Capítulo 10: Estranho Bibliotecário
O que tudo aquilo significava? A mente de Aria fervilhava conforme ela saía do cubículo da oficial Blaime. As palavras da mulher ecoavam em sua cabeça: "É realmente uma infelicidade que você esteja diante de outro caso que, novamente, pode estar ligado aos vampiros." Isso seria um indício de que o caso de Maria, assim como o de Marine, poderia estar de fato conectado com os vampiros? A ideia era assustadora, mas fazia sentido. Aria não podia deixar de sentir uma estranha inquietação se instalando em seu peito.
Com passos inseguros, Aria abraçou sua mochila, sentindo Raptor se mexer lá dentro, miando como se sentisse o desconforto de sua dona. O peso do felino era reconfortante, mas não suficiente para aplacar a sensação de perigo iminente que agora a envolvia.
— Tenho que ligar para Julian — murmurou, enfiando a mão no bolso do casaco para pegar o celular. Seus olhos se arregalaram ao ver a quantidade de mensagens que ele havia enviado. Julian, normalmente meticuloso com as palavras, havia mandado mensagens curtas, quase desesperadas: "Preciso de ajuda", "Venha aqui" e, a última, "AGORA". A urgência evidente fez o coração de Aria disparar.
— Para alguém que vive entre palavras, você poderia ser um pouco mais generoso com elas! O que raios isso significa? — resmungou, apressando o passo para sair do prédio da Lúminis. O hall estava tão caótico quanto antes: oficiais indo e vindo, presos sendo escoltados, humanos preocupados, e claro, alguns vampiros movendo-se pelas sombras com seus guarda-chuvas escuros. Aria quase tropeçou na escadaria ao descer, sua mente cheia de imagens de Julian sendo capturado, algemado, arrastado para o Fosso... Tudo por sua causa.
Ela se dirigiu à biblioteca, que ficava em um prédio anexo, nos fundos da sede da Lúminis. Era um lugar muito mais discreto e modesto, sem o vai e vem das figuras imponentes da entrada principal. Suas mãos estavam suadas, e a culpa aumentava a cada passo. O prédio era sombrio, envolto em uma penumbra que não parecia natural, como se o local estivesse envolto em uma neblina constante, mesmo sendo meio-dia. A rua que levava até a biblioteca era estreita, quase claustrofóbica, com degraus de pedra que pareciam afundar sob seus pés.
Ao chegar à porta de madeira envelhecida, sentiu uma tensão crescente no ar. O silêncio era absoluto. Subiu os quatro degraus de pedra rapidamente e bateu na porta, a madeira pesada emitindo um som oco. Aria esperou, o coração acelerado e as mãos trêmulas. Não houve resposta. O pânico começou a se infiltrar. Rapidamente, tirou o celular e mandou uma mensagem para Julian, esperando desesperadamente por uma resposta.
A resposta veio quase de imediato. A porta se abriu com um estrondo, e Aria arregalou os olhos ao ver Julian. Parte do peito dele estava exposta, com os botões da camisa listrada cinza completamente arrancados. As palavras tatuadas em caligrafia cursiva sobre sua pele clara estavam à mostra, revelando o desconforto e a urgência em seu rosto corado. Seus cabelos escuros, normalmente arrumados, estavam desgrenhados, e a mistura de desespero e irritação no olhar de Julian era palpável, muito diferente de sua postura habitual, sempre indiferente.
— Você demorou! — acusou ele, a voz mais aguda do que o normal.
— Eu estava no meu depoimento! Só vi suas mensagens agora... — respondeu Aria, defensiva, tentando entender a situação. Nunca vira o primo tão... abalado. O contraste entre sua compostura sempre fria e aquele desespero a fez morder o lábio, quase fascinada.
Ela estava prestes a perguntar o que acontecera, quando uma segunda pessoa se intrometeu, interrompendo-a.
— Julian, você já vai embora? E o chá que eu te ofereci? — disse um jovem de cabelos castanho-claros e encaracolados, surgindo por trás de Julian com um sorriso satisfeito. Aria notou de imediato que ele vestia o uniforme azul dos Lúminis, com a camisa aberta, expondo parte de seu peitoral, que ele rapidamente cobriu ao notar o olhar curioso de Aria.
— Quem é ela? — perguntou o rapaz com um tom cortante, lançando um olhar hostil na direção de Aria. Em resposta, ela soltou uma risada baixa, divertida com a cena que se desenrolava.
