Capítulo 6: Oficial Blackwood
Aria inspirou fundo e expirou lentamente, uma técnica que sempre usava para manter o controle quando alguém conseguia tirá-la do sério. Era um hábito necessário, adquirido ao longo dos anos enquanto lidava com as ordens ilógicas de Petrus ou com a arrogância dos vampiros que frequentavam o restaurante — sem mencionar aqueles momentos tensos em que atuava como assistente de seu pai. Havia aprendido, da maneira mais difícil, que não importava o quanto quisesse socar ou chutar quem a irritava, ela não teria a menor chance contra essas forças superiores. Vampiros possuíam habilidades além da compreensão humana, alimentados por sua poderosa magia de sangue. E, no caso de um Lúminis, a lógica era similar. Esses oficiais, descendentes dos antigos Cavaleiros Lúminis, agora mantinham a ordem para ambos os lados — humanos e vampiros.
No passado, os Lúminis haviam lutado contra os vampiros, tentando defender a humanidade em um tempo em que acreditavam poder se rebelar contra seus mestres. Hoje, eles eram mais burocráticos, servindo aos vampiros para manter uma paz frágil. E socar um Lúminis na porta de sua casa era a passagem mais rápida para o Fosso — a prisão subterrânea de Sombra Alta, um lugar de escuridão perpétua, onde o sol era uma lembrança distante e o ar era espesso com o cheiro de coisas antigas e decadentes. Não havia como Aria abandonar o ar livre e a luz do dia para viver em uma cova úmida e insalubre.
Ela inspirou fundo novamente, tentando recuperar o controle. A situação já não era nada boa. Se o que Antony Blackwood disse era verdade, ela era uma suspeita? Aquilo só podia ser uma piada de péssimo gosto.
Outra lágrima solitária rolou por sua bochecha, e ela fungou discretamente antes de finalmente abrir a porta para o oficial. Sentiu-se um pouco mais equilibrada, as emoções finalmente voltando a seu lugar de maneira controlada.
— Como sabe que fui a última pessoa a ver Maria? — perguntou, dando um passo para o lado para que Blackwood pudesse entrar. O nome de sua amiga quase sufocou suas palavras, um peso enorme pressionando seu peito.
— Câmeras — respondeu ele de maneira direta, mas seus olhos vagaram rapidamente pela bagunça organizada da quitinete de Aria. Roupas amontoadas em um balde no canto, livros e papéis espalhados por toda parte, fruto de suas pesquisas noturnas. O caos da sala parecia absorver toda a energia do lugar, uma confusão que refletia perfeitamente o estado de espírito de Aria. Não era o ambiente ideal para receber visitas, muito menos um oficial de Lúminis.
Blackwood parecia alheio à desordem, mas Aria percebeu o breve arquear de sua sobrancelha quando seus olhos cinzentos pousaram sobre um amontoado de anotações e símbolos rabiscados.
— Essas câmeras devem ter capturado que fui para a estação de trem e voltei para casa — retrucou Aria, a irritação começando a se infiltrar em sua voz. — E depois? As câmeras não mostraram o que aconteceu com Maria? Quem a encontrou depois de mim?
Blackwood parou por um instante, voltando o olhar para ela. Seus olhos cinzentos a analisavam com precisão, percorrendo-a dos pés à cabeça. Só então Aria percebeu o quão desajeitada estava. Ainda vestia seu pijama — um shortinho folgado decorado com bolinhas, que deixava suas pernas à mostra, e uma regata de flanela de alças finas que revelava mais do seu busto do que gostaria naquele momento. Para completar, estava descalça e seu cabelo estava uma bagunça completa, parecendo mais uma juba de leão indomável do que qualquer coisa. Sentiu o calor do embaraço subir pelo corpo, envolvendo-a completamente. Instintivamente, cruzou os braços sobre o peito, tentando ocultar seu corpo sob o olhar intenso do oficial.
— Tem café? Ou água? — perguntou Blackwood, desviando o olhar para a cozinha, como se percebesse o desconforto de Aria e mudasse de assunto para aliviá-la de ser o centro de sua atenção.
— Eu nem tenho café suficiente para mim mesma — respondeu Aria, sentindo-se um pouco mais à vontade enquanto se dirigia à pequena cozinha. Ela passou por ele com passos rápidos, movendo-se para trás da bancada apertada. — Se quiser, posso te oferecer água da torneira. — Ela fez uma pausa, lançando um olhar de lado, desafiando-o a aceitar a oferta improvisada.
