Capítulo Oito - Parte 2 🗡
Jehan Larkin
Ainda me sinto paralisado, meu corpo não move um centímetro enquanto vejo meu tio Milosh morrendo em minha frente. E mesmo já tendo visto várias pessoas morrendo, é um choque vê-lo perdendo a vida em minha frente, principalmente por ver o ódio em seus olhos por mim. E eu somente não consigo entender o porquê ele fez tudo isso. Por que a ganância foi tão grande? Éramos uma família! Podíamos estar todos vivendo em paz e... meu pai poderia estar vivo agora. Pela deusa Lua, por que a maldade tem que ser maior que o amor das pessoas?
- E do que tudo isso adiantou, meu querido cunhado? Seu fim não será nada glorioso e todo o seu esforço para nos fazer mal foi em vão. - É a voz de pai Adarel que diz e levanto meu olhar, vendo papai segurando o cabo da lança.
E eu confesso, de todas as pessoas prováveis a matar alguém, a última que eu pensaria seria em meu pai.
- Pode até ser, mas quem está sozinho é você. - Milosh diz meio engasgado pelo sangue que jorra em sua boca e papai afunda ainda mais a lança em seu peito, tendo faíscas de raiva.
- Adeus, Milosh! - É o que papai diz antes de lagar o cabo da lança e estender suas mãos em chamas para o corpo já fraco. E assim vejo Milosh virando cinzas diante meus olhos.
Eu realmente não consigo me expressar nesse momento, me sinto dormente e a única coisa que ainda me mantém consciente é a mão de Elric me tocando de forma firme. Meus olhos se desviam das cinzas do que um dia foi Milosh e olho para meu pai, vendo que ele também me olha. Sua expressão agora é suave e vejo preocupação em seus olhos... vejo amor. Não há mais a raiva de antes, não há mais o julgamento e isso me deixa sem chão, pois eu quis tanto voltar aos braços do meu pai, mas nem forças para isso eu tenho.
E sabendo que está tudo bem, meu corpo e minha mente cobram os esforços exigidos pelos últimos dias. Minhas pernas cedem e meus olhos se fecham, me levando a inconsciência do cansaço.
(...)
É noite, consigo contemplar a perfeição que é a lua beijando o mar e iluminando tudo ao seu redor. Fecho meus olhos ao sentir a brisa batendo em meu rosto e sorrio, mesmo sentindo um pouco de frio. Minha túnica balança conforme o vento soprado e eu me sinto leve. É uma paz tão grande que eu mal percebo não estar sozinho e tomo um pequeno susto ao sentir uma manta sento colocada em meus ombros.
Abro meus olhos, assustados e me viro, ficando chocado ao ver a pessoa em minha frente.
- Pai? - Pergunto, estático.
- Oi, filho! - Ele responde, tendo um sorriso em seu rosto.
Não houve um dia em que eu não sentisse falta do meu pai Vlad desde sua morte e após todos os acontecimentos, não há um dia em que eu me sinta menos culpado por sua morte. Meu peito dói tanto ao saber que fui eu quem cravou uma adaga em seu peito. Dói tanto saber que fui eu, mesmo não querendo... fui eu!
As lágrimas descem sem permissão pelo meu rosto, eu me sinto horrível em vê-lo e saber que não é real, é apenas minha imaginação, pois ele não está mais vivo e isso é culpa minha.
- Ei, pare! A culpa jamais será sua. - Ele diz e me puxa para um abraço, o qual me faz chorar ainda mais. Pois, apesar de amar meu pai com todas as forças, foram raras às vezes que nos abraçamos.
- Mas, fui eu quem...
- Não, não foi! Milosh estava no controle da sua mente, eu sei que jamais faria algo assim. Eu tenho orgulho do homem que você é, tenho orgulho de ser seu pai. - Diz e meu peito se aperta ainda mais.
- Me desculpa pai, eu deveria ter aproveitado meu tempo com o senhor.
- Nós dois deveríamos, mas não há o porque se culpar agora. Aproveite seu tempo com seu pai Adarel, aproveite seu tempo com aquele humano, sei que o ama e tem minha benção. E aproveite também o tempo com essa pequena vida que estará em seus braços em breve. - Diz e suas mãos pousam em meu ventre, ainda sem sinais de uma gestação.
Aperto meus braços ao seu redor, afundando meu rosto em seu peito. E meu pedido nesse momento é que possamos ficar assim para sempre, que ele fique comigo e não vá mais.
- Seja também um bom rei, sei que consegue. Não se apegue aos erros, você foi induzido a eles. Seja forte e reine pelo bem do seu povo, sempre! Mesmo que eles sejam contra você e seu predestinado, não seja contra eles. Vocês serão aceitos, verá isso.