— Minha prima... — respondeu Julian, os olhos revirando com exasperação. — A que eu mencionei.
— Você mencionou? Ah... Eu devia estar distraído — respondeu o outro com uma risadinha nervosa.
— Pois é — replicou Julian, seco. — Esse é Albert.
— Sim, Albert Gomes, prazer — disse o rapaz com um sorriso mais largo do que o necessário, estendendo a mão. — Sabia que Julian e eu estudamos juntos na faculdade? Ambos alcançamos nossos objetivos! Eu, como chefe dos arquivos da Lúminis, e ele, bibliotecário da Grande Biblioteca. Com as habilidades dele, poderia facilmente conseguir um cargo aqui também... — Albert lançou um olhar sonhador para Julian, que o ignorou com outro revirar de olhos.
— Julian veio me visitar... Digo, ele queria conhecer a biblioteca, mas foi sorte ele me encontrar aqui para guiá-lo... Embora, claro, chamamos mais de arquivo central hoje em dia...
— Mas ainda há livros aqui. Livros sobre a origem dos Lúminis, sobre as batalhas históricas, romances de cavalaria... — Julian cortou, indignado.
— Sim, mas eles ficam numa seção especial, mais afastada... O prédio é, em grande parte, dedicado ao armazenamento de documentos e arquivos de investigações, como expliquei antes. Eu sei que é diferente do que você faz na Grande Biblioteca, mas... trabalhar em arquivos é mais lucrativo!
Julian abriu a boca para rebater, mas se conteve. Ele respirou fundo antes de falar:
— De qualquer forma, obrigado por me mostrar a biblioteca— ou arquivo dos Lúminis, como preferir chamar. — Julian já começava a se afastar, mas Albert o segurou pelo braço.
— E o chá?
— Já prometi a ela que almoçaríamos juntos — Julian respondeu rapidamente, lançando um olhar significativo para Aria, que, por sua vez, entendeu a deixa.
— Ah, sim! — disse Aria, tentando disfarçar o riso. — Almoçar, claro! Tínhamos planejado... Não é todo dia que consigo tirar Julian de uma biblioteca. Tenho que aproveitar esses momentos em família, não é? — acrescentou, tentando parecer casual.
Albert lançou outro olhar mortal para Aria, que respondeu com um sorriso nervoso. Aproveitando a distração, Julian conseguiu se desvencilhar do toque de Albert e se apressou para sair.
— Sim, é isso mesmo — murmurou Julian, já distante, agradecendo em silêncio a intervenção de Aria.
— Está bem... — Albert disse, contrariado, mas com uma pontada de esperança nos olhos ao acrescentar: — Me liga, certo?
Julian apenas meneou a cabeça rapidamente, agarrando Aria pelo braço e a puxando para longe. Ela acenou para o chefe dos arquivos dos Lúminis, enquanto era praticamente arrastada. Julian, ao contrário de sua calma habitual, parecia fugir de um monstro aterrorizante e não de um simpático, embora ciumento, bibliotecário.
— Devo perguntar o que aconteceu? — Aria soltou uma pergunta cheia de malícia, um sorriso brincando em seus lábios.
— Nunca mais me peça para fazer esse tipo de investigação. — sentenciou Julian, ainda ajeitando a camisa, resmungando ao perceber os botões arrancados.
— Ei, eu não tinha como saber que um antigo crush da faculdade estaria te esperando nos arquivos... — disse ela, segurando o riso.
— Biblioteca. — Julian corrigiu automaticamente, os olhos lançando um brilho irritado. — Que agora está sendo usada como um depósito de arquivos. Um sacrilégio para aqueles volumes históricos, relegados a uma seção obscura e esquecida.
— Sim, sim... Uma tragédia — respondeu Aria com falsa simpatia. — Mas, em meio aos amassos que vocês não deram, você conseguiu algo útil?
— Não houve amassos... Albert bem que quis, mas eu... — Julian hesitou, passando as mãos pelos cabelos desgrenhados. — Enfim... ele foi bastante insistente.
— Sei... — Aria riu, deixando que o tom zombeteiro em sua voz ecoasse.
— Nem pense em contar isso para minha mãe. — Julian alertou, estreitando os olhos.
— Acho que a tia ficaria orgulhosa. Seu filho já usando os genes da família para seduzir pessoas importantes... — provocou Aria, deixando escapar uma gargalhada alta.
Julian fez uma careta tão dramática que Aria quase caiu na gargalhada de novo, a tensão que antes a envolvia dissipando-se por um momento. Mas o alívio foi breve.
