✻Cᴀᴘɪ́ᴛᴜʟᴏ 10
— Papai... — tentei dizer, mas já era tarde. Meu pai já havia ido embora da sala de jantar.
Ele terminou seu café da manhã um pouco cedo, e eu estava sozinha novamente. Sozinha naquela extensa e vazia sala. Seria menos triste se Margaret estivesse lá, me alegrando como ela sempre fazia; entretanto minha realidade era outra.
Me retirei também, sem ao menos terminar meu café. Eu já nem tinha mais apetite. Fui direto para o segundo andar, rumo ao meu quarto, que estava sendo o lugar em que eu passava noventa por cento do meu tempo. Tudo o que eu queria era relaxar tranquilamente.
No caminho para lá, fiquei pensativa. Para falar a verdade, nas últimas semanas eu estive muito pensativa. Eu não tinha mais ninguém para colocar tudo que me preocupava para fora, e isso me dava uma solidão inexplicável.
— Princesa. — Ouvi alguém me chamar assim que ia colocar o pé dentro do quarto. Pela voz, reconheci quem era, e me virei.
— O que foi? — perguntei com os braços cruzados. Eu estava um pouco gelada, mas mantive a postura.
Precisa de alguma coisa? — O Soldado Lukas indagou.
— Não. — Ele apenas me respondeu com uma reverência, e eu entrei em meu quarto fechando a porta e me jogando na cama.
Me foi muito estranho o seu comportamento. Ele me deixou confusa. Afinal, ele detestava se dirigir a mim ou não? Eu gostaria de saber, mas preferi permanecer na curiosidade.
Eu precisava sair novamente do quarto. Ficar lá não estava me fazendo bem. Ficar lá me trazia lembranças.
Respirei fundo uma última vez antes de abrir a porta. Vagarosamente, a abri, mas fechei depois de sair.
Tentei ser mais discreta possível, para não precisar responder perguntas do Soldado. A cada pequeno passo eu o olhava de soslaio, disfarçadamente. Isso não foi uma boa ideia.
Assim que voltei a olhar para frente, bati com força em uma das mesinhas de parede do corredor próximo a porta do meu quarto. O tombo me fez tropeçar, e assim derrubar tudo o que estava sobre a mesinha, incluindo a luminária, que tornou a situação meio perigosa.
A primeira coisa que fiz foi tirar rapidamente a luminária da tomada. Tentei recolher as outras coisas que deixei cair. O pior era o vaso de vidro que aparentava ser caríssimo, mas em pedaços como estava, ele cheirava a encrenca.
— Ai! — resmunguei de dor quando senti a ponta do caco de vidro perfurar meu dedo.
Ah! Pronto! Era só o que faltava.
— Princesa! — O Soldado já estava com um dos joelhos no chão, do meu lado. — Se machucou?
— Não foi nada — afirmei. Ele parecia preocupado.
— Como nada? Tem que limpar isto antes que infeccione, Alteza. — Ele rasgou um pedaço de tecido de sua roupa ligeiramente, e colocou sobre a pequena ferida que se formou em meu dedo.
— Eu já disse que não foi nada! E eu não preciso da sua ajuda. — Aumentei meu tom de voz impaciente e puxei minha mão bruscamente, derrubando o pedaço de pano.
— Desculpe-me, Alteza. Eu só queria ajudar. — Ele se levantou um pouco tenso. — De qualquer forma, vou chamar a enfermeira. Ela vai saber te ajudar.
Eu senti uma ponta de arrependimento por ter falado daquele jeito com ele. Mas só um pouquinho. Talvez porque eu, injustamente, descontei minha infelicidade sendo grossa com ele, mas ele permaneceu gentil mesmo assim.
Eu fui petulante, orgulhosa e teimosa, todavia ele me respondeu com generosidade.
Como ele conseguia? Isso eu não sabia, mas achava interessante.
Quando ele voltou, deixou a enfermeira cuidando de mim, mas eu preferi dispensá-la e apenas tapar a ferida. Não era nada demais.
Os criados limparam minha bagunça, e Lukas os ajudou. Eu quis espiar a cena, mas ver que Lukas estava percebendo me fez ir embora dali envergonhada. Nunca imaginei que por trás daquela pose séria tinha alguém tão educado e prestativo.
Saí pelo jardim do Palácio para me distrair como sempre. Nada de especial estava acontecendo, e aquilo me deixava entediada — o que não era nenhuma novidade, já que a maior tempo eu ficava à toa no tédio. Mas ficar parada não era uma opção.
— Mathias, oi — cumprimentei sorridente.
— Helena! — Sorriu de volta. — Digo... Princesa.
— Sabe que comigo não precisa de formalidades. — Eu ri, mas parei quando vi que faltava muito para ele terminar seu trabalho. — Parece estar ocupado.
— Não tem problema, Princesa. Eu dou uma pausa para conversarmos. — Mathias largou suas luvas e tesoura.
— Não. Você está cuidando do jardim agora. E não sinta medo de me dispensar no seu horário de trabalho. Não vou te punir ou algo assim. — Coloquei as mãos na cintura com uma sobrancelha arqueada.
— Não sei nem o que dizer….
— Então não diga. — Sorri com os olhos. — Vou indo. Outra hora colocamos o papo em dia.
Me retirei enquanto o observava acenar para mim. Era óbvio que ele tinha receio de me dispensar, talvez porque além de eu ser uma princesa, ele sabia como meus dias haviam se tornado mais solitários desde que Margaret partiu, entretanto eu tentava transmitir intimidade para isso não continuar acontecendo.
