84 ▪ nothing of that ▪
''Você visitava tanto assim a sua avó?'' Eu murmurei, esfregando os dedos contra as minhas pálpebras, ainda sonolentas. ''Antes?''
''Não.'' Jimin murmurou, mesmo que descontente. ''Por falta de tempo. Mas não mude de assunto.''
''Qual assunto?'' Eu fingi, encostando a cabeça no banco do carro e suspirando fundo.
''Você. Fumando?''
Não era algo de que eu fosse sentir orgulho alguma vez, principalmente pelos motivos impostos ou por outra desculpa qualquer que eu pudesse inventar, mas Jimin não parecia querer deixar-me esquecer o sucedido, mesmo que três dias tenham passado desde que eu deixei a sua casa de madrugada, mesmo que ele pense que fora de manhã, mal eu acordei atordoado.
''Esquece isso.'' Eu mandei, sem tom autoritário algum na minha voz, virando um pouco as costas na sua direção, querendo de alguma forma me acomodar melhor ali, porque noites mal dormidas não deixam ninguém descansado.
''Jungkook.''
Então ele pousou a palma da mão na minha coxa, com os dedos apertando a mesma, num aviso silencioso, e eu cometi o erro de espreitar por cima do meu ombro, vendo como ele me encarava, com a sua outra mão segurando o volante, depois as mudanças, e assim que ele desviou o olhar para estrada, mesmo que depois logo para mim, eu virei o rosto, desviando daquele olhar que me cortava cada vez mais e mais.
''Jungkook.'' Voltou a dizer, e eu encolhi os ombros, indeciso se eu deveria olhar para ele ou não. ''Estamos chegando.''
O que era desgastante.
A avó de Jimin achava e era certa de que eu e Jimin estávamos em um relacionamento com algo mais, que éramos estritamente namorados, igual a qualquer adolescente normal, ou pré adulto.
Mas não. Não eu e Jimin. Nós só fingíamos.
E então o carro parou, como uma sentença para os meus pensamentos, como se me mandasse parar de pensar nessas coisas, porque esse era o combinado. O que esperava eu?
''Jungkook, espere.'' Ele pediu, assim que eu decidi que era altura de sair do carro, mas não para ele. Para ele não era, porque até nisso nós divergíamos. Então eu o olhei, mas não aos seus olhos, isso não. ''O que se passa com você? Você nem me falou sobre o seu primeiro dia na faculdade... Tem algo que quer me falar?''
Então eu pude engolir em seco, porque nada relacionado com o dia de ontem, o dito cujo primeiro de dia de faculdade, estava no meu pensamento, nada disso.
Só você.
''Não.''
Não quero lhe dizer, Jimin.
E depois de deixar o lado dele, foi que eu percebi que, logo na frente do carro de Jimin, tinha um outro, que ele só pareceu perceber na mesma altura que eu. E não seria de estranhar se fosse um carro comum, se não fosse um carro que não parecia acabado de sair do stand, ou se ele não estivesse estacionado em frente do terreno da senhora Park, mesmo que ele fosse longo.
Eu virei costas, sem me querer demorar com uma coisa que eu não ia entender e que podia ser comum por ali, mas logo depois Jimin segurou as minhas mãos.
''Jungkook, espere.'' Ele disse de novo, me segurando, logo depois se afastando de mim, em um impasse.
''O que foi?''
''Os meus pais.'' Murmurou, engolindo em seco, e eu arregalei o olhar, preocupado, e ele acenou, confirmando os meus pensamentos assustados e com motivo. ''É o carro dos meus pais. Eu não sabia, eu- Jungkook! Por favor, por favor, não diz nada, eu-''
''Ok.'' Eu acabei sacudindo os ombros, porque eu não diria nada de qualquer das formas.
