✻Cᴀᴘɪ́ᴛᴜʟᴏ 5
A batida na porta interrompeu minha envolvente leitura. Aquele som já me era familiar. Familiar em me tirar da cama em dias preguiçosos.
Resmunguei baixinho. Eu estava prestes a descobrir quem era o assassino, mas não seria mais possível.
Já de pé, abri a porta. O que vi originou uma indagação em mente. Na verdade, muitas indagações. Analisei o Soldado de cima a baixo, esperando ele dizer algo, de braços cruzados.
— Isto é para a senhorita, Princesa. — Arqueei a sobrancelha ao ver que o soldado possuía um buquê em suas mãos.
— Para mim? — questionei irônica. — Creio que o Rei não acharia nobre de sua parte me dar flores, Soldado.
— Ah! Não me entenda mal, Alteza. Não sou eu quem estou dando estas flores para a senhorita.
— Minha nossa! Perdão, Soldado...
— Lukas. Sou o Soldado Lukas Santoro — afirmou em um rápido gesto de reverência.
— Ah, sim. — Afaguei meu próprio ombro com a mão. Eu olhava para baixo. Com vergonha, claro. — Então de quem são essas flores?
— Sinceramente, não faço ideia. Estas flores foram colocadas em sua porta ainda cedo. No momento eu me encontrava ausente, estava bebendo água — explicou.
— Tudo bem. Não precisa se justificar. — Pausei para pensar. — Vou pegá-las. Obrigada por me avisar, Soldado Lukas.
— Não há de quê — respondeu com sua perfeita postura, e os braços atrás do corpo.
Eu sorri amarelo e retornei ao meu quarto. Eu já havia passado vergonha demais para um dia que mal tinha começado.
O perfume das flores já havia passeado pelas minhas narinas outrora. A carta caprichada, assim como da última vez. Era ele. Era o meu mais novo admirador secreto. Muito secreto.
A abri ligeiramente, sem depositar minha paciência em poupar a conservação do papel. O bilhete era muito simples e direto:
“ Do seu admirador secreto. ”
Eu não compreendia tamanho mistério, mas não podia negar o quanto aquilo me divertia. Eu gostaria de descobrir, de ir atrás, mas preferi deixar tudo fluir para ver até onde esse admirador secreto queria chegar.
Observei as belas flores à minha frente. Eram lindas margaridas. Margaridas encantadoras. Independentemente de quem fosse, eu sabia que a pessoa ao menos tinha um bom gosto.
Tratei de por hora esquecer o incidente. Quando me dei conta de que passei a maior parte do dia lendo, troquei minha camisola de seda rose por um vestido leve e delicado, como a maioria dos que eu usava no dia a dia.
Desci as escadas pensativa. Eu estava atrasada para o café da manhã. Meu pai já devia ter terminado o dele fazia muito tempo.
Recebi todas as reverências dos empregados com um gentil sorriso no rosto. Margaret ainda estava ali, de pé me esperando.
— Margaret? — Sentei. — Me esperou esse tempo todo?
— Claro, minha menina. É o meu trabalho. — Ela sorriu, permanecendo com sua postura formal.
— Deve estar com fome e cansada de me esperar tanto. — Olhei para todos os lados. Os outros empregados já haviam ido embora. Todos me receberam e saíram, mas Margaret ainda estava de pé ao meu lado.
— Chá, café ou suco natural? — questionou. Ela tirava as tampas das bandejas prateadas e me servia.
— Margaret, essa não é sua obrigação. Quem serve as refeições são as outras empregadas — afirmei. — Não vou cobrar que elas estejam aqui porque me atrasei e foi erro meu, no entanto não quero que você faça o trabalho delas.
— Então quem vai servi-la? — Seu olhar estava de fato preocupado.
— Eu tenho mãos. Posso muito bem colocar a comida da bandeja em meu próprio prato.
— Eu sei, minha menina, mas não quero ficar sem utilidade.
— Você não ficará sem utilidade. Sente-se aqui. Preciso de companhia. — Apontei para a cadeira que estava ao lado da minha. Margaret arregalou seus olhos e me observou.
— Não é adequado. — Ela negou com a cabeça.
— Margaret, minha mãe ficaria chateada se soubesse que você não quer aceitar me fazer companhia.
Eu tive que apelar.
— Está bem, está bem. — Sorri assim que ela finalmente se deu por vencida.
— Recebi mais flores esta manhã. — Despejei o chá em minha xícara. — Eram do admirador secreto.
— Jura? — Margaret levou a mão à boca. — Esse rapaz deve estar muito interessado.
