Capítulo 13: Bruxa


O som da balada romântica ressoava alto nos fones de ouvido, uma canção sobre amores não correspondidos e traições. Ele cantarolava baixo enquanto pedalava pelas ruas estreitas e sombrias dos becos menos movimentados de Círio do Poente. Fazer uma entrega tão tarde era incomum, mas o cliente pagou bem para que o pedido fosse entregue a essa hora. Quem era ele para reclamar? Receberia um bônus e logo estaria indo para casa, embalado pelo som da música. Só esperava não acabar cochilando e caindo de novo na bicicleta, como já havia acontecido antes, com a poça d'água fria esperando para lhe dar as boas-vindas.

O pensamento fez um arrepio gelado percorrer sua espinha. Ele parou a bicicleta por um momento, abraçando os braços ao sentir o calafrio que não era só de frio, mas de uma apreensão crescente. Algo estava errado. Ele olhou ao redor, franzindo a testa, tentando entender o que o incomodava. Foi então que percebeu vultos se movendo rápido entre os prédios acima. Estreitou os olhos, forçando a visão na escuridão iluminada apenas por postes enfraquecidos.

Uma súbita sensação de estar encurralado o invadiu, como se algo o estivesse observando. Seu coração disparou, pulsando forte em seus ouvidos. Suas mãos tremiam quando ele retirou os fones de ouvido lentamente e olhou para trás, sentindo o ar pesado. Ali, no fim do beco, uma figura encapuzada o observava. Ele não podia ver detalhes, a pouca luz não ajudava, mas algo no fundo de sua mente gritava. Aquilo era um vampiro.

Seus músculos pareciam paralisados, como se o medo tivesse roubado toda sua energia. Ele queria correr, queria pedalar o mais rápido que podia, mas simplesmente não conseguia. Estava preso.

De repente, algo pousou com um impacto pesado à sua frente. Outro vampiro, mais alto e massivo, com uma cicatriz terrível que descia pelo rosto, estava parado entre ele e a figura encapuzada. O olho de íris rubra desse novo vampiro não estava voltado para ele, mas para a ameaça à distância.

— Uma ótima maneira de começar a noite é com uma boa briga — rosnou o vampiro, sua voz profunda ressoando com diversão sombria. Ele segurava um enorme machado de lâmina negra como a própria noite. Em um movimento que surpreendeu o entregador, o vampiro passou a mão pela lâmina, cortando a própria carne. Sangue espesso escorreu pela lâmina, e a escuridão que antes envolvia o machado deu lugar a uma luz avermelhada sinistra, como se a arma tivesse ganhado vida.

— Agora sim! — rugiu ele, levantando o machado com um brilho ameaçador no único olho. — Vamos brigar!

O movimento do machado rasgou o ar com uma força sobrenatural. Um vento violento, fantasmagórico, varreu o beco, empurrando o entregador para trás com tamanha brutalidade que ele foi arremessado ao chão, o ar escapando de seus pulmões. O vendaval arrancou telhas dos telhados e lascou as paredes de tijolos, criando uma tempestade em miniatura. A figura no final do beco, a verdadeira ameaça, foi forçada a recuar, mas não caiu como o humano. O capuz de seu manto foi arrancado, revelando um rosto pálido e cadavérico, moldado por um sorriso cheio de caninos afiados.

— Isso vai ser interessante — sussurrou o vampiro, seus lábios curvando-se em um sorriso predatório. Seus olhos, dois rubis flamejantes, ardiam com a promessa de violência iminente.

O enorme vampiro de barba espessa e cicatriz grotesca, ergueu seu machado. Com um movimento fluido, ele preparava-se para liberar mais uma rajada de vento devastador, mas antes que pudesse atacar, uma voz cortou o ar noturno.

— Leon! Assim você vai destruir as casas e matar o humano! — gritou uma mulher, surgindo ao lado do entregador. Ele, ainda tentando entender o caos ao seu redor, arregalou os olhos ao perceber a presença dela.

Os cabelos curtos e loiros da misteriosa mulher brilhavam sob a luz dos postes enfraquecidos, e em sua mão, uma espada curta, afiada como uma lâmina de vento. Ela moveu a espada com precisão, cortando o ar e desviando os ventos violentos que haviam começado a se formar. O entregador, atordoado, notou que a força que o estava empurrando fora contida. Ele sentiu um alívio momentâneo, mas logo seu estômago se revirou ao perceber que a mulher que o havia "salvado" também era uma vampira. Seus olhos vermelhos denunciavam sua verdadeira natureza.

