Capítulo 13 | Casar
A noite em Veneza estava fria, mas Harry não sentia nada além de um calor incômodo que queimava no peito. Ele e Zayn caminhavam em silêncio do quarto até o carro. O silêncio entre os dois não era apenas ausência de palavras, mas um vácuo carregado de tensão, algo quase palpável. Zayn sabia que não seria uma conversa amigável.
O motorista de Harry recebeu o comando de caminho a seguir, e então a viagem permaneceu extremamente silenciosa. Harry manteve os olhos fixos na janela, observando as luzes da cidade se distorcerem no vidro enquanto o carro avançava pelas ruas estreitas. Zayn, sentado ao lado, parecia inquieto. Sabia que o irmão mais velho tinha o poder de se tornar alguém intimidador, às vezes mais pelo silêncio do que por palavras.
O carro parou à frente de um bar discreto, iluminado apenas pela luz fraca de um poste. Era um lugar quase invisível aos olhos desatentos, perfeito para o tipo de conversa que Harry precisava ter. O som abafado de jazz escapava pelas frestas da porta, preenchendo o ar frio com uma melodia melancólica.
Zayn respirou fundo antes de seguir o irmão para dentro. O ambiente era pequeno e quase vazio, exceto por alguns homens que ocupavam os cantos mais escuros, as vozes baixas em conversas que se misturavam ao som da música. Harry escolheu uma mesa afastada e indicou para Zayn se sentar.
Sem dizer nada, chamou o garçom com um gesto breve, pediu uma garrafa de uísque e dois copos, e então se acomodou com um semblante impassível. Ao sentar, retirou a arma que carregava consigo e a colocou sobre a mesa com calma deliberada. O gesto fez Zayn desviar o olhar por um instante.
Harry parecia esculpido em gelo, cada movimento medido, calculado. Sua expressão era impenetrável, mas Zayn sabia que por trás daquela fachada fria havia um vulcão prestes a entrar em erupção.
— Então...– Harry começou, a voz baixa, controlada, mas carregada de uma ameaça velada. Ele despejou o líquido dourado nos copos e empurrou um para Zayn. — Você sabe que eu não sou de dividir o que é meu.
A afirmação pairou no ar, mais pesada que o som grave do contrabaixo no fundo. Zayn pegou o copo, mas suas mãos tremiam levemente. Ele sabia que qualquer palavra dita naquele momento poderia ser usada contra ele.
— Não foi o que parece, Harry. — Ele tentou se justificar, bebendo tudo de uma vez, como se o álcool pudesse dissolver a tensão.
Harry permaneceu imóvel, o copo ainda intocado em sua mão. Seus olhos, escuros e afiados como lâminas, estavam fixos no irmão mais novo.
— Foi exatamente o que pareceu.
Zayn engoliu em seco. Sabia que não adiantava argumentar com Harry. Ele não era um homem que confiava em explicações; confiava em ações, ou na ausência delas.
— Escuta, eu não sou o inimigo aqui. — Zayn tentou, a hesitação evidente em sua voz. — Sei que ela é sua. Eu só estava... Sendo simpático.
Harry inclinou-se ligeiramente para frente, seus olhos estreitando.
— Simpático.– ele repetiu a palavra como se fosse uma ofensa. — Eu não quero simpatia com a minha mulher. Quero respeito.
O silêncio caiu entre os dois, denso como fumaça. Zayn desviou o olhar para o copo vazio, como se as palavras certas estivessem escondidas no fundo. Sentia o peso esmagador do julgamento do irmão, que parecia enxergar através dele como um livro aberto.
Harry não precisava levantar a voz ou fazer ameaças explícitas. Seu silêncio era uma sentença em si. Mas, para Zayn, a expectativa do que viria era quase insuportável.
— Já está na hora de casar, Zayn.
As palavras de Harry o atingiram como um soco. Ele levantou os olhos, surpreso, a incredulidade estampada em seu rosto.
— Casar? — o moreno riu, mas o som era forçado.
— Você só pode estar brincando.
Harry não esboçou um sorriso sequer. Sua postura rígida deixava claro que ele estava longe de estar brincando.
— Eu não brinco com negócios.
Zayn sentiu um nó no estômago. Ele sabia que, quando Harry falava de negócios, as decisões já estavam tomadas, e não havia espaço para negociação.