— Sim. Estou curiosa para descobrir quem é esse admirador misterioso. — Soltei leves risadas.
— Imagine se for um belo pretendente. — Margaret se aproximou como se fosse contar um segredo.
— Belo eu não sei, mas criativo e romântico, talvez. — Abri um sorriso ainda maior. Eu tentava imaginar o que mamãe diria se eu a contasse.
Posteriormente, terminei meu café da manhã como normalmente fazia. Tudo estava no maior capricho, o que não me era novidade.
Após terminar minha higiene bucal, subi as escadas e me direcionei ao corredor, a fim de ter um momento de descanso em meus aposentos.
— Princesa. — Virei-me ao ver que o Soldado Lukas me chamou.
— Sim?
— Trago ordens reais. Seu pai, o Rei Olavo, mandou avisar que seu encontro é em menos de cinco minutos. Ele deseja que a senhorita compareça na sala de jantar — ele disse sem ao menos me olhar diretamente.
— Outro príncipe? — perguntei em indignação, mas não obtive resposta alguma.
Respirei fundo. Quando eu pensei que tinha me livrado daqueles príncipes chatos, mais um me apareceu.
Eu não tinha a menor vontade de ir até lá, mas quanto antes isso acabasse, melhor. E seria preferível não questionar meu pai e ocasionar uma discussão desnecessária.
Cruzei o corredor e desci as escadas o mais rápido que pude. Eu nem havia colocado uma vestimenta mais adequada para a ocasião, contudo essa era a consequência de marcarem encontros para mim sem pelo menos me avisarem.
Eu iria precisar frear minha língua afiada e tentar aguentar o tédio na presença de mais um príncipe que mal conhecia.
— Onde está o príncipe que veio me ver? — indaguei para um dos empregados ao chegar na sala de jantar.
— Ele subiu ao seu quarto, Alteza. Ele estava um pouco agitado e não queria esperar mais. — Ergui as sobrancelhas incrédula. Pelo visto o Príncipe era um pouco impaciente.
Quem dirá como seria em nosso casamento se eu me atrasasse como na tradição da noiva.
Retornei ao andar de cima, tentando não ficar furiosa. Ele havia me feito descer à toa.
— Princesa Helena! — o Príncipe exclamou ao me ver.
— Você deve ser o Príncipe Filipe. — O analisei. Ele era bonito, eu não poderia negar. Seu cabelo loiro aparentava ser muito sedoso e bem cuidado.
— Sou eu sim, senhorita. Vindo diretamente do reino Listra. — Ele sorriu gentilmente. — Me concede a honra de ser acompanhada para um passeio?
— Não, obrigada. — Retribuí seu sorriso. Sua face apresentou uma reação de que ele não estava crente no que havia escutado. — Se o que você quer é me conquistar, pode falar o que deseja aqui mesmo.
— Ah, sim. Claro — ele respondeu meio desconcertado. Quando seu serviçal começou a me entregar diversos presentes, fiquei confusa.
Ele estava querendo me comprar com aqueles presentes caros?
O pior é que estavam enchendo meus braços de presentes. Eu já estava quase perdendo o equilíbrio com tanto peso que haviam depositado em meus delicados bracinhos.
Ele não teve coragem de me perguntar se eu queria, ou de falar o que estava me dando. Com certeza ele não devia ter comprado nada daquilo. Certamente seus criados o fez.
No mesmo instante, me cansei de segurar aqueles mimos ridículos. Eu mal podia respirar. Larguei todos no chão imediatamente. O Príncipe Filipe me olhou surpreso, assim como seu serviçal.
— Eu já tenho dinheiro o suficiente. Não preciso de nada do que você me deu — afirmei de braços cruzados.
— Não tem algo que você queira muito? Algo que seu pai não queira te dar? — Fiquei boquiaberta com a ousadia dele.
— Sinceramente? Acho que gostaria mesmo é de não ter esses encontros com príncipes chatos e metidos, e muito menos de ser pressionada a me casar com qualquer um deles — declarei, curta e grossa.
Pelo canto dos olhos, reparei que o Soldado Lukas disfarçava sua risada. O Príncipe ficou sem jeito, então ergueu a cabeça e partiu, com a mesma postura soberba que havia entrado.
Respirei fundo. Eu não me recordava quantos príncipes ainda restavam, mas não via a hora daquilo tudo acabar. Acabar de uma vez por todas.
— Helena! — Ouvi a voz de Margaret. — Está louca, menina? Por que foi tão grossa?
— Estava me espionando, Margaret? — questionei com as mãos na cintura. — Ah, esquece. Talvez eu tenha sido um pouco grossa sim, mas é porque estou cansada desses príncipes fingidos. Eles ficam se gabando de seus dons e fortuna para me impressionar.
