Capítulo 12

Eu sonhei com morcegos gigantes engolindo estrelas porque não gostavam da luz.

Quando abri meus olhos dei de cara com uma boca. Então logo me dei conta de que estava completamente presa entre os primos, minha cabeça no ombro de Rayvis e Daph no meu, ambos passando os braços sobre mim, as pernas deles também, o meu braço sobre o qual Daph deitava se encontrava com o de Rayvis às costas dela e o outro cruzava com o dela que passava por minha barriga. Em um segundo eu ja estava sufocada, tentei me mexer e Daph resmungou e se virou, nisso me libertei dela, só faltava um, mas quando me mexi novamente percebi exatamente onde estava e em que situação. Os preciosos da Corte dos Sonhos tinham se agarrado a mim enquanto dormiam. Meu rosto ardeu e eu não pude acreditar que ainda estava viva, precisei beliscar minha bochecha para ter certeza que não estava delirando. Por mais sufocante que fosse ainda... Era o sonho de toda e qualquer leitora estar em um ninho daqueles, mas Rayvis também resmungou e se virou, me sentei e olhei para eles, os dois na mesma posição. Se fossem gêmeos não conseguiriam fazer aquilo tão perfeitamente simétrico. Me levantei e esperei que o corpo se adaptasse à nova posição enquanto observava as montanhas. Eu estava entre seres míticos e fantásticos, mas quando senti fome a vontade que tive foi de comer bolo, mamãe os fazia algumas vezes, eram cheirosos e deliciosos e ainda que o vazio fosse em meu estômago, meu peito doeu. Só percebi que estava chorando quando funguei.
No mesmo instante enxuguei as lágrimas e respirei fundo.

- O que você está fazendo?

Olhei para trás e vi Rayvis sentado, uma mão o apoiava enquanto a outra estava suspensa no ar por seu braço estar sobre o joelho flexionado, aquela era uma pose bem popular entre modelos para revistas, só faltava... Aaaa! Ali estava, o vento fazendo os cabelos dele se moverem. Perfeita! Cena perfeita. Ele estreitou o olhar e Daph abriu os olhos.

- Por que ainda estão aqui? Saiam! Me deixem dormir.

Rayvis virou a atenção para ela se esquecendo da resposta que ainda esperava, ele apertou a bochecha dela e Daph gritou.

- Se acha que está em seu quarto se enganou, nenhuma dama deve dormir no terraço...

Ela conseguiu o morder e dessa vez ele quem praguejou puxando a mão e a balançando no ar.

- Não fale como se eu tivesse sido a única.

- É a única que ainda quer continuar. Talvez devesse pedir à tia Nes para tirar sua cama do quarto e dormir no chão já que gostou tanto.

Daph o olhou com raiva.

- Ora seu, acho que ainda não aprendeu a lição.

E ela partiu para cima dele puxando ambas as bochechas. Eu tentei conter a risada até que ela explodiu alta e eles pararam de se empurrar e beliscar voltando seus olhares para mim, Daph foi quem falou.

- Você estava tão quieta que por um momento esqueci que estava aí.

Enxuguei as lágrimas dos risos e me recompus.

- Estou aqui, Daphmis. Ainda me reconhece?

Ela piscou e olhou de mim para Rayvis.

- Vocês estão secretamente se unindo contra mim? Não vou aceitar sua traição, Lia.

Eu ri novamente aproveitando cada momento, não sabia quanto tempo teria ali, mas algo me ocorreu enquanto eles ainda discutiam, eu não sabia quanto tempo teria ali, poderia acabar no próximo segundo, poderia ser em alguns dias, poderia ser permanente e aquilo era o que mais me assustava, fosse permanente significava que eu também seria, uma quase imortal, alguém que viveria uma eternidade, sem nunca mais ver minha mãe. Tudo bem, sei como tem tantas coisas encantadoras e maravilhosas ali, mas como ela estaria, se ela viveria com o desaparecimento de filha ou acharia que nunca teve uma. Aquilo doía e ainda me preocupava quando após o jantar eu fui para o quarto e fiquei naquela beirada, as pernas do lado de fora, a neve caindo adiante deixando mais altas as montanhas enquanto eu apertava meu peito e chorava. Apenas algumas semanas, eu dizia para mim mesma e ainda... parecia quase certo que nunca mais a veria, nenhum sinal de que eu voltaria tinha aparecido, seria esse o preço de um corpo imortal? Ficar preso a ele em toda sua eternidade... Sim eu já havia desejado aquilo tantas vezes, ser uma vampira poderosa, me tornar a companheira de um lobo misterioso ou de um melancólico anjo caído. Tantas vezes e  talvez fosse pela total impossibilidade daquilo, mas sempre pareceu maravilhoso, nunca tinha imaginado que eu também pagaria o mesmo preço que aqueles protagonistas.

