✻Cᴀᴘɪ́ᴛᴜʟᴏ 7

  Verifiquei minha aparência no espelho após a última escovada. Meu cabelo estava bonito e com um brilho especial.

Saltei da cadeira com bom-humor naquela manhã.

Ao abrir a porta, encarei o Soldado Lukas com um sorriso gentil, o que substituiu o meu “bom dia”, entretanto ele me respondeu com um olhar estranho. Era um olhar de pena. Apenas um olhar de pena. Sua reação me deixou muito embaraçosa. Passou-se muitas possibilidades em minha mente.

Será que alguém estava doente? Meu pai descobriu minhas saídas às escondidas e estava furioso? Eu me atrasei demais para o café? Ou ele simplesmente tinha dó de mim por ser tão sozinha? Eram inúmeros questionamentos.

Eu pensei em ignorar. Talvez aquilo fosse paranoia minha, ou ele realmente tinha pena da Princesa, mas nunca conseguiu demonstrar.

Desci as escadas sem pressa, mantendo a postura primordial de uma princesa.

Eu já havia esquecido aquela história, todavia assim que me direcionei à sala de jantar, cruzando um longo corredor, percebi que os empregados que passavam por mim também agiam de forma esquisita.

Todos os criados me reverenciaram, como de costume, mas de uma forma muito rápida. Eles pareciam ter um compromisso urgente, e também estavam com olhares cabisbaixos que tentavam inutilmente disfarçar.

Eu não compreendia. Havia um mistério naquela manhã no Palácio. Algo estranho estava acontecendo e eu precisava descobrir o que era.

Enquanto caminhava, acelerava os passos cada vez mais, com os pelinhos dos braços arrepiados. 

Ao chegar no meu destino, fiz uma breve reverência assim que avistei meu pai sentado à mesa. Ele já havia terminado sua refeição matinal, já que sua louça estava sendo recolhida por alguns criados, contudo ele estava ali com as mãos cruzadas sobre a mesa. Ele parecia pensativo com seu olhar baixo, como se estivesse distante.

Me sentei à sua frente, quieta. Olhei todos de soslaio, esperando o árduo silêncio se esvair daquela sala.

— Todos estão tão desanimados hoje, papai. E nem é segunda-feira — comentei risonha, tentando extrair o clima pesado que estava instalado no local, mas ninguém riu com minha tentativa de piada.

— Helena! — Meu pai se assustou ao levantar a cabeça e perceber minha presença. O olhei demasiadamente confusa.

Não dava mais para ignorar. Embora eu tivesse acordado com um ótimo humor, algo muito estranho estava acontecendo naquele Palácio, e eu precisava descobrir o quê. 

— O que foi? O senhor também está... estranho — concluí, e em seguida sorri para a criada que encheu minha xícara com o meu chá predileto, mas ela permaneceu séria.

Com o movimento de sua mão, meu pai sem dizer sequer uma palavra dispensou os empregados da sala de jantar. O observei aflita, sem entender o porquê de sua atitude.

— Papai, o que está acontecendo? — perguntei.  — Estou começando a ficar preocupada. Me conte logo por que todos estão agindo assim, por favor.

— Minha querida. — Sua voz saiu baixa. Ele me olhou com uma expressão dolorosa, o que fez meu coração bater mais rápido, e minha atenção se voltar totalmente a ele. — É algo difícil de contar...

— Pai, está me deixando agoniada! — exclamei impaciente, e sem mais me importar com minha postura.

— É que... recebemos uma notícia hoje cedo. — Minha respiração ficou mais alta, as mãos suavam frias. — Margaret sofreu um acidente na estrada.

Eu não acreditei no que estava ouvindo. Naquela altura eu conseguia ouvir as batidas do meu coração. Minhas mãos estavam tremendo, os olhos arregalados, e meu pai esperava minha resposta com uma expressão preocupada no rosto.

— Mande que levem ela para o hospital! Mande que levem ela para o melhor hospital deste Reino! — exigi sem nem conseguir escutar o que eu mesma dizia.

— Helena, Margaret não sobreviveu — ele soltou as duras palavras de olhos fechados. Era mentira! Ele só podia estar mentindo para mim!

— Não! Não é verdade. Vocês estão fazendo aquelas pegadinhas famosas daqueles países democráticos. Estão querendo brincar comigo. — Eu ri, mas era um riso nervoso.

