✻Cᴀᴘɪ́ᴛᴜʟᴏ 16
— Você? — o Soldado Lukas indagou. — O que está fazendo aqui, Alteza?
Suspirei. Eu não sabia se ficava aliviada por não ser o meu pai, ou surtava pela possibilidade de ser entregue.
— O que você está fazendo aqui? — tentei desviar sua atenção da situação em que eu me encontrava.
— Eu estava te procurando para ver se estava bem, e estranhei esta porta estar aberta — explicou se agachando para ficar mais perto. — Quando cheguei no Palácio, fui notificado que nesta sala era permitida apenas a entrada do Rei e seu Braço Direito acompanhado dele.
Minha barriga ficou ainda mais gelada. Ele olhava diretamente para os meus olhos esperando uma resposta. Só então eu percebi que estava arrepiada da cabeça aos pés.
— Eu... eu estava verificando umas coisas para o meu pai. — Sorri amarelo.
— Seria mais interessante se a senhorita fosse sincera comigo. — Engoli em seco. Eu tentava evitar seus olhos, mas eles continuavam sobre mim.
— Acha que estou inventando uma desculpa para lhe enganar? — Ele confirmou com a cabeça. — Está bem. Eu conto.
Soldado Lukas apoiou a mão no rosto, pronto para ouvir o que eu tinha para dizer.
— É que eu não acho justo que só eu não possa saber o passado do Reino que eu vou liderar. Quando vi a porta meio aberta, não resisti e quis olhar o diário — expliquei e ele assentiu com a cabeça, processando minha confissão.
— Entendo sua revolta. Também não acho algumas regras e leis justas, mas desobedecer seu pai não é a melhor das escolhas. No tempo certo ele vai te deixar ler o diário. — Pausou. — E ás vezes a curiosidade não bem usada pode trazer a nossa própria ruína.
Fiquei uma fração de segundos pensando naquela frase. Não sei se ele tirou aquilo de um livro, mas era intenso.
— Só por favor, não conte para o meu pai. Eu te dou o que você quiser. — Implorei com os olhos, mas ele desviou o olhar.
— Eu não vou te entregar. Só não faça isso novamente. Não posso mentir para te proteger das consequências — ele pediu sério, e eu dei um largo sorriso.
— Pode deixar! E me diga o que vai querer.
— Não quero nada em troca. — Ele levantou.
Confesso que me envergonhei por ter tentado comprar seu silêncio, e ainda mais por ele ter recusado. Qualquer outra pessoa no lugar dele se não me entregasse, com certeza me chantagearia para tirar proveito da situação.
Sem saber o que dizer, tentei me levantar, contudo estava muito difícil tirar minha cabeça daquela mesa apertada. Eu não conseguia entender como entrei tranquilamente, mas tive tanta dificuldade em sair.
Quando vi a mão do Soldado estendida, engoli em seco novamente. Eu já havia perdido as contas de quantas vezes “engoli em seco” naquele dia.
Aceitei sua ajuda. Estava muito difícil sair de lá, então ele me puxou, e eu caí em seus braços. Assim que me dei conta de que estava muito perto, saí dos braços dele e ajeitei meu vestido, enquanto ele voltava à sua postura de sempre.
Pelo espelho do canto da sala, consegui ver como meu cabelo estava bagunçado e quis me esconder naquele mesmo instante.
No momento em que abri a boca para agradecer, ouvi vozes do lado de fora e nós dois viramos e arregalamos os olhos. Voltei ligeiramente para o esconderijo enquanto ele fechava a gaveta.
— Lukas? O que faz aqui? Não devia estar cuidando de Helena? — Eu queria contrariar meu pai, mas não era o momento.
— Responda o Rei, Soldado! — outra pessoa exclamou. Pela voz áspera, devia ser Gregório.
— Perdão, vossa Majestade. Eu estava no corredor e reparei que a porta da Sala Secreta estava aberta, então vim olhar se tinha algo de anormal.
— Entendi — meu pai respondeu. — Vamos.
Consegui ouvir que os três saíram da sala, todavia levantei no instante em que escutei a porta ser fechada e trancada. Eu estava presa lá dentro, e se alguém me achasse... eu nem gostaria de saber o que me aconteceria.
O Soldado Lukas foi quem me achou, e isso me fez pensar que eu estava protegida, já que ele não iria contar que me viu. Mas tudo foi de ruim para pior ainda.
Eu precisava urgentemente achar um jeito de sair dali.
Coloquei o diário de volta na gaveta e a tranquei para em seguida guardar sua chave de onde nunca deveria ter saído.