E tudo o que Jimin dizia tinha um impacto precavido em mim, porque ali ele estava a mostrar certa desconfiança em mim, mesmo que eu nunca lhe tivesse dado motivos para isso, mesmo que eu alinhasse nas coisas parvas dele, como mentir para a sua avó, mesmo com isso tudo... ele desconfiou de mim.
Então, a partir dali, mal entramos pela porta daquela casa, onde os pais de Jimin estavam, eu não era mais Jeon Jungkook, não era mais o garoto que se perguntaria se estava bem vestido, se as roupas estavam bem passadas com o ferro, se o meu cabelo estava bem, se eu devia tirar a cara de sono, ajeitar a postura, ter cuidado com o que dizer. Não, nada disso.
Eu era um boneco, como uma marioneta.
Um pleno boneco, nas mãos de quem me quisesse segurar, de quem quisesse brincar, talvez tirar-me das mãos de Park Jimin, porque ele andava brincando desde o ínicio.
Talvez seja imaturo dizer isso, talvez seja mentira, porque quem se deixou brincar fui eu, foi sempre culpa minha, porque ele foi tão bom em deixar claro que ele nunca... se apaixonaria. Não por mim.
O que esperava eu, afinal?
''Jungkook, querido?''
Eu virei o rosto, para a única pessoa naquela mesa que parecia querer saber de mim. Não queria brincar comigo, queria?
''Sim?'' Eu murmurei, segurando o talher, preocupado que alguém reparasse que eu não estava comendo muito, mas a mulher na minha frente, do lado da filha, apenas sorriu e apontou o Park mais velho com o queixo, no topo da mesa.
''Estava perguntando o que você estuda, rapaz.''
''Comecei agora o curso de gestão.'' Eu respondi, um sorriso casto, inventado.
''Não parece feliz.'' A mãe de Jimin acusou e eu sacudi os ombros, ressentido.
''É o que os meus pais querem.''
Talvez tenha sido ali que Jimin se deu conta que eu era como ele, mesmo que eu não tivesse na carteira o dinheiro que ele tem, ou os meus pais comparados aos dele.
''E você não?''
''Acho que eles sabem o que é melhor para mim, de qualquer maneira.'' Acabei dizendo, mesmo que eu não achasse que fosse verdade, nem para mim, nem para Park Jimin.
Não era para impressionar, mas impressionou.
''Ouviu, Jimin?'' O pai dele provocou, e aquele não era o meu objetivo, mas foi entendido daquela forma malvada.
''Ele não pensa assim.'' Ele comentou, quase ridicularizando o que eu disse, depois pousando a mão na parte de trás do meu pescoço. ''Pode ser honesto, Jungkookie.''
Não, não podia.
''Queria fazer o que eu gosto, mas esse não é o negócio da família.'' Eu repus, sem querer ir contra ninguém, e Jimin pareceu contente com o que eu disse, voltando a segurar o seu talher e a se alimentar, e eu o observei por um pouco, sem ele saber, porque algo me dizia que depois daquele dia seria um pouco difícil conseguir fazê-lo.
''Você parece um rapaz às direitas, Jungkook.'' O pai dele disse, batendo a palma da mão no meu ombro e sorrindo curto. ''Jimin tem sorte de poder estudar em uma boa universidade, mas ele não entende isso.'' Ele persistiu no assunto, e era uma coisa dura, um tom acusador que nada tinha a ver comigo, e nem era suficiente para ele. ''Jimin acha que a dança o levaria a algum lugar no nosso ramo. Talvez você o possa dissuadir dessa barbaridade.''
''Não.''
Eu era um boneco, mas defendia os meus valores.
''Perdão?''
''Jungkook.'' Jimin alertou, negando subtilmente com a cabeça.
''Eu nunca faria isso.'' Continuei, segurando o guardanapo de pano com as duas mãos e passando-o pelos meus lábios, depois pousando-o no meu colo. ''Sabe? Dizer ao meu filho para seguir um caminho que ele não quer devido aos meus interesses serem diferentes dos dele? Isso é desumano.''
