|CINCO|

- Não, não, não, não... péssima ideia. Não.

Eu vou explodir!

- Não pode me negar isto, Áttie. Se negar, serei obrigado a te jogar em uma das nossas masmorras reais. Você não quer isto, eu suponho.

Ele me arrastou para seu quarto. O que seria totalmente inconveniente se eu já não tivesse pisado aqui milhares de vezes. Disse que nos corredores poderiam haver passarinhos fofoqueiros e invejosos para bicar as migalhas de nossas conversas. Os passarinhos eram os outros criados.

Eu não sei porque fiz isto. Porque o segui. Mas estou aqui e reconheço agora que foi uma péssima ideia... péssima mesmo.

- Não vou a bailes. Não sou princesa, nem duquesa, nem modelo, nem nada disso que você quer que eu seja, Nar... Alteza. Sou sua criada. Eu limpo o seu chão e tiro pó do seu globo. Enfileiro seus livros e dobro suas roupas. E é só o que eu sei fazer.

Ele franze o cenho e cruza os braços, deixando as curvas dos bíceps evidentes demais por baixo da camisa branca. Eu novamente tropecei na armadilha dos meus próprios pensamentos.

- Olhe nos meus olhos, Áttie.

Não posso.

- Olhe nos meus olhos e responda com toda a sinceridade que você tem... quer mesmo isso para o resto da sua vida? Ser minha criada para sempre?

Os fios cinzentos de minha massa cerebral se derreteram tentando formular uma mentira convincente. Mas fracassaram.

- Foi o que eu pensei – ele afirma sério, porém, se sente vitorioso – Olhe, eu vou te realocar. Você pode afirmar que não tem talento algum, mas eu sei que isso é mentira, Áttie. Só está sendo modesta. E já que não está sendo transparente comigo neste aspecto, vou marcar um teste de aptidão na quinta. Ah... com certeza eles vão achar algo digno para você. Algo que lhe de o devido valor. Mas até lá, terá que aceitar meu convite.

Mordo o lábio superior, arrancando uma pontinha de pele morta dele.

- Alteza... eu aceito a realocação, o teste, qualquer coisa e aprecio muito vossa bondade. Mas não posso aceitar o convite. Eu não tenho classe alguma. Não danço, não tenho modos. Irei fazer vossa alteza passar vergonha.

- Não pode estar falando sério, Áttie. Olhe para você. Vem cá...

Ele segura levemente em meus ombros e me colocou diante do espelho. Meu sangue congela nas veias e depois se derrete em milésimos de segundos. A veia do meu pescoço pulsa tanto que, quase involuntariamente, coloco a mão para checar se está visível.

- Olhe para si mesma.

Tiro meus olhos dos meus pés e encaro a garota baixa no reflexo luminoso do espelho alto. Atrás dela, uma das coisas mais lindas que Deus já criou.

- Olhe... – ele insiste.

Eu me olho. Loira, modesta, pálida demais, encolhida demais. Aberração de fios em uma caixa craniana.  Narkys se coloca em minha frente, cobrindo meu raio de visão.

- Áttie – é tão doce a forma que meu nome sai de seus lábios – Como eu poderia passar vergonha com alguém tão... eu não tenho letras, silabas ou palavras para definir com exatidão... Linda é um eufemismo para você. Você é sobre-humana.

Não há oxigênio o suficiente aqui. Ele foi trocado por fogo. O ar todo é fogo e a proximidade de Narkys está me sufocando e eu estou adorando isso. Ser sufocada nunca pareceu tão bom quanto é agora.

- Diga que vai ao baile, Átisla. – Ele sussurra e seu hálito suave de menta bate em minhas bochechas.

Eu inspiro o ar que ele expira. Tudo o que posso enxergar são seus olhos, como uma cascata amendoada se misturando ao lago dos meus. Dedos roçam a pele da minha nuca e, travessos, tocam as bases do meu cabelo. E seus lábios estão tão próximos... quase unidos aos meus e eu sinto que definitivamente é o meu fim. É como ir até o céu e despencar em uma queda livre. Meu coração definitivamente para quando seu lábio inferior toca o meu superior. E neste diminuto segundo, um barulho de vibração afasta o príncipe de mim em uma velocidade humanamente impossível.

- Fala – ele atende, completamente atordoado – O que? Me ligou pra isso?! – O tom sobre um pouco, em indignação e eu tento focar em suas reações para não ter que lidar com as minhas. Acho que meu corpo inteiro vai entrar em colapso. – Não... a resposta é não e... eu vou discutir isso melhor na sexta, ok? Agora estou focado nas festividades. Me assistente estará disponível para esclarecer demais dúvidas. Boa tarde.

Narkys está com os olhos feridos. Os ombros murchos... é como uma criança que acaba de perder seu brinquedo favorito.

- Você... vai não vai?

Eu sou burra... totalmente teimosa e imprudente. Rebelando-me contra mim mesma e todos os meus extintos de dizer não, respondo com um sorriso leve:

- Vou!

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Meus olhos não descansaram o sono até sábado. Não sabia que um ser humano, por mais sinóptico e estranho que seja, poderia ficar tantos dias sem dormir. Mas não importava quantas vezes eu virava na cama... nada era capaz de me fazer desligar-me do mundo sem graça que, de repente, ficou tão maravilhoso. Até agora não consigo esquecer nosso quase beijo. Um segundo poderia valer mais que um ano? Para mim sim. Gostaria de poder trancar aquele segundo em meu coração, e depois trancar o meu coração no lugar mais distante do globo e não permitir que ser algum chegue até este lugar.

