Capítulo 12: O próximo alvo
O frio da noite começava a se espalhar como garras invisíveis, apertando a pele e espalhando uma sensação de gelo pelos ossos. Embora não fosse óbvio nas ruas de Sombra Alta, onde as construções apertadas e a fumaça das chaminés geravam uma leve ilusão de calor, lá no alto, onde ele estava, o frio era mais intenso. De pé sobre o parapeito de um prédio no distrito de Círio do Poente, Lucius Dracul, o rei vampiro, observava tudo. A neblina envolvia os becos e as luzes dos cafés e bares abaixo, mas ali em seu posto, a solidão e o vento gelado pareciam ainda mais palpáveis.
Vampiros sentiam frio, sim. Ao contrário do mito que os humanos teimavam em contar, eles ainda podiam sentir as sensações básicas. Não estavam completamente separados da vida. O sangue ainda corria em suas veias, seus corações ainda batiam, e o frio—o frio agudo da noite—os atingia como qualquer outra criatura viva.
— Por quanto mais tempo vamos ficar aqui em cima? — A voz de Tristan, um jovem vampiro de pele morena e cabelos curtos e vermelhos como sangue, cortou o silêncio. Seus olhos, de um vermelho intenso, brilhavam de impaciência.
— O tempo necessário — respondeu Lucius, com uma tranquilidade fria, mas não sem um leve sorriso que brincava nos lábios.
— Meu senhor, você não poderia... sei lá... — Tristan gesticulou, apontando para a própria testa e girando os dedos no ar, irritado. — Usar seus poderes e acabar logo com isso, em vez de ficar empoleirado aqui com essas gárgulas?
Ele lançou um olhar desdenhoso para uma das estátuas antigas e deformadas que adornavam o prédio.
— O poder de Lorde Dracul não funciona assim, Tristan — uma voz feminina o repreendeu com firmeza. Jasmine, uma vampira de cabelos loiros curtos e feições severas, lançou-lhe um olhar gelado, tão afiado quanto sua postura rígida. — E você deveria mostrar mais respeito ao falar com seu rei, primo ou não. Se quer fazer parte da Guarda Crepuscular, comporte-se de forma adequada.
Jasmine, com sua postura militar e olhos de aço, vestia o uniforme escuro da Guarda Crepuscular, ornamentado com detalhes prateados, que refletiam a luz fraca da lua por entre a neblina. Sua capa longa caía como sombras sobre os ombros, e seu olhar sempre atento parecia poder perfurar qualquer um que cruzasse seu caminho.
Lucius desviou o olhar dos prédios para encarar os dois vampiros à sua frente, o rosto impassível, mas os olhos cheios de uma paciência contida.
— Está tudo bem, Jasmine — disse ele, sua voz baixa, porém carregada de autoridade.
— Não está tudo bem! — rebateu Jasmine. — Esse garoto precisa aprender o seu lugar na hierarquia... Aqui é Sombra Alta! Não estamos em algum povoado rural fora das muralhas. Vivemos entre nobres, não entre gado! — Cada palavra era acompanhada por gestos precisos e firmes, como se ela cortasse o ar com as mãos, tentando impor disciplina com sua mera presença. Seus olhos, sombreados por sobrancelhas arqueadas, fuzilaram Tristan com reprovação. O jovem vampiro, com seus cabelos vermelhos e bagunçados, estava a poucos passos atrás dela, fazendo gestos zombeteiros enquanto imitava as mãos de Jasmine no ar.
Lucius desviou o olhar de novo, lutando para não rir. Ele sabia que permitir a entrada de Tristan na Guarda Crepuscular não fora a decisão mais estratégica, mas o primo era uma lembrança viva dos dias mais leves e irreverentes, antes do peso do trono. Tristan, com seu sangue distante dos Dracul, não carregava o mesmo fardo — nem as mesmas expectativas. Não tinha os grilhões do poder que Lucius agora sentia pulsar no próprio sangue. Um poder herdado com sacrifício... e sofrimento.
Memórias do duelo, do sacrifício que lhe conferira o título de rei, tentaram invadir sua mente, mas ele as afastou.
"Esqueça isso... Seu tio já não existe," Lucius lembrou a si mesmo, forçando-se a focar na missão à frente.
— Tristan tem razão, até certo ponto — ele comentou, finalmente se voltando para a vampira de cabelos platinados presos em uma trança longa, que deslizava pelas costas como um rio prateado. Sylvia segurava um tablet, suas unhas pretas contrastando com a leveza quase etérea de seus traços.
— Creio que em instantes, vossa alteza. Já tivemos avistamentos do alvo neste distrito. E, conforme nossa investigação, eles precisarão agir esta noite... — A voz de Sylvia era suave, quase infantil, mas seus olhos, que pareciam jovens demais para conter tamanha sabedoria, revelavam sua verdadeira idade. Mais velha do que a maioria na Guarda, sua aparência frágil era uma armadilha para os desavisados.
Lucius assentiu. Sylvia era confiável, e se ela dizia que o ataque era iminente, ele acreditava.