— Eu realmente queria que fosse, filha. Mas a carruagem perdeu o controle ao passar pela ponte para voltar ao Reino e caiu do monte. Os médicos fizeram tudo o que estava ao alcance deles e.... — Eu não ouvia mais nada que meu pai dizia. Comecei a escutar um zumbido insuportável no ouvido e olhei fixamente para o nada.

— NÃO! — gritei quando finalmente me dei conta do que havia acontecido. — Não! Não! Não pode ser! — berrei mais uma vez, sentindo um rasgo no meu coração. As lágrimas quentes desciam desesperadamente pelo meu rosto. Parecia que a qualquer momento tudo ia sumir.

— Helena….

— Eu quero ver ela! Eu quero ver ela agora! — gritei mais alto, com a voz trêmula, quase esgotando todo o fôlego do meu pulmão.

Senti minha garganta com um nó entalado, eu tinha a sensação de que ela estava queimando.

Continuei a berrar e berrar sem parar. Meu pai tentava me acalmar, mas era impossível naquela ocasião. Eu quase não tinha voz, mas continuava gritando, e a crise de choro aumentava cada vez mais. Meu corpo todo estava quente, minha respiração desregulada, mas o pior era o que eu sentia dentro do peito. A mesma sensação que tive quando perdi minha mãe.

Uma sensação inexplicável e que não parecia ter fim.

Meu pai estava na minha frente, tentando controlar meus gritos ensurdecedores, mas eu me remexia sem parar. Eu surtei. Eu não sabia o que fazer e nem para onde ir.

Eu só queria que aquilo parasse. Eu queria um abraço, eu queria Margaret comigo de novo. Eu não conseguia aceitar.

De novo não.

Os guardas vieram me segurar, mas meu desespero naquele momento era mais forte do que todos eles juntos.

Parecia que a qualquer hora as lágrimas iam inundar meu rosto, me afogando em minha própria dor. Uma dor sufocante.

Quando eu parei de me remexer no mesmo lugar, olhei para todos os lados, mas ela não estava lá. Foi quando minha visão ficou turva e minha cabeça começou a girar. Meu pai dizia algo para os empregados, mas eu não escutava. Minha visão foi ficando cada vez mais borrada, até se tornar completa escuridão e eu sentir meus joelhos vacilarem.

⚡👑⚡

Abri os olhos aos poucos. Minha cabeça doía um pouco e meus olhos ardiam por causa do inchaço. Eu estava confusa, e fiquei ainda mais quando vi à minha frente meu pai, o Soldado Lukas e a Enfermeira Principal.

— Ela acordou, Majestade — a enfermeira avisou com as sobrancelhas erguidas.

— Filha! — Todos me olhavam preocupados, inclusive o Soldado.

— Acho que tive um sonho horrível...

— Minha filha. — Meu pai pegou a minha mão carinhosamente. — Infelizmente não foi um pesadelo. Você não deve se lembrar de muita coisa porque teve um ataque de ansiedade e acabou desmaiando.

— Mas não se preocupem. A pressão dela abaixou por conta da notícia, mas ela já está bem. Só precisa descansar. Imagino que deve estar com o corpo um pouco dolorido por causa do estresse e cansaço. — A enfermeira me olhou.  

E ela tinha razão, meu corpo estava dolorido, mas não se comparava ao buraco que havia sido cavado em meu peito. Eu me sentia quebrada.

Aquilo parecia o pior dos pesadelos, e não podia ser real que minha segunda mãe estava morta. Eu nunca mais a veria. Eu não pude ao menos me despedir como fiz com minha mãe.

A única pessoa que me restava morreu e quando me dei conta só consegui chorar, mesmo com os olhos ardendo eu chorava, pensando que de alguma forma aquilo aliviaria minha dor. A dor da perda, que nunca pensei que sentiria novamente.

— Margaret se foi. Ela está morta.... — disse para mim mesma, com a voz fraca.

Eu recebi todo o consolo que podia, mas o consolo e colo de quem eu queria, eu não poderia mais ter.

Todos me deixaram descansar um pouco sozinha, que era o que eu queria e precisava naquele momento. Depois de chorar até não conseguir mais, eu fiquei um tempo encarando o teto deitada. Ainda não parecia ser verdade.