— Os arquivos de Maria... — Julian soltou, a voz grave enquanto cruzavam uma praça sombria, decorada com flores de pétalas escuras e uma estátua de anjos chorando, tão macabra quanto o ambiente ao redor. — Assim como os dos outros casos... Não estavam no arquivo dos Lúminis.
Aria parou abruptamente, seu coração acelerado.
— Como assim? — ela inquiriu, sua voz tremendo ligeiramente, uma sensação fria se arrastando por sua espinha.
— Eles foram levados pela Guarda Crepuscular. — Julian murmurou, sua voz mal sendo ouvida, como se proferir aquele nome atraísse perigo imediato.
O nome soou como um sussurro de morte, arrepiando os pelos de Aria. A Guarda Crepuscular era um grupo de elite, composto pelos vampiros mais mortais e leais, diretamente subordinados ao rei Lucius Dracul. Eles eram os guardiões das muralhas de Sombra Alta, incumbidos de proteger a cidade das criaturas monstruosas que espreitavam além das fronteiras de Umbraéon, um mundo de escuridão eterna.
Os humanos, em troca de proteção, haviam selado um pacto com os vampiros — oferecendo seu sangue em troca de segurança dentro das muralhas controladas pelo rei vampiro. A Guarda Crepuscular era a mão invisível que mantinha a paz, mas saber que eles haviam requisitado os arquivos dos assassinatos era profundamente perturbador.
— Bem... — Aria quebrou o silêncio depois de um momento, sentindo a garganta subitamente seca. — Isso parece se conectar à sugestão que a oficial deixou escapar durante o meu depoimento.
— Que sugestão? — Julian arqueou uma sobrancelha, o olhar afiado fixo nela.
Aria respirou fundo, tentando organizar seus pensamentos, antes de soltar em um sussurro:
— Que o que aconteceu com Maria pode estar atrelado aos vampiros.
O choque atravessou o rosto de Julian, mas ele logo assumiu uma expressão pensativa.
— Talvez seja por isso que a Guarda Crepuscular tenha requisitado os documentos — refletiu, cruzando os braços enquanto encarava o horizonte. — Eles podem estar tentando enterrar tudo antes do Baile Escarlate. O rei protegendo os seus... faria sentido.
— Pode ser — Aria mordeu o lábio, inquieta —, mas tem mais.
— Mais? — Julian virou-se de repente, o olhar mais intenso.
— O caso da minha mãe... a oficial insinuou que ele também estaria na mesma categoria.
Julian arregalou os olhos, incrédulo.
— O caso de Marine? Mas... eles fecharam isso anos atrás.
— Sim, com aquela conclusão absurda de que minha mãe simplesmente nos abandonou. — A amargura encheu sua voz. — Ninguém acreditou nisso, nem por um segundo.
Julian suspirou e assentiu, virando o olhar para o céu tingido de laranja no entardecer de Sombralume. As luzes artificiais começavam a brilhar ao redor dos prédios antigos, seus postes lançando sombras inquietantes sobre as ruas de paralelepípedos. No vale abaixo, nas fronteiras do distrito onde a cidade humana dava lugar ao bairro vampírico do Crepúsculo, luzes frias piscavam em bares e clubes noturnos. A vida na noite estava apenas começando naquela parte da cidade — um contraste sombrio com o que eles investigavam: mortes ceifadas por vampiros.
— E agora? — Julian murmurou, a voz carregada de tensão. — Não podemos simplesmente bater na porta do Rei Vampiro e pedir os documentos... muito menos acusá-lo de encobrir caçadas humanas.
Aria, silenciosa por um instante, se apoiou no banco de pedra na praça com as estátuas de anjos chorosos, suas asas manchadas pelo tempo. As flores de pétalas escuras balançavam levemente na brisa gélida que vinha do vale. Raptor, dentro da mochila, miava com impaciência, como se sentisse a tensão crescente no ar.
Ela lançou um olhar furtivo para o primo e, com um pequeno sorriso curvando seus lábios, disse suavemente:
— Eu tenho uma ideia.
Julian a fitou com uma expressão de puro desconforto, já pressentindo o rumo da conversa.
— Estou começando a sentir que isso vai nos meter em encrenca... — respondeu, fazendo uma careta.
Aria deu de ombros, o brilho de determinação em seus olhos verdes ficando mais intenso à medida que suas palavras pairavam no ar.
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