— E quem você tem em mente?– Zayn perguntou com dificuldade, tentando conter a irritação que começava a borbulhar sob a superfície.
Harry finalmente pegou o copo e tomou um pequeno gole, pausando antes de responder.
— Você saberá em breve. O que importa é que essa aliança será útil para os negócios da família.
Zayn fechou os punhos sobre a mesa, mas não disse nada. Protestar seria inútil. Ele já sabia disso.
— Você quis brincar de ser homem hoje, Zayn. Agora vai agir como um.
A frase de Harry cortou o ar como uma faca. Ela não precisava ser acompanhada de um tom ameaçador para carregar um peso insuportável. Zayn olhou para o copo vazio, sentindo um misto de raiva e impotência.
— Como quiser, chefe.
Ele murmurou com um tom amargo, levantando-se abruptamente.
Harry se levantou, o beijou a bochecha esquerda e com um toque de cabeça, deu a permissão que seu irmão mais novo pudesse enfim sair. Zayn não olhou para o irmão ao sair, mas sentiu o olhar de Harry o acompanhando até a porta.
[...]
Quando Harry finalmente retornou ao hotel, sentia-se mentalmente mais tranquilo. Era como se aquela conversa tensa com Zayn tivesse canalizado a raiva que fervia dentro dele. Mas, mesmo assim, a decepção não desaparecera. Ele ainda precisava lidar com Louis.
Escolheu não dividir a cama naquela noite. Em vez disso, permaneceu no sofá, fumando cigarro após cigarro, enquanto processava o que tinha visto e o que precisava fazer. Não era uma questão de raiva cega, mas de princípios. Louis precisava ser educado. Harry não permitiria que uma cena como aquela se repetisse.
Na manhã seguinte, Louis acordou com um sentimento de abandono. A cama parecia maior e mais fria sem Harry ali. Ele estendeu a mão, como fazia todas as manhãs, mas encontrou apenas o vazio. Sentiu o coração apertar.
— Harry?– chamou baixinho, a voz hesitante.
A resposta veio na forma de uma porta de vidro se abrindo. Harry entrou no quarto, saindo da varanda, já vestido com seu típico terno escuro. O cigarro em sua mão estava quase no fim, e seu semblante era inexpressivo, mas carregado de uma frieza que Louis não reconhecia.
Louis levantou-se da cama, ainda um pouco grogue, mas o desconforto no peito o fazia despertar rapidamente. Ele se aproximou, hesitante.
— Harry, onde você dormiu?– perguntou, embora já soubesse a resposta.
Harry não respondeu de imediato. Apagou o cigarro no cinzeiro com um gesto seco e se virou para encará-lo.
— Arrume suas coisas. Voltaremos para casa amanhã.
Louis piscou, confuso, sentindo o estômago afundar. Afinal, não haviam se passado nem mesmo uma semana inteira que de fato haviam se casado.
— Amanhã? Mas... por quê? Achei que...– o garoto iniciou totalmente confuso, mas foi interrompido quando Harry apenas ergueu sua mão.
— É o que pessoas descuidadas ganham.– a simplicidade cortante da frase o atingiu em cheio. O garoto sentiu o rosto corar, embora ainda não compreendesse exatamente o que Harry queria dizer.
Desde que casaram, Harry não havia sido grosso em nenhum momento, não dava mesmo para entender aquilo.
— Eu não entendo. O que eu fiz de errado? — tentou argumentar, mas a voz falhou no final. Sentiu um incômodo no peito e seus olhos pinicaram um pouco.
Observou o marido dar alguns passos em direção a ele, seus sapatos ecoando no piso do quarto. Quando parou à sua frente, a sombra que lançava sobre Louis parecia ainda maior do que sua figura.
— Você foi descuidado, Louis. Agiu sem pensar, sem considerar as consequências. E isso não é aceitável. E antes que comece, eu não quero ouvir desculpas.
A voz de Harry era tão fria, que Louis se esforçava muito para não deixar com que seus olhos se molhassem.
— Consequências?– ele murmurou, o peito se apertando. — Eu só...
— Eu disse que não quero desculpas.– Harry interrompeu, sua voz baixa, mas afiada. — Se você não é capaz de entender o que fez de errado, talvez seja melhor refletir em casa.
