Capítulo 11: O plano



— Gostaria de entender como isso, de alguma forma, poderia ser uma boa ideia... Para ser boa, deveria ser, no mínimo, inteligente, bem detalhada e evitar erros óbvios. Mas o que você propõe... — Julian suspirou de forma dramática — O uso do adjetivo "boa" está completamente errado. "Insano", sim, essa seria a palavra correta.

Aria revirou os olhos diante do interminável tagarelar de Julian enquanto caminhavam pelo distrito de Círios do Poente. A noite já envolvia as ruas, trazendo consigo uma sensação de mistério. Aquela área era famosa por ser o coração comercial das Terras das Lâmpadas, com seus bares luxuosos e restaurantes voltados para a elite humana, e logo seria tomada pela agitação da alta sociedade. No entanto, as ruas ainda estavam relativamente tranquilas, algo que apenas contribuía para o crescente nervosismo de Aria.

Ela tinha discutido com Petrus para conseguir trocar de turno no Lunaris. Normalmente, as manhãs no restaurante eram calmas, dedicadas a cafés para poucos clientes. O grande movimento vinha à noite, mas Aria precisava dessas horas livres para colocar seu plano em ação. Como parte do acordo, teria que trabalhar no dia do Baile Escarlate — o dia mais atarefado do ano. Pelo menos, isso a tiraria do verdadeiro Baile no bairro vampiresco, algo que preferia evitar a qualquer custo. Só que Julian não parecia entender o quanto aquilo importava para ela.

— Olha, você não precisa vir se não quiser... — Aria falou, impaciente, olhando para o primo com irritação.

— Eu poderia estar na biblioteca agora, lendo em paz, mas estou aqui, sendo sua babá. — Julian respondeu com um sorriso sarcástico.

— Eu não preciso de babá! Já sou maior de idade e—

— Maturidade não vem com simples números. — Ele interrompeu, lançando um sorriso irritante.

Aria parou de andar, colocando as mãos na cintura, virando-se para encará-lo. As luzes tênues das lanternas antigas lançavam sombras sobre os prédios elegantes e a calçada de mosaico sob seus pés. O som distante de conversas e o ronco suave de motores de carros caros preenchiam o ar, misturando-se com o ocasional tilintar de taças vindo dos bares.

Ambos usavam roupas escuras, uma tentativa de se misturarem com a noite crescente. Julian vestia um casaco de lã preto, seus cabelos escuros bagunçados, e Aria, uma jaqueta cinza que contrastava com seus jeans escuros e botas que ecoavam nas ruas estreitas. Pareciam uma dupla incomum no meio da elegância discreta do distrito.

— Não preciso de babá! — Aria insistiu, o olhar firme nos olhos verdes do primo.

Julian suspirou, passando a mão pelos cabelos, algo que ele sempre fazia quando se sentia incomodado ou apreensivo. Os lábios dele se curvaram em um sorriso leve, mas preocupado.

— Eu não me perdoaria se algo acontecesse com você. — Ele admitiu, sua voz mais suave. — Você é minha prima.

— Sou sua única prima. — Ela respondeu, um sorriso escapando, mesmo com a tensão entre eles.

— Sim, e pela Santa Luz, essa é minha sina... Ter uma prima irritante como parente. E se você se meter em encrenca, pelo menos estarei lá para rir e dizer "eu te avisei". — Julian concluiu, erguendo uma sobrancelha de maneira teatral.

Aria riu, um som leve que ressoou pelas ruas vazias. Eles voltaram a caminhar lado a lado, agora com menos tensão, mas a cautela ainda estava presente. As ruas de paralelepípedos estreitas forçavam os dois a se grudarem nas paredes de pedra quando um ou outro carro passava devagar, com as janelas fechadas e o som abafado de conversas importantes.

— De qualquer forma, a chance de encontrarmos esses vampiros é mínima — resmungou Julian em um tom baixo, os olhos inquietos enquanto observava o ambiente ao redor. — Mesmo que andemos por essa região de bares e restaurantes, isso não significa que vamos simplesmente esbarrar com eles.