— Eu... — Blackwood começou, mas foi interrompido de forma brusca.
Raptor, que até então estava escondido em algum canto sombrio da quitinete, decidiu atacar. Com um rosnado profundo, que mais parecia vir de uma fera do que de um gato, ele disparou na direção do oficial. Blackwood não teve tempo de reagir. O felino pulou sobre sua perna, suas garras afiadas se cravando na calça do oficial, fazendo-o perder o equilíbrio. O impacto foi imediato. Blackwood caiu no chão com um baque surdo, o ar expelido dos pulmões enquanto Raptor avançava sobre ele, escalando rapidamente até seu peito.
Aria hesitou por um momento, observando a cena com um meio sorriso malicioso no rosto. Talvez, só talvez, ela tivesse deixado Raptor agir por mais tempo do que deveria. O oficial arrogante merecia, considerando o jeito condescendente e evasivo com que vinha lidando com suas perguntas.
— Tire esse monstro de cima de mim! — clamou Blackwood, a voz tensa, enquanto tentava desesperadamente afastar o gato de si.
Raptor estava deitado firmemente sobre o peito de Antony, suas garras firmemente cravadas no tecido do uniforme azul. O gato parecia gostar do caos que causava, os olhos amarelos brilhando em satisfação predatória. Aria finalmente decidiu agir. Com um pouco de esforço — e não sem alguma dificuldade —, ela pegou Raptor e o retirou de cima do oficial. O gato resistiu, bufando de frustração enquanto era afastado, mas Aria conseguiu mantê-lo sob controle.
Blackwood se levantou rapidamente, ajeitando o uniforme agora desalinhado e marcado por pequenos arranhões visíveis em sua pele. Ele pigarreou, tentando recuperar a compostura que claramente tinha perdido, mas o leve rubor em suas bochechas denunciava seu constrangimento.
— Onde estávamos? — perguntou ele, fingindo que nada havia acontecido, mas Aria notou a tensão nos seus movimentos.
— Você estava prestes a me explicar o motivo de as câmeras terem me visto com Maria, provavelmente provando que fui para a estação de trem e segui para casa, eliminando qualquer suspeita sobre mim... — A voz de Aria era firme, o olhar fixo no oficial. — Mas as mesmas câmeras, pelo visto, não mostraram quem se encontrou com Maria depois disso.
Antony suspirou, o som exalando parte da rigidez que ele ainda tentava manter. Talvez ele tivesse finalmente decidido abandonar a fachada de mistério e superioridade. Afinal, era difícil manter qualquer dignidade quando momentos antes ele estava gritando como uma criança assustada devido ao ataque de um gato.
— As câmeras não captaram nada depois que você foi embora — admitiu ele, seus olhos endurecendo, voltando ao tom profissional. — É isso que torna o caso tão suspeito, senhorita Thorne. Assim que você se distancia, todas as câmeras da região se apagam. Como se alguém... ou algo... estivesse interferindo.
O silêncio se instalou entre eles, pesado e denso, como um véu invisível cobrindo o ambiente. Apenas o miado irritado de Raptor, inquieto no colo de Aria, quebrou a quietude por alguns segundos. O felino se mexia desconfortavelmente, e Aria, sem realmente prestar atenção, acariciava o pelo escuro com movimentos suaves, como se o gesto automático pudesse acalmar tanto o gato quanto sua própria mente.
Ela manteve os olhos fixos na bancada desgastada da cozinha, o olhar perdido enquanto tentava processar o que Blackwood havia revelado. As implicações daquilo ressoavam em sua mente, mas ainda pareciam nebulosas, distantes.
— É por isso que preciso fazer algumas perguntas, senhorita Thorne — Blackwood disse, quebrando o silêncio. Ele retirou um bloco de notas do bolso lateral das calças, abrindo-o com um movimento ágil. O som do papel ecoou pelo espaço estreito da quitinete.
Aria piscou, trazendo a atenção de volta ao presente. Seus dedos continuaram acariciando Raptor, embora agora os movimentos estivessem mais lentos, distraídos.
— A senhorita Alunnis mencionou a você que iria se encontrar com alguém? Ela tinha um namorado? Ou... namorada? — A pergunta saiu casual, mas havia um tom de seriedade subjacente.