Leon ignorou a advertência da vampira, girando o machado com uma risada baixa e ameaçadora. O entregador, instintivamente, levantou os braços, esperando o impacto brutal que o jogaria para longe — ou pior. No entanto, o golpe não veio. Quando ele abriu os olhos, ofegante e com o coração martelando no peito, viu algo que o congelou ainda mais do que o vento.

Correntes de sangue, vermelho-escarlate e grotescamente brilhantes, serpenteavam pelo ar, envolvendo os braços musculosos de Leon como serpentes famintas. Elas gotejavam, como se estivessem vivas, e pareciam pulsar com uma energia maligna. As correntes emergiam das mãos do outro vampiro, o que antes estava encapuzado que agora exibia um sorriso cruel enquanto controlava as correntes com facilidade.

— Que diabos... — murmurou o entregador, os olhos arregalados de puro terror. Ele nunca havia testemunhado algo tão horrível. Aquilo... aquilo era a lendária magia do sangue. Algo que ele jamais imaginou presenciar tão de perto.

— Droga! — a vampira praguejou, os dentes cerrados de frustração. Com um movimento rápido, ela cortou o dedo indicador de sua mão, deixando que o sangue fluísse para a espada em suas mãos. A lâmina, como se ganhasse vida própria, absorveu o líquido carmesim e começou a se expandir, transformando-se de uma simples espada curta em uma arma monstruosa de mais de um metro de comprimento. — Se ele quer brincar com sangue, vamos ver quem vai sangrar mais — murmurou antes de avançar.

Com um grito feroz, a vampira girou a espada ampliada e cortou as correntes de sangue no ar. O impacto fez o líquido escarlate explodir em todas as direções, respingando nas paredes e no chão com um chiado.

O entregador soltou um grito de puro pavor. Ele sentiu o calor do sangue em sua pele, o cheiro ferroso impregnando o ar. A realidade ao seu redor parecia se distorcer em uma cena de pesadelo.

— Jasmine! Eu tinha tudo sob controle — Leon riu, seu machado ainda brilhando com uma luz ameaçadora, enquanto ele girava a arma entre as mãos.

— Se estava sob controle, então por que está coberto de sangue? — retrucou Jasmine, pronta para continuar o ataque, mas antes que pudesse fazer qualquer outra coisa, as correntes se formaram novamente, ainda mais rápidas e ferozes do que antes.

O entregador sentiu o pânico dominá-lo quando uma das correntes se enrolou ao redor de sua cintura, apertando com uma força cruel. Ele foi puxado com brutalidade, suas pernas falhando ao tentar lutar contra a força esmagadora.

— Não, não, não! — gritou, enquanto era arrastado pelo chão, seus olhos encontrando os do vampiro encapuzado, que agora exibia um sorriso mais largo, malicioso, os caninos afiados prontos para a próxima vítima.

***

— Então, ele é um Manipulador — murmurou Lucius Dracul, observando dois de seus guardas lutarem contra o vampiro. Mas um praguejar baixo escapou de seus lábios ao ver o humano capturado pelas correntes.

— Ah! Eu lembro dessa magia de sangue! Vicu... Vincu... Droga, Jasmine me fez decorar os tipos principais! — Tristan resmungou, frustrado consigo mesmo, alheio à batalha violenta que se desenrolava à sua frente.

Vinculum Sanguinis, vulgo Correntes de Sangue — corrigiu Sylvia. Sua voz soava automática, como se recitasse algo que já tinha dito muitas vezes. — Manipuladores são vampiros capazes de canalizar e moldar seu próprio sangue em formas sólidas. Não é uma habilidade comum aqui em Sombra Alta. Nós, por outro lado, somos Infusores, especializados em infundir o poder do sangue em armas e objetos, como Leon e Jasmine estão fazendo.

Enquanto Sylvia falava, seu tom de professora contrastava com o caos à frente, e Tristan assentia distraidamente, como um aluno que se esforçava para prestar atenção. Lucius, no entanto, não tinha tempo para lições. Ele conhecia aquela distinção melhor que qualquer um ali, tendo sido brutalmente instruído por seu tio nas artes da magia do sangue, e as cicatrizes que marcavam seu corpo eram prova viva desse aprendizado sombrio.

— Isso só confirma minha hipótese — disse ele, sem tirar os olhos da luta. — Esse vampiro não é de Sombra Alta...

Mas antes que pudesse terminar, um calafrio percorreu sua espinha, a familiar sensação de perigo iminente o atingiu com força. Ele girou rapidamente, voltando-se para o lado oposto, onde uma nova presença se fazia sentir. Mais uma vez, ele detectou a aura vermelho-escura pulsando no final do beco. Outro vampiro? Seria possível que mais de um estivesse caçando nesta área? Talvez o segundo tenha conseguido ocultar sua presença até agora. Afinal, esconder a aura sanguínea requer um alto grau de controle, pois, uma vez que a magia do sangue é ativada, ela escapa como uma ferida aberta, impossível de esconder por muito tempo.

