|DOIS|
Minhas placas demoram uma eternidade para processar as palavras saídas da boca do príncipe Narkys. Os fios se desprendem de meus filamentos nervosos e se emaranham em torno de si mesmos, fazendo com que a confusão de cobre aumente os níveis de temperatura corporal cada vez mais, deixando meu corpo superaquecido.
Sinto quando minhas mãos suam e internamente me questiono se é esse o momento em que meu cérebro irá enfim dar um curto ou fritar. Meu coração bombeia sangue pelas minhas veias que cortam caminho pelo meu rosto e posso sentir quando todo o meu corpo se entrega às chamas. Toda minha pele fica vermelha. Não de vergonha ou raiva, mas de nervosismo.
- Moça? - Narkys chama, seu rosto perdendo o sorriso.
Ainda mais mortificada, passo a perceber que fiquei segundos - quem sabe longos minutos? - Somente o encarando.
- Átisla. - Digo por força do hábito e logo me arrependo. Era assim que as pessoas se anunciavam antes, pelo menos era onde eu vivia. Entretanto tenho que lembrar que eu não sou mais uma pessoa e que estou mais distante de casa do que qualquer um poderia imaginar.
O príncipe me encara com certa surpresa estampada em seus olhos marrons, que logo se derretem, transformando-se em clara diversão. Todo o rosto se transforma quando o sorriso volta a vida. Quem é esse rapaz cheio do bom humor na minha frente?
- Certo Áttie, sou o Príncipe Narkys Archeron II..., mas isso é tediosamente longo. Chame-me de Narkys, Vossa Alteza Real, meu príncipe... não sei. Fica a seu critério. - Mal posso processar suas palavras, pois, assim que ele desliga o aparelho, traça caminho até mim e pega uma de minhas mãos enquanto me arrasta até o sofá no canto do quarto. Sensações de formigamento passeiam pelo meu corpo e tudo o que posso é me focar na minha mão presa entre a sua. E tudo o que eu quero é que permaneça lá, envolvida naquele calor glorioso que me mata de ansiedade a cada segundo que estamos apegados.
- Então, Áttie. Preciso de ajuda. - Ele pega um IPad do bolso do paletó e coloca no meu colo. Nele vejo um infinito de cores e opções de mescla, costura, tecido e diversas outras coisas que não entendo. Sei o que ele quer, ele disse, e começo a me sentir desconfortável com toda a atenção. - Pode me ajudar? Estou perdido, desesperado! Vê?
Desgrudo a atenção da tela e me volto para encará-lo. Segundo erro consecutivo no dia. Seus olhos adotam um olhar perdido e pidão, o lábio inferior se sobressai em um bico fofo que me faz instantaneamente agitada e de coração acelerado.
Coração bobo, idiota. Preferia mil vezes que fosse artificial. Talvez não se sentisse tão vivo assim, talvez eu não o sentisse tão poderoso enquanto se debate inutilmente contra minha caixa torácica, enlouquecido para sair para fora.
- Hum... é... desculpe, Alteza. - Gaguejo tentando desesperadamente fugir de suas inocentes artimanhas. - Não faço ideia de como fazer isso.
- Eu confiei em você, Áttie. Pensei que ajudaria. - O olhar que me lança, apesar de ser brincalhão, ainda contém um traço de decepção. Ele está realmente preocupado e isso faz com que algo se aloje em minha garganta como uma pedra, pois não sei como ajudá-lo e eu queria. Esses pensamentos deprimentes e indecorosos corroem-me e me deixam alarmada. Que droga, Átisla. Que droga de cérebro e coração.
- Perdão - digo hesitante, não sabendo exatamente como ele levará minha crítica, porém sua clara curiosidade me faz continuar: -, mas por que não contrata um profissional?
- Tenho certeza que fiz essa mesma pergunta há minutos atrás para minha equipe, mas infelizmente não consegui ouvir a resposta. - Levando a mão ao queixo, Narkys alisa-o contemplando a ideia e decididamente saca o telefone que havia guardado no bolso, digita algo e o leva a orelha. - Alô? Oi. Sim... pode por favor dizer que preciso dos serviços da senhorita Kaine?... Quem é? Ah, desculpe. É o príncipe Narkys Archeron II. - Uma pausa muito longa. O silêncio reina dentro do quarto. - Isso. Peça para que ela venha ao palácio.
Enquanto o príncipe continua sua conversa, meu relógio de pulso emite um novo bipe e, ao olhar para ele, vejo a seguinte mensagem:
- 15 Minutos: cuidar do jardim. Tempo de duração requerida: 45 minutos. Prioridade: 2.