— Perfeito... Isso significa que hoje vamos esmagar esses traidores. O que acha, chefe? — A voz grave de Leon ecoou como um trovão contido na noite. O vampiro alto, de ombros largos e corpo musculoso, trazia uma presença intimidadora. Seus cabelos castanhos já começavam a rarear, revelando o brilho da calvície, mas sua barba espessa dava-lhe um ar ainda mais selvagem. — Poderíamos trazer de volta os castigos de antigamente... — Ele sorriu, os dentes brancos destacando-se contra sua pele marcada. — Desmembramento em praça pública? Sempre foi um clássico. — Seu único olho brilhava com crueldade, enquanto o outro, cego, era atravessado por uma cicatriz que cortava seu rosto em um "C" grotesco.
— Leon, mais respeito! — Jasmine ralhou, a irritação nítida em cada palavra.
Leon não se abalou, apenas ajustou o grande machado negro sobre o ombro, a lâmina escura como a própria noite. Ele lançou um olhar de lado para Jasmine, uma expressão de quem estava prestes a soltar outra provocação, mas o sorriso zombeteiro já o denunciava.
— Ah, qual é, Jasmine. Eu cuidei desse garoto desde que ele mal sabia andar. Acho que posso me dar um pouco de liberdade, não acha? — Sua gargalhada ecoou alto, assustando os pombos que dormiam nas bordas dos edifícios ao redor. As aves alçaram voo em desespero, como se soubessem que a presença de Leon raramente trazia algo de bom.
Lucius, com seu semblante frio e contido, olhou de canto para o vampiro, sem deixar transparecer o quanto estava acostumado com as atitudes irreverentes de Leon. Ele balançou a cabeça, mas manteve-se firme.
— Antes de pensarmos em castigos, devemos capturá-los. — A voz de Lucius cortou o ar, firme como uma lâmina. — E vivos, Leon. — Ele enfatizou, dando ao vampiro um olhar firme e inegociável.
Leon franziu o cenho, como se a ideia o desgostasse profundamente, mas logo sua expressão se suavizou em um sorriso predatório.
— Aí, chefinho, você tira toda a diversão. — Ele sorriu, mostrando os caninos afiados, brilhando à luz fraca da noite. — Mas tudo bem, se é isso que você quer... Vamos brincar de caçar antes de dar o castigo.
— Ele está vindo — anunciou Sylvia, sua voz baixa e firme, enquanto apontava para frente com um gesto sutil. Seus olhos de íris escarlates brilhavam na penumbra da noite, captando detalhes que nenhum humano poderia enxergar. As ruas desertas de Círio do Poente, cobertas de paralelepípedos úmidos e envoltas em uma neblina densa que subia dos becos, pareciam tranquilas à primeira vista, mas Lucius sabia que o perigo espreitava.
Um rapaz pedalava sua bicicleta entre as sombras, as rodas rangendo ao passar pelas pedras antigas. Nas costas, ele carregava uma mochila quadrada com o logotipo da Doceria da Diana — uma mulher sorridente segurando um cupcake. Um entregador. Apenas mais um humano no fluxo da cidade, cumprindo seu papel sem imaginar que estava em meio a um jogo muito maior.
Mas algo mais estava em movimento.
Uma sombra se alongava atrás do rapaz, expandindo-se como uma maré escura, engolindo o caminho à medida que ele avançava. Lucius sentiu a familiar aura da magia do sangue, um poder antigo e malicioso, que os vampiros mais hábeis aprendiam a canalizar. A aura emanava de um ser que caminhava silenciosamente, suas roupas pesadas — um grosso sobretudo e chapéu — ocultando o rosto. Mas a escuridão em torno dele não podia ser disfarçada. O tom vermelho-escuro, quase negro, vibrava no ar como uma presença viva.
Lucius observava, seus olhos cravados no vampiro que avançava. Este era o alvo.
— Ele vai atacar? — sussurrou Tristan, o jovem vampiro ao seu lado, com a testa franzida em confusão. — Ele está com fome? Por que não vai a um banco de sangue?
— Não é fome de sangue que o motiva — respondeu Lucius, sua voz fria e controlada. — Vamos. Desta vez, o pegaremos.
A Guarda Crepuscular reagiu com precisão letal. Eles eram sombras, saltando dos telhados, movendo-se como predadores invisíveis. Leon, com seu machado gigante apoiado no ombro, soltou uma risada, a lâmina escura refletindo a pouca luz que escapava entre os becos.
— Hora da festa! — rugiu ele, o som ecoando pelas ruas.
— Discrição, Leon! — rosnou Jasmine, seus olhos estreitos enquanto empunhava a espada curta com destreza. O contraste entre sua compostura e a risada desmedida de Leon era palpável, mas ele apenas gargalhou em resposta, como se as palavras dela fossem mera diversão.