Aria seguia à frente, o olhar vagando momentaneamente pelas fachadas dos cafés abertos, onde garçons apressados atendiam clientes exigentes. O clima leve e despreocupado da noite contrastava com o peso que ela sentia nos ombros. Agradeceu silenciosamente por estar de folga no Lunaris naquela noite, embora o pensamento não a confortasse muito.

— Uma coisa que notei na noite em que Maria foi atacada é que o Lunaris recebeu clientes vampiros. Isso é raro... Não pode ser coincidência que, justamente naquela noite, ela foi morta. — Aria enfatizou, mantendo o tom firme enquanto observava as ruas mais movimentadas.

Julian soltou um suspiro frustrado, os ombros caídos como se a ideia fosse mais um fardo. Ele gesticulou ao redor, indicando os diversos estabelecimentos ao longo da rua.

— Sim, mas e daí? Existem dezenas de restaurantes em Círios do Poente. Não tem como vigiarmos todos. — Sua voz exalava ceticismo enquanto ele olhava para a prima, que agora estava alguns passos à frente, claramente determinada.

Aria parou de repente, girando sobre os calcanhares e encarando Julian com uma expressão confiante. Ela segurava o celular com uma sensação de triunfo, mas seu primo apenas a observava com a mesma indiferença de sempre. Aria bufou, irritada pela falta de reação.

— Pelas reportagens que você descobriu nos arquivos, consegui contatar outros garçons, ajudantes de cozinha e até o pessoal da limpeza dos locais onde as vítimas trabalhavam. — Sua voz ganhou um tom triunfante. — E, como aconteceu com Maria, todos esses lugares também receberam vampiros antes dos ataques ocorrerem.

Julian ergueu uma sobrancelha, surpreso pela primeira vez.

— Espera... E por que não contou isso antes? Isso é uma boa evidência!

Aria balançou a cabeça, empurrando uma mecha de cabelo escuro que caía sobre o rosto, seus olhos verdes brilhando com determinação.

— Se eu consegui isso só perguntando, é claro que os Lúminis e a Guarda Crepuscular também sabem. — Havia uma nota de cansaço em sua voz. — É uma evidência, sim, mas não é como se eles não soubessem.

A seriedade de sua expressão contrastava de maneira gritante com a atmosfera alegre ao redor.

— Nem todos os estabelecimentos do distrito foram visitados por vampiros, claro — continuou ela, ignorando o burburinho de fundo —, mas consegui que outros funcionários ficassem atentos. Eles vão me avisar se clientes assim aparecerem por aqui.

Julian abaixou a voz.

— Cuidado, Aria. Se você realmente suspeita que estão caçando... Não pode ficar falando isso por aí — Ele lançou um olhar preocupado para os lados. — Estamos sob os olhos dos vampiros. Eles podem deixar os humanos viverem com uma falsa sensação de liberdade, mas sabemos que nada passa despercebido por eles, seja um comentário tolo ou até postagens em redes sociais.

Aria acenou de maneira displicente, como se quisesse espantar as preocupações do primo.

— Não fiz soar como se estivesse desconfiando de caçadas. Pelo menos, não diretamente. Fiz parecer que é irritante ter esses clientes, sabe? Que precisávamos nos unir como funcionários humanos e dar dicas uns aos outros. Tipo, avisar quando vampiros aparecerem na área, caso eles saiam de um restaurante e vão para outro nas proximidades. Assim, todos ficariam alertas... Mas por razões mundanas, não porque temem ser mordidos. Literalmente.

Julian soltou um assobio, claramente impressionado.

— Bem, isso é... astuto. — Ele admitiu, uma pontada de admiração em sua voz. — E fez tudo isso em menos de 24 horas? Desde a sua entrevista com os Lúminis?