Louis mordeu o lábio, e foi o suficiente para sentir os olhos molhados. Não conseguia controlar aquela sensação de ter decepcionado a Harry.
Na mesma hora se lembrou de Zayn, talvez fosse isso o motivo do porque Harry estava agindo assim. Mas não fazia nenhum sentido, os garotos não haviam feito nada demais e... Onde estava Zayn? Será que Harry havia feito alguma coisa?
— E o que vai acontecer com Zayn? — perguntou, sua voz quase num sussurro, temendo a resposta.
Harry ergueu uma sobrancelha, como se a pergunta fosse irrelevante.
— Ele também será punido. Já pegou o voo de volta, Liam foi com ele.
Harry murmurou fumando seu cigarro ainda ali perto de Louis. Estava estudando as expressões de Louis com sagacidade.
— Mas... Punido, como? — insistiu Louis, o coração acelerando. Afinal, o termo "punição" vindo de um homem tão violento quanto Harry, faria qualquer pessoa tremer.
Harry soltou um suspiro pesado, passando a mão pelo cabelo. O mais velho não estava gostando de toda essa preocupação da esposa por seu irmão mais novo, aquilo levantou uma bandeira vermelha para ele, de forma quase que instantânea.
Olhou no fundo daqueles olhos azuis medrosos que agora se enchiam devagarinho.
— O suficiente para garantir que ele nunca mais repita o que fez.
Louis sentiu um nó na garganta. Ele queria protestar, mas as palavras pareciam presas. Harry, por sua vez, apagou o cigarro no cinzeiro com um gesto seco e ajeitou o blaser, como se estivesse se preparando para sair.
O garoto permanecia imóvel, sem ao menos conseguir secar suas lágrimas.
Antes de Harry ir, ele se virou uma última vez para encará-lo.
— Nos casamos, e neste casamento fizemos promessas diante de um padre, Louis, precisa aprender a seguir as regras. Nós tínhamos um acordo, lembra? Se você for uma boa esposa, serei um bom marido.
A firmeza em sua voz era inabalável, mas havia algo nos olhos dele que Louis não conseguia decifrar completamente — talvez uma sombra de decepção, talvez uma ponta de frustração.
— E você quebrou a primeira delas.
Sem esperar resposta, Harry saiu, fechando a porta com um clique baixo. Louis permaneceu ali, sozinho, encarando o vazio do quarto, sentindo um peso avassalador que misturava vergonha, culpa e uma dor que ele não conseguia entender completamente.
Acabou sentando-se na beirada da cama, o olhar perdido nos lençóis amarrotados. O silêncio do quarto parecia um lembrete cruel de sua solidão naquele momento. Ele não conseguia conter os soluços que começaram a vir devagar, primeiro como pequenos tremores em seu peito, até se transformarem em lágrimas silenciosas que escorriam por seu rosto.
Sua mente era um turbilhão de pensamentos e sentimentos embaralhados, como um quebra-cabeça impossível de resolver. Louis abraçou os próprios joelhos.
Não era medo ou receio do que Harry pudesse fazer com ele ou com Zayn. Não era sequer raiva pela decisão abrupta de voltar para casa. Era algo mais profundo, mais doloroso.
Era culpa. Uma culpa que parecia pesar sobre ele como uma âncora, puxando-o para baixo. Ele sabia, no fundo, que havia desapontado Harry de alguma forma, mesmo sem entender exatamente como.
Ele tentou buscar alguma lógica para o que sentia, mas nada fazia sentido. Por que isso o afetava tanto? Por que se importava tanto com o que Harry pensava?
Ele não queria perder Harry.
Não queria arruinar o que vinham construindo. Desde que haviam chegado naquele hotel, algo entre eles tinha mudado. Harry tinha mostrado um lado que Louis jamais pensou que existia. Louis se sentia especial, desejado.
E agora, tudo aquilo parecia desmoronar.
Louis respirou fundo, tentando se recompor. Ele não queria uma vida sozinho. Não queria voltar para a distância que existia entre eles antes daquela viagem.
— Eu estava feliz com Harry.
Murmurou, e ao admitir isso, uma nova onda de lágrimas escapou. Porque a verdade era simples.
Ele estava feliz, com o seu Harry.
Louis sabia que precisava fazer algo. Precisava consertar o que quer que fosse.
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