Encaro o quarto e fico perdida, não sei o que fazer. Ao fundo posso ouvir a voz do príncipe, cuidando dos preparativos do baile que vai ter, entretanto minha mente está presa no problema atual. No meu problema. Não posso limpar o quarto com o príncipe nele, além disso tenho outras coisas para fazer, coisas que não posso deixar para depois, ou todo o cronograma terá que ser mudado.
Tão silenciosamente possível, me afasto e vou recolher minhas coisas. Minhas mãos tremem, sofrendo pequenos espasmos nervosos, pois não tenho como saber se deixar de arrumar o quarto do príncipe Narkys irá ser um grande problema para mim.
Quando pego os baldes praticamente intocáveis e os demais produtos de limpeza, uma mão segura meu pulso e o coração dispara. A caminhada que eu estava prestes a fazer até a porta é interrompida de modo abrupto por Narkys. Me amaldiçoo por gostar tanto do que seus toques me provocam. Uma deliciosa tortura que ele não sabe que comete, mas que deveria perceber. Talvez só assim parasse de me tocar direto.
- Espere. - Tento evitar seus olhos, mas é uma batalha inútil. São lindos, como chocolate derretido, doces como o mesmo e aquecidos quando fervido. Era sublime o modo como, mesmo sem querer, me convidavam a olhar mais profundamente como se quisesse que eu lesse sua alma através deles.
Pisco com força e dou um jeito de sair do transe no qual fui fortemente comedida. Vossa Alteza tinha um charme incomum e nem mesmo parecia ciente disto.
- Alteza? - Questiono, enquanto seus olhos devoram os meus. Dá uma vaga impressão de que quer desvendar meus segredos mais sombrios. E isso me assusta e me faz querer suspirar de um bom modo. Me faz querer convidá-lo a me desvendar.
- Vai estar aqui amanhã?
A pergunta estranha me pega desprevenida e eu assinto, liberando uma informação que ele claramente deveria saber:
- Sim. Estou aqui todos os dias na mesma hora.
Assentindo satisfeito, Narkys se afasta e me guia para fora de seu quarto, levando algumas coisas consigo. Fico tocada pela sua ajuda, mas meu defeituoso cérebro logo dá um jeito de me dizer que, se ele soubesse que sou um sinóptico, parte fios, placas, ferro e Led, não seria esse o tratamento que estou recebendo agora.
- Ótimo. - Diz quando chegamos na porta do quarto. Ele me dá um sorriso largo e acena. Não entendo suas ações. O príncipe é... estranho, para não dizer o mínimo. Tão diferente de como se comporta quando normalmente o vejo. Ou pelo menos é isso que deixa transparecer. - Tenha um bom trabalho Áttie. - Com uma careta confusa no rosto, apenas balanço a cabeça e cambaleio para fora. - Ah, pelos deuses, use um carrinho da próxima vez. Temos milhares deles pela casa. - Casa? Ele chama esse lugar enorme de casa? Chacoalho meus pensamentos para longe e o observo enquanto me instruí. - Tão pequena e anda assim, carregando essas coisas pesadas. Como não quebrou o pescoço ainda?
Meus pensamentos correm acelerados tentando acompanhá-lo, mas isso torna-se impossível. Tudo o que minhas placas podem fazer é transferir um aviso com as irritantes letras vermelhas e prateadas ao meu visor, informando uma sobrecarga de informações no meu cérebro que não conseguiam ser arquivadas corretamente.
Ouço seu telefone tocar novamente e ele o levar a orelha. Vejo que esta é a minha deixa para sair. Arrasto as coisas pelo corredor enquanto o príncipe sorri para mim e sussurra um discreto adeus. O cérebro derrete e leva junto com ele meus cabos feitos de cobre enrolados em plástico. Entretanto, internamente me pergunto onde ele enfiou seu cavalheirismo. Custava ajudar ou mandar alguém me ajudar com essas coisas?
Antes de desaparecer no corredor o vejo gesticular calorosamente enquanto fala ao telefone. Sua expressão irritada é tão engraçada que um sorriso me escapa e a confusão que me dominava se dilui. Narkys Archeron II é alguém totalmente diferente de quem eu havia construído, em minha cabeça. Não conseguia mais relacioná-lo ao cara que escreveu um anúncio preconceituoso há momentos atrás, nem a figura intimidante que ele representava a cada vez que o via.
O príncipe regente Narkys é, para mim, apenas alguém que não fazia ideia de como combinar cores para a decoração de sua própria festa. Alguém que levava baldes e tocava pessoas sem nenhum pudor ou pensamentos de que, talvez, estivesse atravessando um espaço pessoal.
Narkys é de repente mais humano do que aparentava ser, e se possível só o tornou ainda mais atraente. Nunca a humanidade soou tão perfeita para mim quanto hoje.
(1475 palavras)
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