Eu sou tão ridiculamente exagerada. Acho que a confusão poética dos meus sentimentos irá me levar a minha própria ruína. Ou isto ou minhas decisões estupidas.

Narkys insistiu que uma equipe viesse me ajudar com os preparativos para o baile, porém pedi-lhe que me deixasse eu mesma me arrumar, já que seria demasiado constrangedor que meus colegas de serviço me arrumassem para o baile.

“Tudo bem, isso não vai ser problema. Você... não precisa se arrumar muito. Você já é estupidamente bela sem esforço algum”, foi o que ele disse.

E eu não sei o porquê disso. E eu me sinto mal por estar desenvolvendo tais sentimentos nele. É como se eu estivesse o enganando. Eu tenho certeza de que se ele soubesse o que eu sou, com certeza não ia me achar tão atraente quanto vem achando. Mas o que eu posso fazer? Meu coração me arrastou para essa encruzilhada. A razão trava uma batalha intensa com a emoção. E a razão está perdendo feio.

Por mais que ele tenha desistido da tal equipe, no final da tarde de hoje, ele deixou um vestido vermelho posto sobre a cama e um kit de maquiagens fofo. Um bilhete escrito a mão, em uma letra bem garranchada – coisa chocante para um príncipe praticamente perfeito:

“Áttie, fique linda à sua maneira. Não que você seja linda. Com certeza não é.

Narkys. ”

Um sorriso veio instantaneamente com suas palavras e comecei ansiosamente a me arrumar.

Faz meia hora que estou no salão principal do castelo, tão bem iluminado pelos vitrais das janelas e os cristais dos três lustres gigantescos de vidro sobre nossas cabeças. Não consigo impedir o pensamento mórbido do caso deles caírem. Todos conhecem uns aos outros, exceto eu, de forma que fico zanzando pelos corpos ricos dos convidados do príncipe. Mas quando uma voz anuncia a entrado do príncipe, minhas mãos suam. Tento limpa-las na saia do vestido.

- Vossa Alteza Real, o Príncipe Regente Narkys Archeron II.

Ele está maravilhosamente incrível com um smoking preto e gravata vermelha. Então me dou conta de que ele combinou com as cores do meu vestido. Somos como um casal de formandos adolescentes... namorados inseparáveis que vão ao baile combinando. Deus eu sou tão patética.

Ele cumprimenta alguns ao longo do caminho e chega até onde estou. Pisco algumas vezes. Ele saiu de um conto de fadas.

Quando está perto, ele toma a minha mão sorridente.

- Eu disse que você não era linda. Você está horrível hoje – ele diz em tom brincalhão, mas parece abismado.

Eu rio como uma garota abobada. Como se ele houvesse declamado para mim os poemas mais românticos de todos os tempos.

- Vamos dançar, minha Áttie?

E eu assinto, tentando conter o sorriso gigante e bobo que quer rasgar meu rosto. Ele, respeitosamente, coloca as mãos na metade das minhas costas e me guia para o início de uma dança fantástica.

Eu não sei se o mundo gira, ou se nós estamos girando, ou se minha mente está... Só que eu sinto que eu poderia flutuar. Flutuar até o céu como uma bolha de sabão e estourar, dissolvendo-me no ar, com a água do tempo rarefeito. Logo após tudo isso, posso virar chuva e cair sobre a Terra, trazendo um frescor sem igual e irrigando os lençóis freáticos. E voltaria ao início de tudo, repetindo e repetindo este ciclo suave.

Após muitos minutos, e muitos olhos sobre mim e o príncipe, vamos até uma das sacadas adjacentes ao salão. Ele toma minha mão e fica olhando para a noite completamente ausente de nuvens. Depois, para mim. E eu sinto que vou morrer de felicidade eu viver por ela.

- Áttie...

Desta vez eu tenho coragem de olhar para ele.

- Eu sei que a situação entre nós é meio estranha, e eu acabei de te conhecer. Mas não... paro de pensar no que quase aconteceu da última vez que nos vimos.

Ele dá alguns passos, encurtando o espaço entre nós.

- Mas eu sequer te perguntei... eu... não estou sendo claro em relação ao que eu sinto, mas sei que está implicitamente explícito, se é que isso existe.

Sua mão envolve a minha e eu estremeço.

- Sequer te perguntei se era mesmo o que você queria. Áttie eu posso ser seu líder, mas por favor não faça nada que realmente não queira. Eu quero... Droga, por que não consigo dizer sequer uma sentença coerente?!

Caio na estupidez. A estupidez de selar meus lábios nos seus, interrompendo qualquer palavra que ele poderia pronunciar. Ele fica estático e eu amolecida feito gelatina. Os lábios são tão macios quanto eu esperava, porém não me correspondem. Retiro meu beijo, inundada de vergonha. Ele parece sério. Até um tanto... irritado.

- Me desculpe, me desculpe, alteza.  Eu entendi tudo errado... eu não...

Minhas palavras foram capturadas pelos seus lábios ternos. Seus dedos voltaram a minha nuca e, em sincronia, os meus foram até seus cabelos castanhos. O beijo que começou tímido, agora se intensifica como uma música subindo de notas, das mais agudas até as graves e estridentes. Seu beijo é grave, estridente, incessante e alto. É uma sinfonia caótica de notas e falsetes irregulares que soam desafinados, mas ao mesmo tempo compostos com cuidado e sincronia.

E quando finalmente ele se desprende de mim, eu só consigo pensar que estou viciada em vossa alteza. Quero muito mais dele do que eu sequer deveria me permitir.

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