enquanto finalmente soltava o que estava preso no peito.
— Eu me sinto tão sozinha.
Anne afagou suas costas com firmeza, a voz carregada de convicção quando respondeu.
— Você não está sozinha, querida. Eu estou aqui. Nós estamos aqui. E, Louis... Eu sei que Harry está confuso agora, mas ele ama você.– Anne disse suavemente, sua voz carregada de uma ternura que parecia tão distante do caos recente.
Louis fechou os olhos, as palavras de Anne ecoando em sua mente, mas soando vazias contra a parede de dor que o cercava. Ele já não acreditava mais.
E agora, havia algo mais. Algo mais frágil e precioso, crescendo dentro dele. Um pedaço de vida que ele tinha o dever de proteger, mesmo quando tudo ao redor parecia estar desmoronando.
Enquanto Anne o abraçava, tentando confortá-lo com suas carícias, sua mente foi levada para um lugar distante, uma memória da infância que há muito tempo ele não visitava.
Eastbourne, Inglaterra
10 anos antes
Era um dia ensolarado no jardim de sua casa. Seu pai o ajudava a subir em uma bicicleta nova. Lembrou-se do primeiro tombo, a dor que parecia imensa para uma criança, e de como havia chorado.
Mas, acima de tudo, lembrava-se da voz de seu pai, firme e reconfortante.
— Vamos tentar de novo, campeão. Você é mais forte do que pensa.
O calor daquela lembrança trouxe um momento de consolo, mesmo as lágrimas escapando de seus olhos. Louis pensou no bebê que carregava agora. No filho ou filha que ele juraria proteger com tudo o que tinha, mesmo que estivesse sozinho. Ele seria para essa criança o que o pai havia sido para ele.
— Louis, você não precisa carregar tudo isso sozinho.– Anne murmurou, adivinhando seus pensamentos, enquanto segurava seu rosto com as mãos firmes, mas gentis. — Eu vejo a força em você. E por mais que Harry esteja perdido agora, eu acredito que ele vai encontrar o caminho de volta para você.
Louis respirou fundo, as lágrimas agora silenciosas. Ele sabia que o caminho seria difícil, que a ferida em seu coração levaria tempo para cicatrizar. Mas, pelo bem de quem estava por vir, ele encontraria forças.
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