— Não... — Aria balançou a cabeça levemente, o olhar ainda distante. Sua voz era baixa, como se fosse difícil falar. — Ela tinha muitos crushes, mas... nunca teve coragem de confessar a nenhum deles...
Enquanto falava, a imagem de Maria, com as bochechas coradas e os olhos baixos de timidez, surgiu em sua mente, trazendo uma dor familiar e aguda ao seu peito.
— Você já perguntou ao pessoal da república? — Aria perguntou de repente, erguendo o olhar para encontrar o de Blackwood. — Maria morava em uma no distrito do Arco de Luz. Era uma república só para garotas... Eu não lembro o nome agora... — Ela franziu o cenho, tentando puxar a memória. Apesar de serem amigas próximas, Aria nunca havia visitado a tal república, e Maria raramente falava sobre o lugar. Às vezes, Aria se perguntava se as garotas da república a tratavam mal. Maria sempre fora tão passiva em tantas coisas, retraída, quase invisível em seus próprios desejos. Era como se as pessoas ao redor dela simplesmente não percebessem suas necessidades, e Maria, por medo de causar qualquer inconveniente, não se fazia ouvir.
Aria apertou os lábios. Era por isso que havia planejado convidar Maria para morar com ela, na quitinete. Elas se tornariam colegas de quarto, dividiram o pequeno espaço... Mas agora tudo parecia uma ideia distante, quebrada, como se o tempo tivesse esgotado antes mesmo de ela poder sugerir.
Ela se perguntou por que nunca teve coragem de fazer a proposta. Se tivesse feito, Maria teria vindo com ela para Luzerrante. Talvez ela estivesse a salvo agora.
Blackwood deu um leve aceno de cabeça, como se já tivesse esperado aquela pergunta.
— Sim, já falei com as garotas da república — respondeu ele — Mas, segundo elas, Maria era muito reservada. Pouco falava e era bastante introspectiva. Solitária, até. — Seus olhos cinzentos lançaram um olhar avaliador para Aria, como se quisesse compreender o laço improvável entre ela e Maria, reconhecendo que a amizade delas era uma exceção à regra.
Aria sentiu o peso desse olhar, mas não recuou. Ela sabia o que ele estava pensando — como duas pessoas tão diferentes poderiam ser amigas? Mas, no fundo, a diferença entre elas era o que as unia.
Ela abriu a boca para perguntar sobre a família de Maria, mas Blackwood a interrompeu suavemente, como se já previsse sua próxima pergunta.
— A senhorita Alunnis não era natural de Sombra Alta — disse ele, sua voz tornando-se um pouco mais grave. — Os Lúminis de Mortavia foram informados, e eles provavelmente já notificaram a família dela. Você sabe por que Maria veio para cá? Mortavia fica bem longe de Sombra Alta...
Aria balançou a cabeça, sentindo um novo peso de culpa se instalar em seu peito, se acumulando com a dor que já carregava. Como podia ser tão próxima de Maria e, ao mesmo tempo, saber tão pouco sobre o passado dela?
— Outra pergunta — continuou Blackwood, a voz firme enquanto seus olhos se fixavam em Aria —, a senhorita Alunnis usava alguma droga ilícita? Ou estava envolvida em algo obscuro? Algo que pudesse ter levado alguém a cobrar uma dívida?
— Maria? — Aria quase riu de incredulidade, mas o sorriso morreu em seus lábios. — Ela mal conseguia suportar álcool... Quando Petrus oferecia doces com licor para os funcionários provarem, ela sempre recusava. Ela odiava até o cheiro de tabaco. Não consigo imaginá-la consumindo qualquer tipo de droga. Ela era... — Aria corrigiu-se rapidamente, sentindo o peso da perda apertar seu coração. — Ela era super certinha. Quase como se fosse... intocada por qualquer mal.
Enquanto falava, Aria percebeu o quanto estava defendendo a imagem de Maria, mesmo que ninguém a estivesse atacando. Maria sempre fora a personificação da inocência, uma luz suave em meio à escuridão de Sombra Alta.
Blackwood fechou seu bloco de notas com um gesto meticuloso, um suspiro frustrado escapando de seus lábios.
— Bem, parece que estamos em um grande beco sem saída — disse ele.