Lucius apertou os lábios. Seria esse segundo vampiro a verdadeira fonte da aura que havia sentido antes? Ele não podia ter certeza, mas sabia que ficar ali não resolveria o mistério.

— Tristan, fique aqui e dê suporte a Leon e Jasmine — ordenou.

— Eu? Mas... — os olhos de Tristan se arregalaram por um momento, antes de ele abrir um sorriso empolgado. Em um rápido movimento, sacou uma adaga do cinto e começou a girá-la habilmente entre os dedos. — Pode deixar, primo! Eu cuido disso!

Lucius sabia que Jasmine provavelmente o encheria de reclamações por isso. Tristan ainda era um novato, mal familiarizado com as intricadas funções da Guarda Crepuscular e do mundo das sombras. Mas Lucius não o havia escolhido apenas por laços familiares. Ele sabia que, quando pressionado, Tristan poderia ser tão implacável quanto Leon — talvez até mais.

— Sylvia, venha comigo! — Lucius não esperou pela resposta. Já estava se movendo em direção à segunda fonte da aura sombria. Sylvia, sempre silenciosa e eficiente, seguiu sem hesitar.

***

Diziam que a velocidade dos vampiros era extraordinária, algo que beirava o impossível. Aria, no entanto, nunca os havia visto correr de verdade. Nos momentos em que teve contato com essa raça, eles estavam mais preocupados em posar para fotos — nas vezes em que acompanhou o pai, sendo sua assistente em sessões fotográficas para vampiros. Nessas ocasiões, eles se preocupavam apenas em parecer bonitos e estilosos, carregando aquele ar insuportável de soberba e tédio, como se o mundo fosse apenas um palco para eles brilharem. Naquelas situações, não pareciam nem de longe guerreiros formidáveis. Eram mais como crianças mimadas e irritantes, esperando ser servidos sem questionamentos.

Mas Aria não podia se esquecer que não era por acaso que os vampiros tinham vencido a humanidade. Não era por acaso que eles governavam e mantinham os humanos como servos.

Agora, diante dela, a verdade se revelava com brutalidade. O vampiro à sua frente, um predador, avançava com uma velocidade aterrorizante, as unhas alongadas em garras prontas para alcançar sua garganta. E, por um segundo, o mundo desacelerou. Aria viu cada detalhe: o brilho vermelho e predatório nos olhos dele, os músculos retesados enquanto o corpo cortava o ar. Era como se estivesse presa em uma câmara lenta bizarra, onde o tempo parecia dobrar-se sobre si mesmo.

Mas logo a realidade voltou a se impor, rápida e implacável. O vampiro se aproximou em uma fração de segundo, desfazendo a ilusão de lentidão que havia sentido. Num piscar de olhos, ele estava ali, a centímetros dela, a mão gélida e mortal quase tocando sua pele. As garras reluziam na luz fraca da rua, prontas para rasgar sua carne.

— Aria! — A voz de Julian cortou o ar como um grito de desespero, seguido de um impacto. Ele a empurrou para o lado com força, jogando-a no chão enquanto o vampiro o agarrava com facilidade.

O som que veio a seguir foi um gargalhar diabólico, uma risada maníaca que parecia vibrar com prazer. O vampiro o prostrou no chão sem esforço, seus olhos vermelhos faiscando com pura diversão enquanto segurava Julian pela garganta. A enorme diferença de altura entre o primo e seu atacante não parecia importar. As mãos do vampiro apertavam o pescoço de Julian, os dedos esqueléticos se fechando como um torno de aço, interrompendo qualquer tentativa de respirar.

— Não! — O grito de Aria ecoou pelas ruas, rasgando o silêncio sufocante que parecia ter tomado o beco.

Aria viu Julian lutar embaixo do vampiro, suas pernas chutando o chão, os braços desesperadamente tentando afastar a mão que o sufocava, mas era inútil. A sensação de impotência a atingiu com força, e ela olhou para a Noctilux em suas mãos. Por um segundo, pensou em usar o flash da câmera para afastar o vampiro, mas sabia que seria inútil. Aquela câmera havia sido modificada por seu pai para capturar a verdadeira imagem de um vampiro — mas não produzia o tipo de luz que poderia irritar ou ferir essas criaturas. Ela não poderia salvar Julian com aquilo.