- Obrigado, pai... eu te amo. Não se esqueça, por favor! - Peço, quase implorando.
- Jamais, filho, pois eu também te amo.
E são com essas palavras que eu sou trazido de volta a realidade.
O cheiro forte de algum líquido faz com que uma careta se forme em meu rosto. Minha cabeça lateja de dor e me sinto um pouco tonto e enjoado. Aos poucos meus olhos vão se abrindo e vejo familiaridade no quarto iluminado pelos cristais do lustre no teto. Há uma pessoa ao meu lado e percebo ser pai Adarel, que tem um pequeno frasco em mãos.
- Graças a deusa Lua você acordou! Já não aguentava mais de preocupação. Seu predestinado também estava quase perdendo a cabeça. - Ele diz apressado e me sinto confuso.
- Não tive apenas um desmaio? - Pergunto com a voz um pouco rouca e me sento na cama, apoiando minhas costas na cabeceira.
- Você estava dormindo há três dias, Jehan. Seu corpo cobrou o esforço exigido.
- Uau! - Exclamo baixinho, surpreso.
Desvio os olhos de papai, não sabendo o que dizer após isso. E ao invés de tentar dizer algo, eu fecho meus olhos e levo minhas mãos até minha barriga, sentindo meu bebê ali dentro, sentindo sua energia. E eu fico aliviado em saber que meu pequeno grãozinho está bem após tudo o que passamos.
Sinto mãos sobre as minhas e abro meus olhos, vendo papai me olhando seriamente.
- Quero pedir perdão por tê-lo feito sofrer com minha desconfiança, mas eu precisava fazer Milosh acreditar que estava decepcionado. - Ele diz e isso me deixa surpreso e confuso.
- Como assim? Você sabia que era ele?
- Não podia afirmar, mas sempre soube que Mulosh era invejoso e queria o lugar de seu pai, a morte dele só comprovou isso e a guerra também. Eu nunca culpei você, bebê... sempre soube de sua índole, foi eu quem te colocou nesse mundo. Mas eu precisava que Milosh se mostrasse realmente e conseguimos, só sinto que isso tenha causado tanta dor a você. - Papai explica e eu fico sem fala, não há o que ser dito.
- Já me engarreguei de espalhar a notícia de que Milosh foi o responsável pela morte de seu pai. Ele perdeu todas as honras e não terá uma cerimônia de despedida, não merece tal importância. Será lembrado apenas como um traidor, assim como todos que o ajudaram.
- Obrigado por acreditar em mim. - Falo após um tempo e ele nega, sorrindo pequeno.
- Eu sempre vou acreditar em você, querido. Agora será diferente, você voltará para onde nunca deveria ter saído e será feliz com sua família e a extensão dela. - Papai diz e me emociono com suas palavras.
Sou recebido por um abraço segundos depois e me sinto em casa, literalmente. Saber que para meus pais eu não sou culpado, faz a dor ser um pouco menor, mas não ameniza. As coisas estão diferentes de antes, houve perdas e muito choro, mas parece que agora tudo está voltando ao seu devido lugar e estou ansioso pelas alegrias.
⊱⋅ ──────────── ⋅⊰
Elric Redthorn
Por três dias Jehan dormiu e por três dias tive que aguentar Lyuben cair nas graças de Mack. Tenho que confessar que, de alguma forma, os dois parecem se completar depois de todo o caos que rolou.
Mas tive que fazer algo, na surdina, Rei Adarel conseguiu atender a um pedido meu: poucas horas em Forte Redthorn, foi tudo o que pedi e ele aprovou. Então um dos feéricos com um poder semelhante ao de Jehan de atravessar para os locais, segurou o meu pulso e disse para eu segurar a respiração pelos próximos dez segundos.
Quando voltei a respirar, meus pés estavam encharcados de lama e o cheiro de bosta de cavalo enchia meus pulmões. Luc, o feérico, parece ter ouvido meu pedido interno antes de partirmos, estávamos exatamente no mesmo lugar em que o exército do meu pai estava reunido.
— Se esconda. — murmurei para Luc que desapareceu no ar.
Lyuben me mataria se soubesse onde vim me enfiar, mas tenho que fazer isso... depois de tudo o que ela me contou, depois de tudo o que meu pai veio arranjando para acabar com Bellario, é o meu dever evitar que mais sangue, tanto humano quanto feérico, seja derramado.
Passo pela primeira fogueira e ouço os murmúrios de alguns soldados que me reconhecem... ouço "traidor", "vira-casaca" ou até "herói", é difícil entender como estou sendo conhecido no meio deles, mas não fazem nada, não me impedem de me aproximar até a Tenda Real no meio do acampamento e parar em frente aos dois soldados que são da minha altura.