''Seus pais são desumanos?''
''Não estudo gestão por obrigação.'' Eu continuei, porque era a minha história e eu conhecia-a melhor do que ninguém. ''Não fui obrigado a inscrever-me na faculdade de gestão.''
''Entendo.'' Ele concluiu, arrumando o assunto. ''O meu filho também não.''
Eu não sabia se aquilo era mentira, os olhos de Jimin não me diziam nada que pudesse ser revelador, não para além daquela culpa que ele carregava no olhar e nos ombros desde que havíamos chegado ali.
Era confuso. Mas o que esperava eu?
Depois daquilo, enquanto a avó de Jimin convivia com a mulher do filho, eu fui arrastado para a sala, com o pai de Jimin e unicamente com ele, sentado em um dos sofás enquanto ele servia um copo com whisky.
''É servido?'' Ele ofereceu e eu neguei com a cabeça, subtil, encarando o liquido castanho e velho deslizar do gargalho até ao copo. ''Engraçado. Convive com Jimin e ainda não caiu na bebida?''
''Perdão?'' Eu murmurei, perplexo.
''É uma queda da família.''
O quê?
''O quê?''
''É o namorado de Jimin?'' Ele mudou o assunto, se sentando de forma confortável no sofá, afrouxando a gravata por cima da sua camisa e me encarando enquanto bebericava do copo.
''Não.''
''Sabia que aquela velha estava vendo coisas.'' Ele riu, pela primeira vez na minha frente, quase em troça. ''Você parece bom demais para o meu filho.''
Aquele homem riria duas vezes no dia. Aquela fora a primeira.
''Engraçado que um homem como você aprovaria um relacionamento homossexual, mas não que o filho siga os sonhos dele.''
''Está dizendo que tem algo de errado com relacionamentos homossexuais? Porque eu não sou homofóbico.'' Esclareceu, parecendo contente com isso, voltando a beber. ''Não tenho problema, porque eu nunca quereria um neto de Jimin de qualquer das formas.''
''Isso é cruel.''
''Cruel é o que ele faz com você, não é?'' Acusou, e eu abri um pouco o olhar, sem entender que estava sendo manipulado. ''Eu conheço bem o meu filho. Quem sai aos seus não degenera.''
''Não. Não conhece.'' Eu me atrevi, sem conseguir engolir nada do que ele dizia.
''Não?'' Desafiou. ''Vai me falar do quanto ele é espetacular dançando, rapaz?''
''Ele é.''
Independentemente de qualquer coisa.
''Me fale.'' Ordenou, pousando o copo vazio na mesa de centro. ''Adoraria ver ele dançar.''
''Então veja.'' Eu ofereci, empolgado, achando que ele falava a sério, porque eu tive sempre essa mania de não deixar as pessoas terminarem as frases e revelarem sempre as suas verdadeiras intenções. ''Jimin dança realmente muito bem, ele merece que você veja isso. Ainda dá tempo e essa não é minha opinião, é a opinião dos críticos do teatro e de-''
''Críticos?'' Ele repetiu, o tom de troça disfarçado.
''Sim, ele...'' Eu então me levantei, porque a minha intenção era boa, puxando a minha carteira do bolso traseiro, puxando um pequeno bilhete. ''No final desse mês, ele vai se apresentar, e se você o pudesse ver e entender a forma como eu o vejo eu acho que isso iria melhorar a vossa relação.'' Eu falei rápido, atrapalhado, entregando o convite que eu tinha comprado para o espectáculo de Jimin.
''Ele atua aqui?''
''Sim.'' Respondi, seguro, ainda empolgado, recuando uns passos até me sentar de novo.
Eu não devia ter deixado de ser um boneco naquele dia. Não.
O pai de Jimin riu pela segunda e última vez, guardando aquilo no bolso, e eu não poderia ter entendido ali que eu acabara de cometer o pior erro da minha vida.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top