✻Cᴀᴘɪ́ᴛᴜʟᴏ 14
Eu já conseguia ver a lua, mesmo ainda não sendo noite. Inclusive, ela estava lindíssima e deixava aquela vista ainda mais estonteante.
O lugar não era só belo, mas também silencioso. Um silêncio bom de se ouvir. Um silêncio que me acalmava.
Observar aquele céu estava me fazendo bem, como se eu não precisasse me preocupar com o amanhã. Eram pequenos detalhes que eu não sabia exatamente por que, mas mexiam de alguma forma com o meu interior.
Senti arrepios quando o Soldado Lukas sentou de repente ao meu lado. Ele não disse nada, nem moveu os lábios. Apenas ficou me observando quieto, e então sorriu. Eu nunca havia visto ele sorrir tanto daquele jeito.
Quando ele pegou minha mão, me assustei.
Claro, como não me assustaria? Eu queria falar alguma coisa, entretanto as palavras simplesmente não saíam. E foi quando ele me puxou para uma dança.
A noite veio sobre nós, e tudo ficou mais escuro, até eu não ver mais nem um sinal do sol. Uma música começou a tocar ao fundo como que magicamente, e ele guiava meus movimentos para uma valsa. Eu não sabia como, mas eu estava dançando com ele tão levemente que tinha a impressão que a qualquer momento iríamos começar a voar.
Mas então eu vi Margaret sorrindo para nós dois, não muito longe dali. Eu não conseguia parar de olhá-la, enquanto ainda dançava com o Soldado.
Ela começou a andar em nossa direção com aquele sorriso simpático que só ela tinha. Margaret estava cada vez mais perto, mas então eu... eu acordei.
Soltei um suspiro não muito contente. Eu devia imaginar que aquilo era apenas um sonho, apesar de ter sido tão realista. E um sonho muito esquisito, inclusive.
Olhei para o despertador e voltei a deitar sobre a cama, ansiando por mais um momento de sono, mas que não foi possível.
Não demorei muito para me arrumar e descer para o café da manhã, contudo quase não saboreei a comida, pois estava ocupada demais. Obviamente pensando naquele sonho. Um pouco intenso e sem sentido algum.
Afastei o prato de mim na mesa e me levantei. Depois de receber algumas reverências, subi as escadas para ir ao segundo andar.
Tentei andar devagar para não tropeçar, já que eu ainda estava meio sonolenta e distraída pensando no sonho, então subi segurando o corrimão de bronze, que por causa de sua textura e detalhes deixava a escadaria com carpete azul-turquesa ainda mais bonita.
Assim que cheguei no corredor, prossegui meu caminho. Eu estava atenta a todos os detalhes do Palácio. Margaret sempre elogiava o teto alto, o longo tapete do corredor e as pinturas espalhadas pela parede, e apenas lembrando dela pude reparar nisso.
Mas assim que avistei o Soldado Lukas, meu corpo todo gelou. Tinha até medo de começar a espirrar de tanto calafrio que eu sentia. Depois do que aconteceu ontem, e do sonho que tive, era estranho estar cara a cara com ele. Era inevitável não sentir vergonha.
Entrei diretamente no quarto e fechei a porta, sem manter qualquer contato visual. Enquanto eu estava encostada na dupla porta de madeira branca, respirei fundo. Era o que eu mais tinha feito nas últimas semanas: respirar fundo.
As cortinas das grandes janelas estavam se mexendo constantemente por causa do vento, então fui até lá e fechei cada janela do quarto.
Apenas deixei as extensas cortinas abertas para o sol continuar entrando e iluminando o meu quarto. Não era exatamente a luz que eu estava precisando no momento, mas já era alguma coisa.
Enquanto olhava a janela, pude ver o Jardim Real. Lá o jardineiro Mathias estava cultivando algumas flores, já que era de sua responsabilidade cuidar das plantas e flores do Palácio. A cultura do nosso Reino, desde a antiguidade, apreciava muito o cultivo de diferentes tipos de flores.
O que me chamou mesmo a atenção, foi ver algumas flores muito bonitas e raras de se encontrar em StoneLand, que por esse motivo tinham um cuidado extra e nem eram vendidas na vila. Sempre disse a ele como eu gostava daquelas flores.
Mas quando olhei para o lado da minha cabeceira branca com mais atenção, notei que em cima de um dos criados-mudos havia um vaso com flores nele.
Esse não era o ponto. Eu estava acostumada com vasos de flor espalhados em meu quarto. O que realmente me fez dar ênfase ao que vi, foi perceber que aquelas eram as mesmas flores raras na Ilha de StoneLand que eu sempre comentava com Mathias o quanto gostava.
Aquilo foi difícil de processar. Foi como se as engrenagens imaginárias do meu cérebro emperrassem.
Enquanto eu observava as flores, me lembrei de todos as conversas que tive com o jardineiro. Será que era ele o tal admirador secreto? Mas não parecia ser verdade, já que não éramos tão próximos assim. E ele não seria gentil comigo só por gostar de mim, ou seria?
Eu precisava tirar aquela história à limpo, mas não iria esperar eu receber outras flores para fazer isso.
Saí do meu quarto e desci as escadas rapidamente. Eu corri até o jardim, ansiosa por respostas. Assim que o vi, fiquei meio hesitante, mas continuei a caminhar em sua direção.
Parece que quando finalmente o alcancei, toda aquela coragem e ousadia que tive quando pensei no que dizer, simplesmente sumiu. Eu queria dar meia-volta, mas ele já tinha me visto e até parou o que estava fazendo para falar comigo.
