✻Cᴀᴘɪ́ᴛᴜʟᴏ 18
Dei a última escovada e me observei no espelho da penteadeira como sempre fazia para me analisar.
Eu estava muito animada. Desde que mamãe faleceu, eu não ia mais à biblioteca. Ela sempre teve gosto pela leitura e me contava histórias para também me estimular a ler.
No Palácio ninguém tinha costume de ler, nem meu pai, que já era muito ocupado. Quando ela se casou com ele, ficou abismada com o estado da biblioteca, que só estava lá de enfeite, e para agradá-la, meu pai mandou a reformarem do jeitinho que ela queria.
Seria estranho e intenso voltar lá depois de tanto tempo, mas ao mesmo tempo seria divertido. Lukas era a grande oportunidade que esperei para levar lá.
Era impossível não ficar eufórica.
Olhei para o espelho uma última vez e sorri me levantando, contudo, de repente, tive que na mesma hora desviar de um tijolo arremessado contra a minha janela, jogando meu corpo para o lado.
Eu havia caído no chão, e meu coração disparava. Eu queria fazer algo. Queria me levantar e sair correndo, mas estava tão assustada que não conseguia sair do lugar, e essa sensação foi horrível.
Havia vidro por toda parte do meu quarto. O vidro da sacada estava quebrado.
Quando o Soldado Lukas chegou, eu ainda não conseguia agir. Ele parou na minha frente e tentou falar comigo, mas eu só ouvia um zumbido e mais nada. Eu estava com medo. Ele percebeu isso e me ajudou a me levantar, e à vista disso, correu para fora do quarto puxando meu braço.
Eu ainda não conseguia dizer nada, apenas permaneci correndo com ele e segurando a barra do meu vestido para não roçar no chão, que inclusive tinha uma parte que foi rasgada ao se prender em um fiapo de madeira da penteadeira.
Enquanto corríamos e olhávamos para todos os lados desesperadamente, Lukas começou a me explicar a situação que tanto estava confundindo minha mente:
— Estamos sendo atacados novamente. — Ele pausou para respirar melhor entre as palavras. — Foi um ataque imprevisto. Os soldados do Reino de Atallus chegaram quando menos esperávamos. Mas se Gregório estiver certo, eles só querem nos assustar.
— Mas meu pai não havia preparado uma tropa para prevenir os ataques repentinos? E eles não já tinham revidado nosso ataque? — perguntei ofegante.
— Sim, mas um dos nossos soldados era um traidor infiltrado que nos passou informações falsas de que essa semana o Exército de Atallus estaria fora da ilha. Eles fazem isso para nos enfraquecer, pois pensam que planejamos traçar uma grande guerra. — Ele aumentou o tom de voz quando passamos pelas escadas. Os gritos dificultavam nosso diálogo.
— Não acredito! Papai deve estar arrasado. Ele sempre se culpa quando somos atacados sem aviso prévio — eu disse, e o Soldado apenas respondeu que sim com o movimento da cabeça — Mas isso de traçar guerra é verdade?
— Eu não tenho informações tão exclusivas. Minha única função aqui é proteger você. — Ele parou um pouco para pensar, mas logo voltou a me puxar. — Vem, é por aqui!
No momento em que enfim chegamos no abrigo, me senti aliviada por saber que estava segura lá dentro.
Olhei para meu pai e fui correndo até ele, e assim que ele me viu, sorriu com emoção no olhar e me recebeu com um abraço apertado. Ainda segurando meus ombros, ele olhou em meus olhos e sorriu.
Me entreguei em seu abraço, embora ainda estivesse meio chateada por sua constante ausência.
Eu fiquei um tempo parada e quieta. Lukas estava do meu lado, mantendo sua postura de soldado e me transmitindo segurança. Ele permanecia em silêncio, até decidir dizer algo:
— Infelizmente não poderemos mais ir à biblioteca hoje. — Eu o olhei por um instante, mas sem demora abaixei o olhar.
— É uma pena mesmo — lamentei.
— Você parece assustada. Pensei que estivesse acostumada com tantos ataques. Quando cheguei aqui, me deixaram bem claro que teria que estar preparado para enfrentar isso.
— Eu estou com medo. — Respirei fundo. — Nunca me acostumarei com meu Reino sendo atacado.
— Compreendo, Alteza. — Ele assentiu. —
Minha mãe me ensinou que quando eu estivesse com medo, era só fechar os olhos e lembrar as vezes que temi e superei isso. Ás vezes funcionava, quando eu era criança.
Eu levemente ri. Ele nunca havia me falado de nenhum familiar seu.
— É legal saber sobre sua mãe. — Sorri e mirei seu rosto. — Por que nunca fala sobre sua família e de onde veio?
— É pessoal. — Dessa vez ele estava sério, e eu engoli em seco.
Não esperava aquela reação. Era como se ele quisesse esconder seu passado e sua vida.
Para o meu alívio, uma criada chegou com aperitivos e quebrou o constrangimento em que eu me encontrava.
— Não, obrigada. Não estou com fome. — Sorri e ela me reverenciou. — Por que vocês não descansam um pouco com os outros? Todos merecemos um descanso.
— Sério?
— Claro que sim. Vá sentar. — Parecia que ela ia explodir de felicidade a qualquer momento. Ela tentava disfarçar, mas seu sorriso estava de orelha a orelha.
Ela me reverenciou novamente e foi até os outros criados dar o recado. Eu ri um pouco. Eles eram uns amores.