Eu ao menos consegui dormir um pouco e descansar o corpo, entretanto o coração não estava nem um pouco descansado.

Era agoniante saber que eu jamais a veria novamente. Saber que ela havia partido para sempre.

Depois que me acalmei um pouco, respirei fundo e me levantei para tomar um banho quente. Todos estavam sendo extremamente gentis, até os empregados que não gostavam de mim.

Encarei mais uma vez meu vestido preto no espelho. Eu só usava um traje desses em enterros, mas nunca imaginei que teria que usar mais uma vez. Eu não me importei em me maquiar, pois as lágrimas iriam desmanchar tudo.

Coloquei pouquíssimas joias, e quando estava pronta desci para o primeiro andar. Tentei ao máximo ser rápida, já que não suportava os olhares de dó.

No caminho eu permaneci em silêncio. Meu pai ficou ao meu lado o tempo todo, e decidiu que nem ele e nem ninguém no Palácio precisaria trabalhar naquele dia, então fechou os Portões Reais.

No Cemitério Real, fizeram todos os procedimentos comuns e necessários para um enterro. Margaret recebeu uma linda e digna homenagem no velório, por ter sido a mais leal das empregadas, que cuidou de nós por tanto tempo, ao ponto de ser considerada praticamente da família.

Depois de todos fazerem seus emocionantes discursos, chegou a hora de se despedir. Em seu caixão, coloquei um girassol, que era sua flor favorita, pois segundo ela a fazia recordar de sua infância.

Antes de colocar a delicada flor lá, beijei a fotografia no caixão de olhos fechados e respirando fundo. Uma lágrima solitária brotou em meu rosto, mas eu logo a limpei.

— Adeus, Margaret. Você sempre estará no meu coração — disse baixinho, sentindo uma torturante dor tomar conta do meu ser.

Corri para os braços de meu pai. Eu o segurei com força e ele afagou minha cabeça. Eu já tinha chorado, mas minha vontade era chorar ainda mais.

A angústia me sufocava, mas precisei ser forte e cumprimentar todos que me deram “pêsames” antes de ir embora.

— Venha, Helena — meu pai chamou. Antes de ir até a carruagem, olhei mais uma vez para onde o corpo de Margaret havia sido enterrado, e em seguida me virei, pegando cuidadosamente em meu vestido para ele não encostar no chão; e desse modo fui rumo ao Palácio.

Na janela, percebi quão lindo o dia estava. O arco-íris deixava tudo ainda mais belo, entretanto para mim tudo parecia escuro e sombrio. E as lembranças deixavam tudo ainda mais doloroso. 

— Pare de se mexer, Helena! Vai acabar se machucando — Margaret contestou.

— Mas vai doer — choraminguei.

— Mas e se não doer? — questionou risonha.

— Na dúvida, prefiro não arriscar. — Cruzei os braços com um biquinho dramático.

— Helena, é normal que crianças tenham medo de experimentar coisas novas, mas precisa se esforçar.

— Não é coisa nova! Eu já tomei vacina uma vez e doeu muito. A enfermeira sempre diz que é só uma picadinha de formiga, mas não é não — reclamei emburrada.

— Lembra quando você cavalgou pela primeira vez? — Afirmei que sim com a cabeça. — Sua mãe ainda estava conosco, e insistiu para você tentar. Depois de relutar muito, você conseguiu, e não caiu como pensou que cairia. E hoje ama montar.

— Bom, você tem razão, mas a vacina eu sei que realmente dói — afirmei, ainda de braços cruzados.

— Não vou mentir para você, Helena. Tomar vacina dói um pouco sim, eu entendo. Só que existem algumas coisas que por mais que doam, possam ser necessárias.

— Como assim?

— Se você não se vacinar, pode adoecer. E sei que você não gosta de ficar doente. — Refleti com sua fala, porque aquilo era de fato verdade.
— E a vacina pode doer, mas vai te deixar mais forte e imunizada, porém você não pode fugir da dor que ela traz antes disso acontecer. Então vamos ao menos tentar.

— Você promete que vai ficar ao meu lado quando a enfermeira aplicar a agulha no meu braço? — perguntei.

— Sim, não se preocupe. — Ela pegou minhas pequenas mãozinhas. — Seja forte e corajosa, minha menina.

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