— Na verdade, comecei a perguntar sobre os clientes vampiros logo após o memorial da Maria — Aria respondeu, os lábios curvando-se em um meio sorriso enquanto conferia as mensagens no celular. — Agora vejo que a rede de contatos que criei pode ser muito útil para o meu plano.

— Bem, reitero o que disse antes: seu plano não é totalmente insano, mas também está longe de ser o ideal. Afinal, estamos contando com a boa vontade dessas pessoas em nos informar algo útil. E como sabe, não confio muito em humanos. — Julian resmungou, seu olhar desconfiado percorrendo as ruas ao redor.

Aria não conseguiu conter um riso leve, lembranças da infância invadindo sua mente. Desde a escola, ela sempre sentiu a necessidade de proteger o primo antisocial. Embora Julian fosse alguns anos mais velho, suas atitudes bruscas, indiferentes e sinceras demais o colocavam em problemas constantemente. Ela se lembrava de como o primo magro e alto atraía a atenção dos valentões, que pareciam gostar de usar seus socos e chutes para provocar o desajeitado Julian. E, invariavelmente, era ela quem o arrastava para longe dos conflitos, tentando incluí-lo em seu círculo de amizades. Ao contrário dele, Aria conseguia se conectar com todos, ainda que de maneira superficial. Mas, quando se tratava de amigos de verdade, aqueles em quem ela realmente podia confiar... Bem, esses eram poucos. Contava nos dedos de uma mão, e esse número diminuiu consideravelmente com a perda de Maria.

— E tem outro problema, algo que eu já tinha mencionado — continuou Julian, interrompendo suas lembranças. — Os vampiros podem simplesmente não atacar hoje. Os ataques não são consecutivos.

Aria ergueu o dedo indicador em negação, um gesto que fez Julian revirar os olhos.

— Isso é verdade até certo ponto — respondeu ela, com um brilho no olhar. — Mas eu passei um tempo analisando as datas dos ataques, comparando as notícias... E percebi algo.

Ela fez uma pausa dramática, esperando a reação de Julian, que respondeu apenas com um resmungo impaciente.

— O primeiro ataque aconteceu logo quando começaram os preparativos para o Baile Escarlate. Desde então, os intervalos entre os ataques ficaram menores. Quem quer que esteja por trás disso parece enxergar o Baile como o clímax dessa caçada. — A última palavra foi dita em um sussurro sombrio.

Julian franziu o cenho, coçando o queixo enquanto calculava mentalmente.

— O Baile Escarlate é daqui a três dias, mais ou menos.

— Exato! — Aria sorriu triunfante. — Talvez eles não ataquem hoje, mas será em algum momento desses três dias.

— Ou pode ser que Maria tenha sido a última vítima — sugeriu Julian, lançando um olhar sério para a prima.

Aria balançou a cabeça, desviando o olhar enquanto sentia o coração apertar dolorosamente em seu peito.

— Não... Ela não foi a última. — A certeza em sua voz era firme, mas ao mesmo tempo carregada de uma angústia silenciosa. Aria não conseguia explicar, mas no fundo sentia que algo muito maior, mais assustador, estava por vir. Não era o fim... Era apenas o começo.

Os dois caminharam em silêncio por mais alguns minutos, o ar da noite envolvendo-os enquanto as luzes das ruas cintilavam acima de suas cabeças, lançando sombras nas fachadas luxuosas dos prédios de Círios do Poente.

— Pois bem, já que vamos ficar de vigia neste distrito... eu gostaria de pelo menos um lanche. — Julian quebrou o silêncio, apontando para uma banca de cachorro-quente na esquina. Claro, sendo Círios do Poente, a tal banca não era nada simples; reluzente e sofisticada, parecia oferecer ingredientes gourmet em vez do típico excesso de gordura e condimentos das bancas que Aria estava acostumada a frequentar no distrito mais humilde de Luzerrante.

— E quem vai pagar? — perguntou Aria, lançando um olhar desconfiado para o primo.

— O plano é seu, prima — retrucou Julian, com um sorriso malicioso. — Então, você faz as honras.