Passei mais uns quarenta minutos parada, em silêncio. Eu já estava tão cansada de ficar sentada, que àquela altura, minha mão que segurava meu queixo, e eu bocejava.
— Está com sono? — Lukas perguntou e no mesmo instante eu tirei a mão do queixo.
— Um pouco. — Endireitei minha postura na cadeira.
— Durma um pouco. Você mesma disse que todos merecem um descanso.
E ele prestou atenção no que eu disse?
— Você tem razão. Acho melhor me deitar.
No momento em que pensei em buscar uma coberta — isso porque os criados estavam ocupados descansando ou realizando outras tarefas — me assustei ao ver que o Soldado Lukas foi por conta própria arrumar um dos colchões para mim.
Observei com uma sobrancelha erguida, parada e quieta, cada movimento que ele fazia. Aquele não era seu trabalho, mas ele estava arrumando tudo que eu precisava para dormir: o colchão, os lençóis e cobertas. Ele até fez um travesseiro improvisado para mim.
E eu pensando que dormiria no chão, isso porque as camas reservas quebraram por causa da madeira desgastada.
Mas ele estava lá para me ajudar no que eu precisasse; e isso de alguma forma me causava uma sensação estranha.
Quando ele parou na minha frente, fiquei sem reação. Eu queria agradecer, mas não sabia como. Queria insistir que aquele não era seu dever, mas também não queria estragar seu doce gesto.
— Você não vem? — Pisquei algumas vezes assim que ele me despertou de meus pensamentos.
— Obrigada — disse e logo o segui.
Ele me cobriu com todo o cuidado do mundo. Parecia até ter medo que eu fosse quebrar. Era engraçado, e ao mesmo tempo fofo.
Talvez ele estivesse tentando se mostrar útil. Eu não conhecia muito bem as regras dos Guardas, mas ousaria dizer que eles podiam subir de cargo.
O questionamento que ficava era: que cargo estaria acima do dele além do Braço Direito do Rei, que na verdade não costumava ser substituído?
Era melhor ignorar minhas teorias. Sorri mais uma vez para ele, e ele me deu uma rápida reverência e saiu. Mas ele não apenas saiu para descansar, ele fez questão de ajudar os criados que estavam saturados com tantas pessoas os chamando para suprir suas necessidades.
Ele não perdeu sua seriedade, apenas se mostrou ser mais gentil do que pensei. Os Soldados do Reino não costumavam ajudar em outras coisas, já que o trabalho deles já era pesado o suficiente.
Me aconcheguei mais debaixo das cobertas. Não era tão confortável quanto minha cama, mas estava muito melhor do que ficar sentada. E apesar do medo, agora eu me sentia mais segura.
Eu estava sonolenta. Eu queria e ao mesmo tempo não queria fechar os olhos. Enquanto adormecia aos poucos, observava de longe Lukas correndo de um lado para o outro perguntando para as pessoas se estava tudo bem, se elas precisavam de alguma coisa, e dando auxílio aos criados em seus deveres.
E eu olhei aquela bela cena até tudo ficar totalmente escuro e eu entrar em um sono profundo.
⚡👑⚡
Meu coração disparou mais uma vez com um barulho, que dessa vez era mais alto. Eu não sabia até quando aquela tortura ia durar, e nem há quanto tempo eu estava dormindo, ou no caso tentando.
Eu só sabia que precisava sair logo dali. Pensar no pavor que todos estavam sentindo e na possibilidade de alguém arrombar as portas de ferro me deixavam perturbada.
Eu não conseguia parar de olhar para aquela porta enquanto segurava o cobertor com força.
— Deve estar difícil conseguir dormir com tanto barulho. — Levei um leve susto ao olhar para o lado e ver o Soldado Lukas lá, agachado.
— Sim. — Voltei a olhar para a porta. — Me pergunto quão apavoradas devem estar as esposas e filhos dos Soldados que estão lutando lá fora.
— É por isso que para um soldado é mais difícil se casar. Apesar da boa condição financeira, nem toda mulher aguentaria a angústia de ver seu marido longe de casa e correndo perigo — Ele colocou as mãos sobre o joelho para se apoiar melhor.
— E você está muito preocupado com isso agora? — questionei.
— Com isso o quê?
— Se casar...
— Ah! — Ele quase caiu, então se sentou no chão para evitar que acontecesse novamente. — Não. Eu estou tranquilo quanto a isso — assegurou.
— Entendi. — Comprimi os lábios e voltei a olhar a porta. — Que horas são?
— Já é quase noite.
— Ah. — Respirei fundo. Era difícil enfrentar aquela situação. No instante em que ouvi um grito do lado de fora não consegui evitar a lágrima que desceu em meu rosto.
Uma lágrima solitária e confusa, que limpei rapidamente para o Soldado não ver. Eu queria ao menos saber e entender o motivo que estava levando a tantas guerras. Queria compreender a razão para tanto sangue, rancor e mortes.
Queria apenas uma explicação. Um contexto e história que me ajudariam a especular se aquilo um dia acabaria.
Mas no momento, o mais indicado era tentar descansar. Eu continuaria tentando tirar pelo menos uma soneca de dez minutos.
Voltei a me deitar e fechei os olhos. Cada vez que eu ouvia mais gritos ou barulhos de coisas quebrando, fechava-os com mais força ainda, e encolhia meu corpo dentro das cobertas.
Não sei quanto tempo demorou, mas a escuridão que eu via com os olhos fechados, ia ficando cada vez mais natural, e eu fazia cada vez menos esforço.
Até eu enfim conseguir esvaziar a mente e relaxar.
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