Aria hesitou por um instante, mordendo o lábio inferior. Havia algo que ainda a incomodava profundamente, algo que ela não conseguia ignorar.
— E o fato de haver tão pouco sangue... — soltou, quase como se estivesse pensando em voz alta. Blackwood virou-se para ela, surpreso, os olhos cinzentos mais atentos agora.
— Eu vi na TV... — Aria engoliu em seco, tentando afastar a palavra "corpo" da mente. Não conseguia dizer aquilo. Não sobre Maria. — Continuaram mostrando as imagens... Mas dava para ver que não havia muito sangue, apesar dos cortes... E isso me pareceu... estranho.
Blackwood hesitou, desviando o olhar brevemente, como se estivesse escolhendo as palavras com cuidado. Ele finalmente guardou o bloco de notas e evitou o olhar ansioso de Aria.
— Interessante você notar isso — admitiu ele, a voz mais baixa, quase relutante. — A causa mortis da senhorita Alunnis ainda não foi determinada, mas é evidente que há uma ausência significativa de sangue... tanto no local quanto... nela.
A última palavra foi dita com um tom sombrio, fazendo Aria arregalar os olhos em compreensão.
— Se não tem sangue nela, isso significa que um vampiro... — começou Aria, mas Blackwood a interrompeu com um gesto firme da mão.
— Senhorita Thorne, deve-se lembrar que a prática de caça de vampiros a humanos foi abolida há muitos anos. O Tratado da Luz e Sombra é bastante claro: nenhum vampiro pode capturar um humano contra sua vontade e beber seu sangue, principalmente até o ponto de morte. Não há necessidade disso, uma vez que temos o sistema de doação compulsória de sangue estabelecido mensalmente por nós, humanos. — A voz de Blackwood era robótica, quase como se estivesse recitando de memória, enquanto ele se dirigia à porta de entrada.
Aria franziu o cenho, irritada com a formalidade automatizada do oficial.
— Eu sei disso... Mas isso não significa que um sanguessuga não possa querer se divertir, quebrar o tédio de receber sangue em uma taça e querer sugar diretamente do pescoço de alguém! — Aria ralhou, vendo-o já abrindo a porta, aparentemente pronto para encerrar a conversa. A frustração a invadiu. Seria assim que tudo terminaria? Ela ainda tinha tantas perguntas sem resposta.
— Ei, Blackwood, espere aí... — chamou ela, dando um passo em direção à porta, mas foi parada quando o oficial segurou seu ombro com firmeza, empurrando-a suavemente de volta para o interior da casa.
— Agradeço por ter respondido honestamente às minhas perguntas, senhorita Thorne — disse ele, sem qualquer sinal de emoção na voz. — Minhas condolências pela sua amiga... Continuarei investigando. Caso se lembre de algo que possa ajudar, pode ligar para este número. — Ele tentou entregar um pedaço de papel a Aria, mas como ela ainda segurava Raptor, o gato foi mais rápido, capturando o papel com suas garras.
Aria tentou recuperar o papel enquanto falava rapidamente:
— Espere, eu ainda...
Blackwood a interrompeu novamente, a voz séria e resoluta.
— Você ainda será chamada para comparecer à sede dos Lúminis para prestar um depoimento mais detalhado. Portanto, isto não é um adeus, mas um até logo. — Ele deu um leve aceno e se afastou, caminhando em direção ao carro.
Aria ficou parada na porta, observando-o com frustração crescente. A raiva pulsava em suas veias, e por um momento, ela quase correu atrás dele para dar o soco que sentiu vontade de dar desde o primeiro momento em que o conhecera. Mas então, algo a fez congelar.
No carro, na penumbra dos vidros escurecidos, ela percebeu uma figura. Pálida, com uma presença perturbadora, os olhos vermelhos brilharam por um breve instante enquanto observavam Aria com uma intensidade desconcertante. O rosto da vampira estava em parte oculto pelas sombras, mas havia algo na postura dela — uma mistura de predatória paciência e uma confiança letal — que fez Aria sentir um calafrio percorrer sua espinha. Os olhos rubros da vampira mantinham-se fixos nela, como se a estudassem... ou a julgassem.
Blackwood lançou um último olhar para Aria, indecifrável, antes de entrar no veículo. A vampira não desviou o olhar, mantendo-se imóvel, quase como uma estátua gótica viva, até que o carro finalmente se afastou.
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