Frustrada e apavorada, Aria lançou a câmera ao chão, seus dedos tremendo de raiva e desespero. Ela se levantou com dificuldade e, em uma tentativa desesperada, correu até o vampiro, tentando empurrá-lo para longe de Julian. Mas uma força invisível a lançou para trás com violência. Ao cair no chão, seus olhos se arregalaram em horror. O vampiro havia cortado a palma da própria mão, e o sangue que escorria se transformara em algo terrível: um chicote, vermelho e pulsante, que ele usara para repelir sua investida.

— Fique quietinha, sim? — zombou o vampiro, sua voz carregada de um sadismo doentio. — Vou terminar com seu amiguinho primeiro... E depois com você. Hoje é um verdadeiro banquete.

Ele apertou ainda mais a garganta de Julian, que mal conseguia emitir qualquer som além de um gemido sufocado. O rosto de seu primo estava ficando roxo, os olhos esbugalhados, enquanto suas tentativas de respirar se tornavam cada vez mais desesperadas.

— Solte ele! — Aria gritou novamente, a voz rouca de angústia enquanto tentava, mais uma vez, atacá-lo. Mas o chicote de sangue a golpeou novamente, a jogando de volta no chão, como uma boneca de trapos. O vampiro a olhou com uma expressão confusa, como se ela fosse um quebra-cabeça que não conseguia decifrar.

— Estranho... — murmurou ele, franzindo a testa. — Por que você não está paralisada pelo meu mesmerismo?

Por um instante, ele pareceu considerar aquilo, mas logo deu de ombros, voltando sua atenção para Julian. Lambendo os lábios, ele se inclinou mais perto, pronto para cravar os dentes no pescoço do rapaz.

O coração de Aria batia forte, uma dor sufocante apertava seu peito. E então, como um estalo, memórias terríveis a invadiram. A porta do escritório de sua mãe, Raptor arranhando desesperadamente para entrar. O caos, o sangue espalhado, os símbolos estranhos... e o vazio. A ausência devastadora de sua mãe. Ela lembrou de Maria, da última vez que a viu, caminhando para casa, apenas para ser brutalmente atacada por um vampiro nas sombras. O grito abafado de sua amiga parecia que ecoava em sua mente.

— Eu tenho algo importante para te contar... — Maria balbuciava, sua mão estendida, tentando alcançar Aria enquanto o vampiro sugava a vida dela. Aria havia tentado gritar, mas estava presa naquele pesadelo, incapaz de fazer qualquer coisa.

E agora, ela via Julian ali, estirado no chão, prestes a sofrer o mesmo destino. Outro pedaço da sua vida prestes a ser arrancado por aqueles monstros. Não. Não dessa vez.

Aria gritou. Um grito que pareceu rasgar o próprio ar ao seu redor. Ela sentiu sua pele queimar, uma sensação quente e pulsante percorrendo todo o seu corpo. O mundo ao redor parecia vibrar em sintonia com ela. Podia ser uma ilusão, um delírio causado pelo desespero, mas Aria não se importava. Ela precisava fazer algo. Não iria assistir passivamente.

Ela se levantou, cambaleando, e levantou o braço para atacar o vampiro mais uma vez. Mas desta vez, algo diferente aconteceu. De sua mão, uma energia prateada esverdeada começou a irradiar, quase como se estivesse saindo de dentro dela. Aria piscou, atordoada, mas o impulso dentro dela a empurrava a continuar. O que estava acontecendo?

Sem pensar, apenas seguindo o instinto que a dominava, ela estendeu a palma da mão na direção do vampiro. Um pulso de energia se projetou dela, uma esfera luminosa e vibrante que cortou o ar entre eles. O impacto foi devastador e silencioso, como um trovão abafado.

O tempo pareceu desacelerar novamente. Aria assistiu, atônita, enquanto a esfera atingia o vampiro, o ar se encheu com o som surdo do impacto. Ela viu o olhar de pavor nos olhos do monstro, viu o ombro e o braço dele serem dilacerados pela explosão, e o chicote de sangue se desintegrar em uma chuva rubra.

O vampiro caiu para o lado, o corpo parcialmente destruído, olhando para seu ferimento com incredulidade. Quando ele finalmente voltou os olhos para Aria, havia algo ali que ela nunca esperou ver: medo. Um vampiro, aquela criatura que parecia invencível, estava com medo dela.

— Bruxa... — ele murmurou, a voz fraca enquanto o sangue continuava a escorrer do lado de seu corpo. Mas então, de onde sua carne estava dilacerada, novas formas começaram a surgir. Chicotes rubros de sangue se materializavam, cada um gotejando como se tivessem vida própria, lançando-se em direção a Aria.

Ela mal teve tempo de processar o que estava acontecendo antes de ver os chicotes avançando, prontos para derrubá-la.

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