— Que maravilha... — Aria resmungou, contrafeita, enquanto puxava a carteira, ciente de que aquela noite ainda reservava muito mais do que apenas um lanche caro e o plano arriscado que estavam prestes a executar.

***

A noite já avançava, mas o céu estava encoberto, ocultando as estrelas e a lua. Uma camada espessa de nuvens misturava-se com a fumaça que subia das lareiras e fornos dos restaurantes, bares e cafés, criando uma espécie de neblina densa que pairava sobre o distrito de Círios do Poente. Na pequena praça em que estavam, sob a luz fraca e amarelada de um antigo poste, Aria e Julian esperavam.

Aria checava o celular com impaciência, respondendo algumas mensagens, enquanto Julian folheava calmamente um livro, aparentemente indiferente à missão que os aguardava. As mensagens no grupo que Aria havia criado, composto por funcionários da região, até agora eram inúteis. Em vez de alertas, o chat estava inundado com fofocas, queixas sobre chefes e até tentativas de flerte. Nada sobre clientes vampiros. Aria bufou irritada, soprando uma mecha de cabelo escuro que insistia em cair sobre seu rosto.

— Se quiser desistir, não vou julgar — comentou Julian, sem tirar os olhos do livro.

— Ainda nem passou da meia-noite! — retrucou ela, impaciente. A ideia de abandonar o plano a frustrava. O que mais poderiam fazer para obter justiça por Maria? Eles estavam cercados de pequenos indícios — reportagens superficiais que não ligavam os assassinatos aos vampiros, uma conexão que as autoridades pareciam dispostas a ignorar. Mesmo que revelasse essa ligação, ela sabia que os Lúminis encobririam as evidências com explicações convenientes. Admitir uma caçada significaria expor as falhas do Tratado da Luz e Sombra, trazer à tona um passado sangrento no qual os humanos eram perseguidos não apenas por vampiros, mas por uma variedade de monstros. Hoje, a humanidade vivia em uma falsa sensação de segurança — uma ilusão que ninguém parecia disposto a questionar. E se Aria insistisse demais, sabia que sua próxima parada poderia ser o Fosso.

— Você ainda tem que acordar cedo para o seu turno diurno no Lunaris, não é? — Julian a lembrou, folheando uma página sem entusiasmo.

— Não estou preocupada com isso — resmungou ela, os olhos grudados no celular. De repente, sua mão tremeu ao ver uma mensagem em particular, em meio às outras triviais: "Ei pessoal, clientes de dentes pontudos avistados! Aqui na doceria da Diana! E eu nem sabia que eles gostavam de doces!" Um segundo depois, outra pessoa respondeu com uma piada: "Talvez eles queiram sangue diabético!" Seguiram-se outras mensagens zombando da situação, mas Aria já não estava rindo.

— O que foi? — perguntou Julian, percebendo a mudança na expressão de Aria, uma mistura de triunfo e apreensão.

— Acho que encontramos nossos vampiros — murmurou ela, a adrenalina começando a borbulhar em suas veias. Agora que o momento chegava, sentiu um peso no estômago.

Julian fechou o livro com um suspiro, percebendo que o jogo estava para começar.

— Bem, e qual é o próximo passo? — perguntou, guardando o livro na mochila. — Ligamos para os Lúminis e informamos que há um ataque iminente? Porque, sinceramente, não acho que eles vão fazer nada.

— Não... — Aria balançou a cabeça, inspirando fundo, tentando reunir coragem para o que ia sugerir. — Vamos tentar interceptá-los. Talvez...

Ela abriu a bolsa e puxou de dentro uma velha Noctilux, um dispositivo que seu pai costumava usar para capturar imagens de vampiros em ação.

— Talvez consigamos provas concretas da caçada.

Julian arregalou os olhos ao perceber a direção que o plano estava tomando.

— Pela Santa Luz... — murmurou, incrédulo. — Retiro o que disse antes. Esse plano voltou a ser insano!

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