Embora o meu grande desejo de ler seu conteúdo aumentasse, sair dali era mais importante no momento, pois se eu não saísse até o jantar, iriam notar minha ausência, e esse seria o meu fim.
Eu estava em desespero, olhando para todos os lados tentando encontrar uma solução, mas procurei me acalmar, visto que ficar agitada não ajudaria em nada. Agora eu precisava descobrir uma saída.
Parei no meio da sala procurando com os olhos algo que pudesse me ajudar a escapar, mas tudo parecia ser inútil ou faria muito barulho. Era difícil me manter calma quando dentro de mim o medo de ser pega era muito grande.
Eu não deveria ter ido até lá. Foi uma péssima ideia! Contudo não era hora de se lamentar, e sim de agir. Eu não tinha muito tempo, e cada segundo ali me deixava mais desassossegada.
Passou um tempo, não sei quanto, mas com certeza não foi pouco. Eu já havia falhado em todos os meus planos e alternativas, e agora só me restava duas opções: fugir pela janela ou arrombar a porta.
E era evidente que eu preferia a primeira opção.
Montei uma escadinha com várias caixas que estavam espalhadas pelo quarto. Algumas de madeira, outras de papelão. Quando finalmente consegui subir, tentei identificar um jeito de abrir a janela. A tranca era muito difícil de abrir, e estava presa por correntes de ferro. Olhei em volta, mas não avistei nem um objeto cortante.
Foi quando me dei conta que se eu estava no terceiro andar, fugir pela janela podia me deixar machucada, então eu precisava pensar em uma forma menos perigosa de escapar. Eu tinha medo de altura. Não uma fobia ou algo assim, mas medo mesmo. Um medo que eu não estava nada a fim de enfrentar.
Dei um passo para trás, mas a sola do meu pé só sentiu vento, e depois um forte barulho seguido de um tombo. Eu havia chegado ao chão, caída e com muitas caixas espalhadas à minha volta.
Suspirei. Estava sendo mais difícil do que imaginei que seria.
Fiz careta e resmunguei baixinho ao sentir dor no meu pulso. Eu havia torcido ele. Nada muito grave, mas seria necessário colocar uma faixa, coisa que presa ali eu não conseguiria.
Se eu não tivesse tanto azar assim, era possível que ninguém estivesse naquele andar na hora da queda para ouvir o barulho.
Minha última alternativa era insistir na porta, mas dessa vez sem me machucar.
Depois de organizar a bagunça que eu fiz, peguei o grampo que havia deixado cair. Já nem me importava mais com a minha aparência. Fui até a porta e encaixei o grampo com muito cuidado e habilidade, assim como havia visto nos livros de suspense que li.
Tentei encaixar de diversas maneiras, mas nada acontecia. Até que então eu escutei um crack e não vi a outra metade do grampo voltar.
Era só o que me faltava. Quebrou! E agora?
Eu me lamentei por um bom tempo, até ver que nada iria funcionar. Eu já estava exausta de tanto tentar.
Me sentei no chão, de costas para mesa de madeira. Não estava muito confortável, mas eu precisava descansar, mesmo que um pouco.
Minha vontade era chorar, e foi isso que eu fiz. Apoiei minha mão na testa, cabisbaixa, e ensaiando mentalmente meu discurso dramático de justificativa que daria ao meu pai no dia seguinte.
— Desisto — disse baixinho, entre soluços.
Fiquei por um bom tempo pensando nas possibilidades de castigos. Quanto mais eu pensava, mais ficava sonolenta, até que caí de vez no sono e não hesitei em me entregar a ele.
⚡👑⚡
Senti mais uma leve chacoalhada, como se eu estivesse em movimento. Eu definitivamente não estava mais sonhando.
Abri os olhos lentamente, enquanto bocejava. Quando o rosto na minha frente perdeu o desfoque, arregalei os olhos ao perceber que estava sendo carregada pelo Soldado Lukas.
E essa não era a primeira vez que isso acontecia.
No momento em que ele viu que eu estava acordada, sorriu e continuou a andar. Não havia como não me espantar com aquela situação.
E aquela foi a primeira vez que reparei em seus olhos castanhos. Eram mais escuros que os meus, mas tão... bonitos. Entretanto tive que disfarçar quando ele reparou, e voltei a olhar para frente.
Meu pulso ainda estava um pouco dolorido, mas firmei meus braços em seu pescoço para garantir que eu não cairia.
— Está bem? Eu ouvi um barulho de coisas caindo quando estava perto da Sala Secreta. — Ele me colocou delicadamente em minha cama. — Está ferida?
— Não é nada grave, mas torci um pouco o pulso. — Ele ergueu as sobrancelhas, aparentava estar preocupado, porém voltou a sua expressão séria e neutra de sempre.
