Capítulo 14: A batalha de Auras
A aura estranha... lá estava ela novamente.
Enquanto avançavam pelo beco estreito, com as costas voltadas para a luta feroz entre Leon, Jasmine e o vampiro Manipulador, Lucius parou bruscamente, seus olhos fixos em algo que flutuava no ar à frente. Uma aura de sangue vermelho escuro pulsava ali, densa como um nevoeiro prestes a se espalhar. Mas dessa vez havia algo mais: uma segunda aura, prateada com tons de roxo, dançando ao redor da primeira, como uma sombra etérea entrelaçada na escuridão. Ele nunca havia visto nada parecido.
Um vislumbre semelhante disso o alcançara momentos antes, mas ele o descartara como um truque de luz ou uma ilusão temporária. Agora, no entanto, a visão era tão palpável, tão concreta, que não havia como ignorá-la.
Lucius ficou imóvel, atônito. Sylvia colidiu em suas costas, o olhar de frustração estampado em seu rosto enquanto se endireitava, tentando manter a compostura por se tratar do rei de Sombra Alta.
— Está vendo isso? — murmurou Lucius, apontando para as auras que giravam e pulsavam no ar, uma fusão de cores que parecia desafiar todas as leis da magia de sangue.
Sylvia estreitou os olhos, fixando-os onde ele indicava. Ela parecia confusa, e então o fitou com uma expressão vazia, quase irritada.
— Meu senhor, só consigo ver uma aura, de alguém utilizando magia de sangue. Como você. E estamos perdendo tempo... — respondeu Sylvia, tentando ocultar sua impaciência.
Lucius quase insistiu na pergunta, mas conteve-se. Ele tinha poder além do comum, e talvez fosse isso que permitisse ver mais do que Sylvia era capaz de perceber. Mas... o que isso significava? Ele apertou os lábios, sentindo a tensão se acumular em seu peito.
— Vamos — disse por fim, avançando com velocidade renovada.
Eles chegaram a uma encruzilhada no beco, e o que Lucius viu ali o fez estacar novamente, o choque estampado em seu rosto. Um vampiro estava sobre um humano, segurando-o pelo pescoço, imobilizando-o no chão. Em sua outra mão, o vampiro Manipulador havia materializado um chicote de sangue, que chicoteava uma jovem humana que tentava, desesperadamente, salvar o companheiro preso sob o monstro.
Aria. O nome da garota ecoou na mente de Lucius quando ele a viu, talvez uma resposta de sua habilidade herdade de seu tio e passada pela linhagem Dracul como uma dádiva ou uma praga, mas antes que pudesse reagir, viu-a ser lançada para trás pela força sobrenatural do chicote. Era uma cena brutal, quase insuportável de assistir.
Sylvia avançou, pronta para intervir, mas Lucius estendeu a mão, impedindo-a. Havia algo... as auras. Uma emanava do vampiro, mas a outra...
Foi então que o ar ao redor deles se transformou. Uma densidade quase elétrica encheu o espaço, como se uma tempestade estivesse prestes a estourar. Lucius sentiu a energia na pele, cada fio de seu corpo reagindo a essa mudança. A aura prateada ao redor de Aria se intensificou, concentrando-se até se condensar em uma esfera de energia. Em um lampejo, a esfera disparou, atingindo o vampiro Manipulador com uma força devastadora.
Lucius ficou boquiaberto.
— Ela é uma vampira? Isso é magia de sangue? De que tipo? — Sylvia, sempre a fonte do conhecimento, murmurava confusa ao seu lado. A vampira de expressão controlada agora parecia incapaz de compreender o que estava diante dela.
Lucius estreitou os olhos, estudando Aria. Não, ela não era vampira; ele podia ouvir o pulsar quente e constante de seu coração, o sangue fluindo pelo corpo dela com a força e o calor que apenas humanos possuíam. Mas aquela aura ao seu redor... aquilo não fazia sentido.
Algo estava errado. Humanos não podiam usar magia de sangue. Não podiam controlar energia de forma alguma. O que ele estava vendo ali era uma afronta ao que ele sabia ser possível — e era fascinante, ao mesmo tempo que perturbador.