— Preciso falar com o meu pai.
— Talvez ele não queira falar com você, traidor — o careca que não tem dentes cospe na ponta da minha bota.
O meu soco afunda seu nariz para dentro da cara e ouço o estalo do osso se quebrando, ele se curva de dor e cai de joelhos na lama... o sangue carmesim manchando a terra escura.
— Eu sou o príncipe herdeiro de Ayllan, é claro que meu pai quer falar comigo. — olho de relance para o outro soldado que só se afasta para o lado, deixando a passagem limpa para mim.
É incrível pensar na fragilidade dessa segurança. Eu poderia ser um feérico metamorfo e estar entrando com uma adaga envenenada para destruir o reino dos humanos...
O calor dentro da tenda abraça o meu corpo e ouço uma tosse rouca, dá para ouvir o catarro espesso em seguida sendo expelido para alguma parte do chão.
— Você não fala baixo, Elric. — meu pai murmura, está arfante. — Espero que ser sorrateiro não fosse a sua intenção.
— Estava longe de ser. — olho para ele, sentado numa cadeira de madeira, com a camisa branca de linho ensopada de suor... suas olheiras mais profundas do que nunca.
Ele está mal, muito mal.
— Ljuban deixou mesmo que acampasse com o exército longe de Forte Redthorn? — pergunto.
— Eu a... — tosse. — Eu a mandei para longe... mulheres na guerra, que loucura!
— Onde está a sua cadeira de rodas?
— Ela só me atrapalha nessa lama.
— Então passa o tempo todo sentado numa cadeira, fixo no lugar?
— Você parece zombar de mim, Elric, esqueceu-se já de todos os meus feitos?
— Não. — respondo e sinto o cheiro de álcool no ar... uma olhada rápida para a bancada ao lado dele e vejo a jarra de cerveja (ou rum, não sei) junto com uma caneca. — Vim pedir para que volte para casa, que abandone essa guerra ou tentativa de uma. Não vale a pena, é uma derrota escancarada.
— Engraçado da sua parte dizer isso, Elric... parece que os feéricos já entraram na sua cabeça... plantaram minhoquinhas nessa mente fraca!
— Não precisaram plantar nada, meu pai, está mais do que claro isso.
— Lyuben também traiu o reino... você causa comoção nas pessoas.
— Não era a minha intenção.
— Ljuban acha que a filha está morta.
— Não está.
— Bellario não é terra para humanos, volte para casa e eu pondero se cancelo os planos do conflito.
— Não quero ter que escolher onde quero ficar.
— Burro. — ele suspira. — Você não tem poder de fala mesmo... todas as aulas na Torre, todos os conselhos que participou... não serviram para nada, mesmo?
— O que...
— É a minha vez de falar, Elric! — ele tosse. — Malena era como você.
— O que a minha mãe tem a ver com tudo isso?
— Ela queria uma paz com o povo das fadas. — ele ri. — Não há paz com toda a nossa história em jogo... ela não acreditava nessas coisas que eu dizia. Então a peguei trocando cartas com um conselheiro feérico... achei que fosse algum tipo de adultério, mas era pior que isso. Malena estava organizando um golpe para me tirar do trono e assumir o posto de Rainha Regente até você ter idade suficiente para governar.
Engulo em seco... as palavras parecem abrir minha mente.
— E certa noite tive que dar um ponto final nessa ideiazinha revolucionária. Os humanos jamais poderiam fazer aliança com feéricos, não quando deveríamos ter toda a ilha para o nosso povo, para a nossa raça!
— Você não fez...
— Então eu a empurrei, do alto daquela merda de torre. — ele sorri. — Ela caiu no chão como bosta, sujando tudo ao redor de sangue... até morta, Malena me deu trabalho.
Minhas mãos se fecham ao lado do meu corpo.
— Você teve que puxar ela. — ele ri... vejo sua mão tremer para pegar a caneca com a bebida. — Vou ter que comer Ljuban mais uma vez e ver se aquela ameixa seca ainda me dá um herdeiro... de qualquer forma vou ter que acabar com você antes dessa guerra, pelo visto. — ele continua sorrindo e vira a caneca.
Então tosse.
Fico no meu lugar, ainda tentando absorver as informações, tudo o que eu ouvi sobre a minha mãe de sua boca... provavelmente era mentira.
Mais tosse... a caneca cai no chão.
Ergo meu olhar e vejo meu pai levar as duas mãos até a garganta.
— Elric... — sua voz sai arranhada, rouca...
Fico onde estou.
Não é minha culpa.
— Elric, por... — inspira, mas parece que nenhum ar entra em seus pulmões velhos. — ...favor.
Ele estende a mão para frente e vejo seu corpo velho e corcunda cair no chão da tenda.
