A queda de Bendomar

Havia um clima de medo, pavor, que já perdurava dias. Seus pais tentavam protegê-lo daquilo, mas ele escutava uma coisa aqui, outra ali e sabia: estavam condenados. Os demônios estavam chegando. Eram fortes demais e não haveria para onde fugir.

– Tysrdan! Tysrdan! Ty!

Ty era um garoto de seis anos e brincava com gravetos, riscando a areia da praia. Ele não deu muita atenção ao chamado de sua mãe, mas então, ouviu uma gritaria. Havia desespero nas vozes e o coração do menino gelou. Sua mãe saltou a amurada de pedras que formava o quebra-mar. A maré estava baixa deixando uma larga faixa de praia cerca de dois metros abaixo. Era o desespero. Na queda, torceu o tornozelo e guinchou.

– Está tudo bem, mamãe?

Ela engoliu a dor, deixando lágrimas escaparem da lateral dos olhos. Eram olhos grandes e verdes, diferentes do seus, bem escuros como os de seu pai.

– Vamos meu filho, precisamos encontrar um abrigo.

Ele estava habituado a escalar aqueles muros, mas sua mãe teve dificuldades. Foi quando ele viu a coisa rastejando pela areia: um demônio.

– Vai, mãe! Força! – gritou desesperado enquanto a criatura que parecia a mistura de uma lagosta com um polvo, com três olhos malignos e uma enorme boca dentada avançava. Ela estava quase no topo quando um tentáculo envolveu seu tornozelo. A mãe agarrou-se com todas as forças, cortando os dedos em restos de mariscos presos às pedras. Ty pegou uma pedra solta do alto do muro e usou toda sua força para erguê-la e soltá-la sobre a criatura. O pedregulho acertou no meio dos olhos e o demônio proferiu maldições em sua língua incompreensível. Com isso, o tentáculo se afrouxou e já se rasgando conta as pedras ela subiu a despeito da dor. A mão de sua mãe, sangrando atingiu o topo e Ty fez força para ajudá-la a subir.

– Para o templo! – alguém gritou.

Já havia dezenas de demônios nas ruas. Suas formas eram grotescas e variadas. Alguns homens davam combate com armas improvisadas sem nenhum sucesso e uns poucos, com formação militar e equipamento adequado, eram derrubados com facilidade semelhante.

Mãe e filho correram para o templo antes que suas portas fossem fechadas. Vários homens seguravam os portões, mas a força das batidas indicava que não impediriam o avanço das criaturas por muito tempo.

A mãe o arrastou até os fundos do templo onde acessou a estreita escadaria que dava para o piso inferior. Ela era sacerdotiza e uma das guardiãs de um terrível segredo de família. Na catacumba, havia um pequeno labirinto cujos caminhos ela conhecia de cor. E no final do caminho, encontrou o líder da ordem, seu tio avô.

– Por que trouxe o menino aqui, Leda?

– Para protegê-lo, mestre.

– Leve-o de volta. Trouxe-o ao lugar errado, sabe disto.

Leda atirou-se de joelhos – Por favor, tio, tenha piedade.

Ele respondeu com um tapa forte com as costas da mão que a atirou no chão. A cabeça de Ty ferveu. Ele já havia aprendido uma coisas ou duas sobre brigar e tinha a altura correta para aquilo. Avançou rápido e deu um soco com toda a força que atingiu em cheio a genitália do velhote. Ele caiu e curvou-se gemendo de dor. Ouvia-se o barulho de passos pelo labirinto, mas não apenas isso, vozes grotescas numa língua estranha. Eram demônios e seguiam-nos pelo cheiro.

– Por aqui filho – Havia um grosso portão de metal no final da câmara e ela indicou uma passagem estreita de ventilação que percorria aqueles túneis. – Passe por aqui, rápido, eu vou em seguida.

Ty rastejou com os braços colados ao corpo sem raciocinar que a mãe não conseguiria passar num túnel tão estreito. Do outro lado, algo brilhava e este brilho chamou sua atenção. Assim que viu aquilo, era como se uma voz o chamasse, mesmo que não dissesse nenhuma palavra. Ty não entendeu o que viu, mas soube que era um lugar mágico. Havia um círculo de fogo com chamas brancas e leitosas. Estava muito quente ali e Ty suou intensamente. Aquilo era um forno, mas algo o fazia avançar. Seu braço passou pelas chamas e sofreu uma queimadura, mas então, o fogo recuou e então ele viu a coisa. Olhou em seus olhos. Viu suas bocas e seus tentáculos. Um longo apêndice enrugado e espiralado saiu da criatura e foi até a boca de Ty e ali, borrifou umas poucas gotas de um líquido negro e amargo.

Ele então entendeu palavras que martelaram em sua mente – Você vai crescer. Vai se forte. E quando a hora certa chegar, voltará aqui para juntar-se a mim.

E então, seu braço cicatrizou e as memórias de sua mãe, seu pai, sua cidade tornaram-se confusas e se esconderam no fundo de sua mente. Ele aguardou ali até que os demônios deixaram Bendomar para trás. E quando voltou à superfície, sabia apenas que se chamava Ty e que um dia iria retornar àquele lugar.

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