- Eu sabia.

Me virei e vi Rayvis, os olhos dele brilhavam como duas estrelas naquele quarto escuro, já estava tarde e não havia motivo algum para ele estar ali, quando falei minha voz saiu falhada e fraca, como um sussurro ecoando em uma caverna.

- Por que está aqui?

Ele entrou e fechou a porta, caminhou até onde eu estava e se agachou, a graciosidade com que executava cada movimento me deixou hipnotizada e mesmo quando ele ergueu a mão e tocou em meu rosto não me movi,  então ele a afastou e olhou para ela.

- Sabia que estava chorando.

Pisquei desnorteada e lembrei de seu olhar suspeito pela manhã.

- Por que?

Me virei, aquilo era constrangedor, ser pega chorando escondida era pior que descobrirem a comida que guarda secretamente no guarda-roupa.

- Não é nada.

- Talvez eu devesse pedir para Daph vir então...

Ele começou a se levantar e eu segurei seu braço.

- Não, tem razão, eu estou chorando.

Não queria que aquele lindo raio de sol se preocupasse comigo, Daph era quem mais tinha se esforçado para me fazer sentir bem ali, ela tinha gasto suas energias todos os dias para que eu pudesse rir e me integrar a eles, não queria que ela visse que mesmo com tudo que tinha feito eu ainda estava ali, chorando.

- Isso eu já sei, quero saber porquê.

O soltei e voltei a encarar as montanhas, pela visão periférica acompanhei enquanto ele se sentava ao meu lado. Suspirei e confessei.

- Estava pensando em minha mãe...

Esperei por perguntas como: quando ela morreu ou você tambem tem mãe, achei que no seu mundo vocês brotavam do chão. Ri comigo mesma por imaginar aquilo, mas Rayvis permaneceu em silêncio e eu fechei meus olhos para sentir o vento que quando se aproximava era frio, mas ao me atingir era quente, magia era mesmo incrível.

- Somos só eu e ela, uma dupla dinâmica, nos ajudamos em tudo e somos tudo uma para a outra e nunca nos separamos, mas agora...

- Você não sabe quando vai voltar.

Olhei para ele.

- Eu não sei se sequer posso voltar.

Ele retribuiu meu olhar por um longo tempo então comentou.

- Não sei como são as coisas em seu mundo, você mesma disse que lá não há magia, mas aqui temos, se quer voltar para casa, mesmo que precise percorrer todo o nosso mundo, você vai encontrar um jeito.

Não era apenas aquilo que me assustava, mas se nossos mundos percorressem linhas de tempo diferentes e eu conseguisse voltar ainda havia o risco de chegar tarde demais, ou cedo demais, se os filmes de ficção tinham me ensinado alguma coisa era que mexer com o tempo era perigoso, mas... havia tanta firmeza e certeza em seu olhar que eu não tive coragem de dizer aquilo porque ele tinha conseguido me dar uma esperança e fazer aquela dor no peito diminuir.

- Sabe, Rayvis, quando não esta tentando ser um boboca você é bem legal.

Comentei com um sorriso e ele abriu um também.

- Ser legal da trabalho.

- Obrigada mesmo assim.

E o abracei. Não sei de quê país você é, mas de onde eu venho abraços são coisas que você da quando encontra um amigo pela manhã, quando você sente saudades e também para agradecer as pessoas. Eu não sei de onde você é, mas sei que Rayvis ficou bem espantado quando o abracei e quando ele retribuiu meu abraço eu percebi que tipo de cena tinha acabado de acontecer, que tipo de papel eu estava assumindo com aquela proximidade e só podia significar uma coisa: eu teria muitos problemas pela frente.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top