— Eu vou acabar essa guerra pelos inocentes que morreriam. — digo enquanto a cara de meu pai se torna roxa. — Ayllan e Bellario terão o melhor futuro possível juntas, já que os dois príncipes herdeiros vão se casar e... ah, espero que morra sabendo que o herdeiro feérico espera um netinho seu.
Seus olhos parecem se arregalar mais do que já estão.
Dou as costas para Guiscard, o meu pai, e só ouço seu último suspiro quando chego na porta da tenda.
O soldado que abriu a passagem para mim, me encara.
— O rei está morto. — respondo. — Estava tendo um ataque quando entrei na tenda... não há nada a ser feito.
Ouço o som de espadas sendo puxadas.
— Não quero problemas. — ergo minhas mãos, mostrando que estão limpas. — Chamem um médico mortoris e ele mesmo dirá que a causa da morte é natural — mentira —, de antemão, como novo rei de Ayllan, declaro que essa missão está cancelada. Bellario não é o nosso principal inimigo.
Sinto uma presença ao meu lado, mas não há ninguém visível, mesmo assim sei que é Luc... ele cumpre o que prometeu a Adarel, que me levaria vivo de volta para Porto Larkin, de volta para o filho que ainda está dormindo.
— Não será necessário. — vejo um soldado com farda de general semelhante a de Mack (já encontraram um substituto?) se aproximar da tenda. — Me ouçam!
Mesmo sendo escolhido a dedo, meu pai ainda escolheu um general revolucionário. Fico até o dia amanhecer, tempo suficiente para o mortoris analisar o meu pai e declarar que não foi assassinado e sim um acidente.
Ayllan tem um novo rei.
Penso em Jehan e sinto nossa conexão reagir novamente...
— Luc, me leve de volta.
Caminho até dentro da tenda que está vazia, somente com o corpo do meu pai enrolado em lençóis pretos e Luc volta a ficar visível antes de pegar a minha mão e atravessarmos de volta para Porto Larkin.
Meus passos são largos pelos corredores do palácio extremamente limpo. Paro em frente a porta do quarto de Jehan e quando abro, vejo que Adarel está abraçando o filho. Sorrio... eu o senti acordar.
— Você está com uma cara péssima. — diz Jehan acima dos ombros do pai.
Meus próprios ombros caem e dou um meio sorriso me aproximando da cama com dossel.
— Meu pai está morto. — digo de uma vez. — Morreu engasgado com a própria bebida e... agora tenho a coroa de Ayllan sobre a minha cabeça, Jehan.
— Vou deixá-los à sós. — Adarel sorri simpático para nós dois, mas para em mim. — A Coroa de Bellario e os Larkin te aponham e reconhecem como rei legítimo de Ayllan e Forte Redthorn, Elric.
— Obrigado. — respondo.
E fico um pouco sem graça quando Adarel Larkin faz uma curta reverência e deixa o quarto para trás.
— O que isso significa? — Jehan parece um pouco sonolento ainda.
— Significa que não haverá mais guerra entre humanos e feéricos. — respondo e me aproximo mais ainda da cama, pegando suas mãos nas minhas. — Vamos ter paz para o nosso filho.
Jehan sorri e depois de horas, me permito sorrir de verdade, de orelha a orelha, quando o abraço e percebo o quão exausto estou.
⊱⋅ ──────────── ⋅⊰
Adarel Larkin
Depois que se vive por muito tempo, há certas decisões que não temos que pensar duas vezes em tomar.
— Aqui está. — coloco o saco de ouro e diamante nas mãos de Luc. — Tem certeza que ninguém o viu entrar na tenta e envenenar a caneca de Guiscard?
— Tenho. — responde ele com um sorriso ao enfiar o saco dentro do gibão. — Meu trabalho é silencioso, Majestade.
— Ótimo... agora você vai esquecer quem te deu a ordem e qual era o serviço. — sussurro as palavras, usando a minha magia e Luc pisca duas vezes.
— Perdão, qual serviço?
— O de levar esse ouro e diamante de volta ao cofre. — respondo, dando com as mãos.
— Majestade. — Luc reverencia e se afasta de mim.
Olho para trás, para o reino que se estende à minha frente.
Como você faz falta Vlad..., pelo menos estou mantendo a paz para o nosso povo.
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Olá, jujubas!!! Mais uma vez eu peço desculpas pela demora. Mas, como já disse antes, esse livro é o único que eu escrevo em conjunto de outro autor, então muitas vezes nós nos desencontramos. Mas a notícia boa é que o próximo capítulo é o último e já está escrito, somente faltando finalizar.
Espero muito que tenham gostado até aqui e um grande beijo. 😘😘
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