— Entendi. — Ele olhou diretamente para meu braço, e depois voltou a me encarar.
— Que horas são? — perguntei.
— Não sei exatamente, mas é de madrugada. — Ele sentou na cama.
— O quê? — Meu grito saiu agudo e ele tapou minha boca imediatamente. Eu arregalei os olhos novamente.
— Desculpa. — Ele afastou sua mão. — Eu tive medo de alguém te escutar.
— Certo. — Comprimi os lábios. — Como me tirou de lá? Eu tentei de tantas formas que acabei caindo no sono.
Ele riu. Era difícil ver ele rir daquele jeito.
— Peguei a chave no escritório do seu pai quando tive oportunidade.
— E ninguém perguntou de mim? — questionei.
— Seu pai sentiu sua falta no jantar, e eu disse que estava um pouco indisposta e eu levaria o jantar para você no quarto, o que não é mentira — disse olhando para o meu pulso machucado, e eu o escondi.
— Você me disse que não mente — debochei com ar irônico.
— E não menti. Você está indisposta, de fato. — Deu de ombros. Era interessante vê-lo agir sem que fosse como um soldado sério. Eu sabia que ele não mantinha a coluna ereta o tempo inteiro!
— Você é esperto, mas teria sido mais fácil inventar uma desculpa mais convincente.
— A mentira nunca é uma solução. Pelo menos não para mim — respondeu sério.
— Mas o que foi a história de jantar no quarto? — Ergui uma sobrancelha com um sorriso convencido.
— Isso também não foi mentira. — Ele levantou. — Eu falei com o Cozinheiro Chefe e ele esquentou o jantar. Vou trazer para você comer.
— Está falando sério? — Levei a mão à boca, dando risada. — Tem certeza que vai se dar ao trabalho de me trazer um jantar de madrugada? — Ele apenas assentiu com a cabeça, fez uma reverência e se retirou.
Ri sozinha no quarto. Coloquei a mão na barriga. Era difícil evitar as gargalhadas. Ele não podia estar falando sério! Não podia!
Mordi o lábio inferior. Ainda parecia loucura como ele se arriscou para me ajudar, mesmo sem me conhecer direito.
— Aqui está. — Lukas empurrou a porta com o pé e entrou.
Não aguentei. Meti minha cabeça no travesseiro e rolei na cama de tanto dar risada. Ele permaneceu parado na minha frente assistindo a cena.
Quando finalmente saí do meu ataque de risos, respondi:
— Você não existe. — Ele sorriu e se aproximou, colocando uma bandeja prateada em minha frente, e com um movimento, retirou a tampa e no mesmo instante senti o maravilhoso aroma de comida.
Eu realmente estava com muita fome.
— Obrigada, Soldado. — Ele me reverenciou novamente, sorrindo, mesmo que disfarçadamente.
Olhei para o prato à minha frente. O macarrão ao molho branco com queijo parecia delicioso. Os temperos deixavam o prato ainda mais bonito, e tinha até acompanhamento.
Aproximei o garfo, mas o larguei ao sentir dor. Lukas olhou rapidamente meu pulso direito ao ver minha expressão de dor no rosto.
Ele saiu do quarto mais uma vez sem dizer nada, mas voltou logo, e com uma faixa.
Com muito cuidado, ele enfaixou meu pulso e passou uma pomada que me fez sentir uma leve queimação de início, mas aliviou muito a dor. Agora eu só precisava deixar meu braço quieto.
— Obrigada — agradeci quando terminei minha refeição. — Por tudo que fez por mim.
— Nada mais que minha obrigação.
— Não. O que você fez não teve nada a ver com sua obrigação, teve a ver com afeto. — Olhei no fundo dos seus olhos séria, por uma fração de segundos, mas logo desviamos.
— Eu preciso ir. Vou guardar a chave de volta no lugar e desligar as luzes. — Ele pegou a bandeja com a mão esquerda, e me cobriu com a direita. — Descanse. Amanhã o pulso estará melhor.
— Está bem. Obrigada mais uma vez.
— Tchau. — Ele foi até a porta. — Boa noite. — Acenou com a cabeça e saiu fechando a porta.
Respirei fundo. Aquele dia com certeza foi maluco. E até reparei que foi a primeira vez que ele conversou comigo sem se referir a mim como uma autoridade.
Não sei como seria se Margaret estivesse lá. Ela com certeza ficaria muito zangada comigo, mas empolgada com o gesto do Soldado Lukas.
Minha conclusão foi que nunca alguém que não fosse próximo de mim me tratou com tamanho cuidado e atenção como ele. Ninguém.
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