— Creio que eles não fazem isso por mal, minha menina — Margaret me advertiu, mas de uma forma mansa.
— Eu sei, mas ainda me irrita muito — concluí.
— Eu preciso ir trabalhar, mas assim que puder conversarei com você sobre isso. — Margaret se retirou seguida do meu aceno.
O silenciou ficou constrangedor. Sobrou apenas eu e o Soldado, que permanecia com sua impecável e irrepreensível postura de sempre. Eu o olhava pelo canto dos olhos, mas ele permaneceu como um robô.
Se ele era pago para isso, fazia seu trabalho muito bem.
— Por que vocês soldados são tão sérios? — perguntei, mas não obtive resposta, e eu já estava me acostumando com a situação frequente.
Dei de ombros e saí dali o mais rápido que pude.
Eu não tinha planos para o dia, mas precisava me distrair. Não fazer nada me deixava cansada.
Eu ia de um lado para o outro, procurando algo de útil e interessante para fazer naquele Palácio monótono.
Foi então que no térreo, fora das portas da residência real, segui até o minicampo que se localizava próximo ao jardim.
Com os materiais de distração necessários ao meu dispor, fiquei parada por um instante, pensando em qual das tantas opções sobre a mesa eu escolheria. Mas foi ele. Foi o arco o qual mais me chamou atenção dentre todos os outros.
Apanhei meu arco e flecha. Fazia muito tempo que eu não treinava, e eu não queria perder a prática. Sempre fui apaixonada por arquearia, e muito habilidosa ao manusear os itens dessa arte.
Eu quase nunca errava a pontaria. Mesmo muito longe, com ventania e outros obstáculos, minha pontaria era incrivelmente certeira.
Se tinha algo em que eu pudesse me orgulhar e dizer com todas as palavras que eu era muito boa, esse algo era o ato de atirar com o arco e flecha.
— Vamos lá — falei para mim mesma.
Posicionei o arco na direção desejada. Endireitei a postura e relaxei meus ombros, de modo que pus a flecha na corda do arco com paciência, e com ele na altura do meu rosto, concentrei meu olhar inteiramente no alvo que estava à distância de cinquenta metros.
Com a mão direita segurando a flecha que já estava posicionada, puxei levemente até encostar minha mão ao lado de meus lábios, e com o movimento necessário, o soltei.
Apertei um pouco os olhos para visualizar melhor. Minha flecha estava exatamente no meio do alvo. Dei um meio sorriso e uns pulinhos de alegria para comemorar. Fazia tempo que eu não sentia essa sensação.
Mirei mais uma vez, e logo atirei a flecha. Ela não ficou perfeitamente no centro do alvo como outrora, mas chegou muitíssimo perto. Respirei fundo limpando uma gota de suor. Eu tentaria de novo e conseguiria.
Mais uma vez, posicionei a flecha na corda do arco, mas eu me sentia observada. Por algum motivo me sentia desconfortável. Olhei para o lado, e assim que avistei o Soldado Lukas me sondando da janela do segundo andar, meus olhos se arregalaram e engoli em seco.
Larguei o arco e flecha em seu devido lugar. Eu queria treinar mais, entretanto sentia vergonha de fazer isso na frente de outras pessoas além do meu antigo Instrutor de Esportes.
Talvez devia ser por essa razão que eu nunca havia participado desses campeonatos de arco e flecha, mesmo sendo capaz de sair vitoriosa.
Eu praticava o arco e flecha por gostar de tal ato.
Me questionei por um instante sobre o que o Soldado devia ter pensado ao me ver treinando minha pontaria. Todavia tratei de esquecer o vergonhoso ocorrido e fui embora dali.
Quando adentrei meu quarto, não tive a coragem de olhar a face do Soldado. Apenas entrei.
Deitada dramaticamente em minha cama, suspirei. E lá estava eu mais uma vez pensando em minha vida.
Eu tentava fugir das minhas responsabilidades, mas sempre falhava. O peso da coroa que eu ainda nem tinha, me deixava com um grande fardo nas costas. Um fardo que além de ter me tirado amizades, me deixava tensa em lembrar que eu logo faria dezoito anos, e que isso significava que eu precisava encontrar um rapaz para me casar e também reinar ao meu lado.
Eu precisava urgentemente encontra-lo.
A questão que ficava era: como? Bom, isso eu também não sabia, mas precisaria descobrir, antes que a decisão mais importante da minha vida ficasse nas mãos de meu pai.
E se isso acontecesse, não me restaria escolha.
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