— Bom dia, Princesa — ele me saudou com o sorriso gentil de sempre, e me reverenciou.
— Bom dia, Mathias. — Tentei ser gentil também, mas com um sorriso nervoso. — Podemos conversar por um instante?
— Claro. Sou todo ouvidos. — Ele sorriu mais uma vez de forma singela, com seus olhos autênticos nos meus, me fazendo ficar cada vez mais nervosa com a situação e, consequentemente, nem sabendo para onde olhar.
— Bem... — Fechei os olhos e respirei fundo, tentando unir coragem para ser sincera com ele e escolher as palavras certas. — Há algumas semanas comentei com você que eu tenho recebido flores com certa frequência, não é?
— Ah, sim! Claro. — Roí as unhas. Eu me sentia estranha em saber que ele estava sendo tão gentil, mas eu iria dar um fora nele. Um fora!
— Foi você quem mandou, não foi? — finalmente cuspi as palavras que estavam dentro de mim, e ele, pois, me olhou assustado; e muito desconcertado com minha pergunta. Ele com certeza não imaginava que eu sabia.
— Princesa, eu...
— Por favor, seja sincero comigo. Estou cansada de ser rodeada por pessoas que mentem para mim. — Agora fui eu quem olhei no fundo de seus olhos cor de chocolate, mas ele desviou.
— Tudo bem, eu confesso. Fui eu que mandei. — Eu respirei fundo novamente. Eu sabia que era ele, mas ainda não parecia ser verdade.
— Você fez aquilo de brincadeira? — perguntei séria.
— Não, claro que não! — ele negou repetidas vezes, e eu dei um passo à frente para ficar mais próxima a ele.
— Então significa que...
— Eu confesso, Princesa. Tenho sim sentimentos por você. E não parecem ser passageiros — confessou e em seguida pegou minhas mãos.
Observei seu olhar sobre mim. A pupila dilatada, os lábios trêmulos, sua mão sobre a minha. Todos esses detalhes entregavam seus reais sentimentos por mim, que agora ele não parecia mais temer em esconder de mim. Eu queria apenas fugir daquela situação constrangedora, mas seria injusto com ele se eu agisse com tamanha covardia.
Meu medo era magoá-lo, mas de qualquer forma isso iria acontecer, então seria melhor que fosse comigo sendo sincera. Eu não podia cobrar algo das pessoas que eu mesma não executava.
— Eu sinto muito, mas não nutro os mesmos sentimentos por você. Não é recíproco. — Tirei minhas mãos das dele, para não o deixar com expectativas. Naquele momento o pequeno sorriso no seu rosto se desfez, e eu consegui sentir sua tristeza. Era impossível não me comover ou me sentir culpada por não corresponder seus sentimentos.
— Princesa...
— Por favor, não diga nada — pedi. — Eu vou devolver suas flores. Se alguém souber que você as pegou, mesmo que para me dar, você pode perder seu emprego.
— Tem certeza que prefere devolver? Eu posso pagar por elas, só vou precisar fazer uns trabalhos extras e....
— Por favor, Mathias, me entenda. Eu não posso ficar com aqueles presentes e te fazer alimentar esperanças — afirmei. — Olha, eu gosto muito de você, muito mesmo, mas como um amigo. Você é um rapaz extraordinário e qualquer uma que te ter terá sorte, mas essa garota não será eu. — Pausei. — Eu infelizmente não posso mandar nos meus sentimentos.
— Eu entendo. — Ele recuou alguns passos. — Não vou te forçar a nada, não se sinta na obrigação de me amar.
— Eu sinto muito mesmo. — Meu olho se encheu de água. Eu quase podia sentir o coração dele se partir. Seu olhar tristonho me fazia querer ter algum sentimento por ele como ele tinha por mim. — Espero que ainda possamos ser amigos.
— Claro. — Ele sorriu, entretanto, seu sorriso não tinha alegria. Não como antes.
— Adeus, Mathias — eu disse baixinho, então peguei sua mão e logo soltei e me virei para ir embora. — Outra hora nos falamos, não quero atrapalhar seu trabalho.
Voltei a caminhar, me sentindo muitíssimo mal por ele. Ele não disse nada, apenas continuou no mesmo lugar. Eu queria corresponder seus sentimentos, mas o que eu sentia por ele não passava de amizade. Ele era um garoto incrível que eu não queria decepcionar, mas infelizmente não pude evitar isso. Eu o frustrei.
Nunca passei por um amor não correspondido, mas imaginava como devia doer.
Enquanto eu andava, vi que Samara estava olhando tudo de não tão longe, apoiada em uma coluna de mármore próxima ao jardim. Eu queria dizer algo quando passei por ela, mas as palavras não saíram, então prossegui até o segundo andar.
Eu me perguntava como as coisas ficariam a partir dali. E se ele nunca mais quisesse falar comigo? E se ele estivesse magoado, ou até mesmo chateado? E se ele resolvesse ir embora? Era uma situação complicada.
Eu quis dar um tempo para que ele ficasse só e pudesse pensar melhor. O mais sensato era não ir conversar com ele como de costume, mas sim ficar um tempo distante para que sua ferida cicatrizasse, e lá no futuro, no meu casamento e coroação, ele estivesse lá, ao meu lado como sempre esteve.
Eu queria dar um abraço reconfortante nele, mas talvez aquilo só fosse servir para piorar as coisas.
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