Lucius estava prestes a seguir sua guarda quando algo o deteve. Seus olhos escarlates detectaram outra presença — uma energia diferente, que vibrava no ar como um raio de luz púrpura misturado com prata. Não era a magia do sangue. Era algo mais antigo, algo que Lucius não reconhecia de imediato. Frio percorreu sua espinha, uma sensação que não vinha apenas da noite gelada.
Ele se concentrou, tentando localizar a origem daquela energia, mas a aura purpúrea desapareceu tão rapidamente quanto surgira, deixando-o com uma dúvida que pesava em sua mente.
A Guarda Crepuscular, no entanto, já estava em movimento. Eles se moviam silenciosamente entre os telhados dos edifícios humanos, as sombras de suas capas os protegendo dos olhares curiosos. Lucius hesitou, seus olhos fixos no local onde a estranha energia havia sumido. Será que ele estava imaginando coisas? Ou aquilo era um novo tipo de ameaça, algo além do que ele ou seus guerreiros estavam preparados para enfrentar?
***
— Isso foi um péssimo plano... — Julian sussurrou às costas de Aria, enquanto ambos se espremeram contra a parede de um beco úmido e estreito. O cheiro de esgoto e lama impregnava o ar, as sombras das construções amontoadas ao redor criando um labirinto sufocante. Aria apertou os olhos na direção da rua, onde o entregador em sua bicicleta seguia, alheio ao perigo iminente.
Eles estavam tentando alcançar a doceria por um caminho alternativo, evitando as ruas principais e seus muitos olhares curiosos. Se um vampiro estivesse prestes a atacar, ele certamente não escolheria uma rota movimentada. Julian resmungou algo sobre becos lamacentos e escolhas idiotas, mas Aria sabia que estavam perto. Perto demais para desistir.
Cada passo parecia uma aposta. Aria não podia deixar de pensar quem seria a próxima vítima. O entregador? Ele estava sozinho, indefeso, seu caminho traçado por um destino que Aria e Julian tentavam desesperadamente interceptar. Seria mais um corpo a somar ao mistério de Maria? O tempo estava se esgotando, e a adrenalina pulsava nas veias de Aria.
Ela segurava a Noctilux com força, sentindo a textura fria do aparelho, a invenção do pai agora nas mãos dela, como uma arma silenciosa contra a escuridão. A câmera era capaz de capturar a essência de um vampiro, mas ela nunca imaginou que a usaria nesse tipo de missão — para expor o predador, para salvar uma vida.
— Droga! — Julian puxou Aria para mais perto de si, a urgência em seus movimentos causando um choque de alerta nela.
— O que foi? — sussurrou, impaciente, os olhos fixos no entregador que agora estava quase ao alcance.
— Olhe! — Julian apontou para cima, e Aria seguiu seu gesto, o coração disparando ao ver sombras saltando de prédio em prédio. Formas ágeis e escuras, movendo-se como espectros. A Guarda Crepuscular.
— Hora da festa! — a voz grave de membro da Guarda reverberou pelas ruas, um trovão de arrogância.
O coração de Aria martelava. A Guarda Crepuscular estava ali? Para encobrir o crime, talvez? Eles não tinham feito nada nos casos anteriores.
— Vamos embora! — sussurrou Julian, apertando o ombro de Aria com força — Agora que a Guarda está aqui, vai ficar muito complicado...
— Não... — Aria puxou o primo com determinação, os olhos queimando de convicção. — Não podemos desistir agora! Não quando chegamos tão longe. Só precisamos de uma foto!
Julian hesitou, seus olhos indo do beco ao entregador, que havia parado de pedalar, confuso, olhando ao redor como se sentisse o perigo, mas sem entender de onde vinha. Ele usava fones de ouvido, talvez não tivesse ouvido a confusão. Mas o pressentimento de perigo estava claro em seus olhos.
— Ora, ora, ora... — uma voz suave e traiçoeira ecoou ao lado deles. Aria e Julian giraram, encontrando uma figura emergindo das sombras do beco próximo. O vampiro vestia um casaco de couro com capuz, mas o rosto pálido estava à vista sob a fraca iluminação do poste. Os cabelos negros estavam presos em um rabo de cavalo, mas alguns fios escapavam, caindo sobre sua testa como serpentes. E seus olhos... vermelhos e brilhantes como sangue fresco, os fitavam com deleite.
— E eu que pensei que só teria uma presa esta noite... — ele disse, o sorriso se alargando, revelando os caninos afiados. — Mas, por que não aumentar o número, não é?
Aria congelou. Ela o reconheceu imediatamente. Ele estava no Lunaris na noite em que Maria foi atacada.
— Você! — Aria exclamou, a voz embargada de raiva e medo. O vampiro inclinou a cabeça, divertido.
— Eu... — ele levou a mão ao peito, fingindo surpresa. — Sim, claro, sou eu. Você parece me conhecer, mas não me recordo de você. — Ele fez uma pausa, os olhos brilhando de escárnio. — Todos os humanos são iguais... como insetos insignificantes.
Ele avançou lentamente, cada passo um prenúncio de morte, enquanto Aria sentia o pânico subir por sua garganta.
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