Talvez eu fosse um pouco bipolar, não sabendo se queria ser gentil ou mimada. Eu tratava meu humor como os looks do dia, sempre indecisa.
Creio que isso que afastava as pessoas de mim. Nem todo mundo consegue lidar com pessoas com o temperamento difícil que eu tinha.
Isso me fazia pensar em como Margaret devia gostar muito de mim. Quero dizer que, parece que quando se ama, se suporta muita coisa. Eu já havia escutado uma frase parecida com esta, vinda justamente de Margaret. Eu não entendia tudo que ela falava, muitas coisas pareciam enigmas, mas sempre ficava admirada.
Pensar que ela sempre aguentou esse meu jeito, me fazia refletir também do seu carinho.
— Senhorita Helena. — Bloqueei meus pensamentos e me virei para ver quem chamava pelo meu nome.
— Samara? — Ela me reverenciou e eu sorri.
— Chegaram flores acompanhadas de um cartão. — Ela me entregou o buquê seguida de mais uma reverência. Seu rosto expressava curiosidade.
— Obrigada. — Sorri gentilmente, e Samara saiu do local.
— Mais flores... — sussurrei.
Eu já estava ficando agoniada em não saber quem era o tal admirador secreto. A certeza de que era ele foi fruto do cartão exatamente igual ao que eu havia recebido das outras vezes.
Subi as escadas devagar enquanto abria o bilhete. Uma vez ou outra eu olhava para os degraus, sendo cuidadosa para não ocasionar outro acidente. Tive que ser paciente, embora estivesse quase enlouquecendo por causa da curiosidade.
Ao chegar na porta do meu quarto, pude observar melhor as lindas flores que recebi. Dessa vez eu havia ganhado violetas. Elas eram bonitas, e também muito cheirosas.
Tentei procurar o que estava escrito na carta, mas não tinha nada. O bilhete estava totalmente em branco. E ou meu admirador secreto era atrapalhado, ou era muito criativo.
De qualquer forma, eu estava ansiosa para que ele me revelasse quem era. Eu não fazia a mínima ideia de quem podia ser.
Olhei para o lado e tentei sorrir simpaticamente quando percebi que o Soldado Lukas observava a cena um tanto quanto curioso. Ele apenas disfarçou o olhar, como sempre. Dei de ombros.
Eu não nem ousava dizer quem de nós dois tinha mais mudanças de humor e comportamentos inconstantes.
Entrei no quarto um pouco mais sorridente. Aproveitei para colocar as novas flores em um vaso de prata desocupado. Sair, mesmo que por pouco tempo, me fez bem.
— Desculpe-me por entrar sem bater na porta, Princesa. É importante — uma das criadas disse ao entrar na porta apressada. Levei minha mão ao peito, sentindo as batidas aceleradas do meu coração por conta do susto.
— Pode entrar. — Ela o fez após me reverenciar.
— Serei breve para não lhe tomar mais tempo, Princesa. — Assenti. — O Rei Olavo, seu pai, mandou avisar que ele irá em uma coroação amanhã. É a coroação de uma princesa de um reino aliado nosso, então é importante que a senhorita e seu pai compareçam.
— O quê? — Meu sorriso se desfez no mesmo instante.
— Sinto muito, Princesa, mas é necessário que a senhorita vá. O Rei disse que a senhorita pode levar sua dama de companhia. — Ela remexia seu avental sem parar. Em seus olhos pude ver que estava nervosa, e mesmo muito entediada com a ideia, não queria dificultar o trabalho da empregada.
— Tudo bem, eu vou. — Ela quase comemorou ali mesmo, e eu dei um meio sorriso.
— Ah, quase esqueci de avisar. O Rei também disse que a senhorita vai acompanhada do seu Guarda Pessoal. — Meu sorriso se desfez mais uma vez.
— Ah, não! Agora sim eu não vou nem que me obriguem — afirmei, negando repetidas vezes com a cabeça. — Vão pensar que eu não sei nem me cuidar sozinha.
— São ordens do Rei — tentou me convencer, mas virei o rosto e cruzei os braços. — Princesa, entendo que está um pouco sensível depois da morte de Margaret. Também gostava muito dela. Mas a senhorita precisa obedecer seu pai, que ainda por cima é o rei desta nação. Ele também vai com o Guarda Pessoal dele para garantir a segurança de vocês.
A olhei, mas depois baixei o olhar. Ela devia achar que eu era uma princesa mimada que se recusava a obedecer ao próprio pai. E se ela pensava assim, tinha razão. Eu era infantil e tentava ser rebelde às vezes para que ninguém visse meu lado frágil e medroso.
— Está bem. — Respirei fundo. Eu ainda estava desanimada, mas precisava provar que eu não era apenas uma menininha chata e mimada. — Obrigada por avisar.
Ela sorriu muito contente, e me reverenciou para em seguida sair do quarto. Contudo, eu novamente me lembrei que teria que ir com o Soldado Lukas, e não sabia com que cara eu o encararia. Eu nunca gostei da ideia de ter um Guarda Pessoal na minha cola, entretanto o fato de ser o Soldado Lukas piorava tudo.
Esqueci por um momento a pose que eu queria bancar de filha compreensiva e princesa responsável, e já comecei a pensar nas possibilidades de fuga.
Eu não quero ir nessa coroação, então não vou e pronto. Eles terão que me carregar para que eu vá nessa bobagem!
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