A esfera de energia colidiu com o vampiro Manipulador, que foi lançado para trás, o braço e o ombro destroçados, fragmentos de sangue escorrendo do ferimento enquanto ele encarava Aria com olhos arregalados de terror. Sim, terror. Pela primeira vez, Lucius viu o medo absoluto nos olhos de um vampiro.
— Bruxa... — o vampiro balbuciou, cambaleando para se recompor, enquanto da carne destruída em seu braço dilacerado, novos chicotes de sangue começavam a emergir, cada um pulsando e gotejando. Sem hesitar, eles se lançaram para frente, mirando a garota que ainda estava atônita, o rosto dela uma mescla de choque e determinação.
Lucius observava em silêncio, a mente um turbilhão de perguntas que desafiam resposta. Mas, entre todas as incertezas, havia uma verdade sólida como pedra: Aria era muito mais do que uma simples humana. Aquela aura prateada e roxa, pulsando como uma força ancestral ao redor dela, era uma magia que ele jamais havia visto entre mortais.
Outra certeza se impunha sobre ele com a mesma intensidade: não podia deixá-la morrer. Não agora.
~**~
— Vamos, vamos! — sussurrou Aria para si mesma, erguendo o braço com a mão aberta, tentando conjurar outra esfera de energia. Nada. Ela podia sentir uma energia no ar — quase ver, na verdade, como uma névoa vermelha envolvia o vampiro à sua frente, pulsante e viva, como uma presença antiga e faminta. Ao redor dela mesma, uma aura prateada e mais fraca brilhava, mas lentamente se dissipava. Aquilo era o estranho poder que ela havia usado antes... e parecia estar acabando.
— Vamos! Dispare, ative, faça alguma coisa! — murmurou desesperada, sacudindo os braços sem saber ao certo o que estava tentando. Mas nada acontecia. Os chicotes de sangue já se lançavam em sua direção. Era o fim. Ela se sentia exausta demais para reagir, como se todo seu corpo tivesse sido drenado.
Fechou os olhos, esperando o impacto... que não veio. Quando abriu os olhos, surpresa, encontrou-se encarando as costas largas de um homem que havia se colocado entre ela e os chicotes. Tudo o que conseguiu ver, a princípio, foram seus cabelos prateados, amarrados em elegantes tranças que se reuniam em um rabo de cavalo. Ele segurava duas adagas em cada mão, suas lâminas parecendo pequenas diante dos chicotes de sangue que se contorciam à frente. Mas então ela viu sangue escorrer de suas mãos e deslizar pelas lâminas, transformando-as em algo mais.
As adagas se expandiram, alongando-se até se tornarem duas espadas de um vermelho profundo, brilhando com a intensidade de brasas recém-acesas. O homem girou as lâminas com habilidade mortal, preenchendo o ar em movimentos precisos. Cada chicote foi cortado em uma chuva de sangue que manchou o chão ao redor deles. Aria caiu para trás, assombrada e apavorada. Aquilo era magia de sangue, e ela entendia o que significava. O vampiro que a havia protegido era também uma criatura das trevas, com poderes que beiravam o impossível.
E agora? Ele era um salvador... ou um novo perigo?
— Ora, ora... Vossa majestade em pessoa resolveu sujar as mãos? — o vampiro caído cuspiu, sangue escuro escorrendo pela boca. A despeito de seu ferimento, ele ainda sorria, admirável em sua resistência. "Vossa Majestade?" A compreensão surgiu, e o horror cresceu em seu peito. Aquele que estava à sua frente era Lucius Dracul, o rei de Sombra Alta. Aria se sentia totalmente perdida.
Lucius ergueu o queixo, a voz fria e afiada como aço.
— O que pensa que está fazendo, vampiro? Atacando um súdito humano em meu território? Se está caçando... saiba que quebrou todo e qualquer protocolo de convivência que me impeça de matá-lo aqui e agora.
O vampiro ferido riu, cheio de desprezo.
— E vai mesmo ter coragem? Nem ousa usar a Coroa de Sangue. Pode realmente se chamar rei dessa cidade?
A zombaria morreu na garganta dele, interrompida por uma lâmina que cortou o ar e, em um movimento ágil, decapitou-o. A vampira responsável era uma mulher que Aria, por seu rosto jovem e estatura pequena, quase confundira com uma adolescente. Suas unhas, antes curtas, haviam crescido, transformando-se em garras sombrias e afiadas. Agora, enquanto segurava a cabeça decapitada em uma das mãos, fitava o corpo do vampiro com desdém.
— Como ousa falar assim com o meu senhor! — exclamou a vampira, sua voz transbordando fúria.
— Sylvia, eu tinha dado ordens para não matá-lo. — Lucius a repreendeu, a voz baixa, mas carregada de reprovação.
Ela apenas deu de ombros, chutando o corpo com um ar de desprezo, as unhas já retornando ao tamanho normal enquanto segurava a cabeça em sua mão.
— Para o seu poder atuar, meu senhor, ele não precisa estar vivo. — Ela lançou-lhe um olhar afiado, relembrando-o.
Aria assistia a tudo de olhos arregalados e boca entreaberta. A ferocidade, a violência... Era como se estivesse presa em um pesadelo sangrento. Enquanto Lucius e Sylvia trocavam palavras, ela viu uma oportunidade. Talvez pudesse escapar. Se ao menos pudesse chegar até Julian, que ainda estava caído, inconsciente no meio daquele caos.
Prendendo a respiração, Aria começou a engatinhar para trás, tentando se tornar o mais invisível possível no emaranhado de restos, sujeira e sangue.
Ela tentou não pensar na força estranha que emitira antes, na palavra "bruxa" que o vampiro balbuciara com terror, ou na presença devastadora do rei vampiro e sua guarda Crepuscular. Aria nunca fora de rezar, mas ali, engatinhando na lama ensanguentada, murmurou um apelo à Santa das Luzes, pedindo um milagre. Foi quando uma pontada aguda de dor percorreu seu pescoço, forçando-a a olhar para cima.
Cinco lâminas negras, tão afiadas que faiscavam mesmo sob a luz tênue do beco, repousavam contra sua pele. Aria ergueu os olhos e encontrou o olhar gélido de Sylvia. A vampira segurava a cabeça decapitada do inimigo numa mão, enquanto suas unhas da outra mão livre, agora longas e finas como adagas, pressionavam o pescoço de Aria, ameaçando perfurar.
"É o meu fim..." foi o pensamento que pulsou em sua mente. Seu coração disparou, e uma familiar vibração esquentou cada célula de seu corpo, irradiando de seu centro para fora. Ela mal conseguia entender, mas a aura prateada e roxa com um brilho verde começou a se formar ao seu redor. A energia fluía e girava ao redor dela, cada vez mais intensa.
— Sylvia, afaste-se! — A voz de Lucius Dracul cortou o ar, mas parecia distante, abafada pelo pulsar da magia ao seu redor.
Era tarde demais. O poder escapou de Aria como um pulso incontrolável, uma onda de calor gelado que a drenava, fazendo-a sentir como se sua vida estivesse sendo arrancada a cada segundo. Ela viu, de relance, Sylvia sendo arremessada contra uma parede, desacordada, mas isso não lhe trouxe alívio. O poder se intensificava dentro dela, como se tentasse consumir tudo ao seu redor — e a si mesma.
— Você tem que parar! — uma voz gritou ao longe, desesperada. — Contenha essa magia!
Ela tentou responder, gritar que não sabia como parar algo que nem ao menos sabia como havia começado. O desejo de cessar a magia crescia em seu peito, mas sua vontade parecia pequena demais para o poder que fluía fora de controle.
Foi então que sentiu mãos firmes ao redor de seu pescoço, e braços fortes a envolverem por trás, como uma âncora no meio do caos. Alguém tinha conseguido se aproximar, tinha ousado se mover através daquela tempestade de energia... E então ela percebeu que Sylvia ainda estava desacordada, largada ao chão. Só podia ser ele.
— Peço perdão... — murmurou uma voz baixa e áspera em seu ouvido, cada palavra sussurrada como uma promessa. Era Lucius Dracul.
Antes que pudesse reagir, os caninos perfuraram sua pele, rompendo a barreira entre seu mundo e o poder brutal dos vampiros. Foi como se tudo que era dela — o medo, a raiva, o desespero e a magia que escapava de seu corpo — fosse sugado para fora em uma torrente. E então, seu mundo escureceu, mergulhando-a em um vazio profundo e silencioso.
Ela se afogou na escuridão, sem saber se algum dia voltaria à superfície.
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