6 - Massacre azul


O selaquiano não pareceu nem um pouco impressionado com a dedução de Coral. Pelo contrário, aquela parecia ser exatamente a chance que ele esperava para se aproximar com um sorriso de canto cheio de malícia. Como um predador à espreita.

— Você é bem esperta para uma mestiça. Deve ser por isso que ainda está viva.

Coral engoliu em seco. Aquilo era uma ameaça? Como ele sabia o que ela era? Petrus lhe garantira que ninguém poderia saber se ela não estivesse usando o amuleto.

— Não sei do que está falando...

— É claro que sabe. Mas estou curioso sobre algo: como pretende escapar de todos esses octopos?

Coral teve um sobressalto, olhando ao redor atônita. As luzes coloridas eram intensas, um amontoado de corpos dançando languidamente a uma distância curta. Os braceletes de tranças. Será que ela estava deixando algo escapar?

— Octopos? Onde?

O selaquiano a olhou penalizado.

— Retiro o que disse. Você claramente só está viva por pura sorte.

Só então Coral notou algo crucial nas pessoas que a cercavam: a trama em seus braceletes não era de tranças, eram tentáculos com ventosas. A noite toda ela esteve rodeada de octopos sem sequer se dar conta disso. E Petrus estava fora de vista, inalcançável.

Ela soltou um suspiro exasperado, voltando a atenção para o selaquiano a sua frente. Ele a encarava seriamente, a bebida intocada esquecida sobre o balcão.

— O que quer de mim?

— Pergunta errada. A pergunta certa é: ainda pretende sair daqui com as próprias pernas?

— Eu... é claro...

— Então terá que confiar em mim.

Coral sentia o sangue pulsar em suas veias. Petrus lhe disse duas vezes para não confiar em selaquianos. Mas Petrus não estava aqui e ela estava rodeada de octopos. Não havia escolha, ela teria que ser sua própria juíza no caso.

— Como posso confiar em alguém que não conheço?

— Não confie. Confie que vou te tirar daqui, porque preciso de você tanto quanto precisa de mim no momento.

Coral estreitou as sobrancelhas. Aquilo não fazia sentido.

— Por quê?

— Porque você tem a chave para a informação de que preciso, então mantê-la a salvo é a minha melhor opção. Além do mais, seu protetor está fazendo um péssimo trabalho aqui.

Coral se sentia tonta, a respiração cada vez mais pesada. Petrus estaria bem com Cláudio? Ela devia ir checá-lo?

— Eu não... tenho protetor nenhum.

O selaquiano parecia decepcionado por algum motivo. Coral tentou dar um passo à frente, mas cambaleou sobre a banqueta ao lado como se tivesse bebido tequila e gim tônica ao mesmo tempo.

Sua reação atrapalhada pareceu alertar seu acompanhante misterioso.

— Parece que eu cheguei tarde demais — ele bufou com raiva.

— Tarde? — Coral se precipitou para a frente, agarrando a regata branca para não cair. — Será que você pode dizer algo que faça sentido?

Ele olhou brevemente para os lados, então apoiou as mãos firmes sobre seus ombros trêmulos, aproximando os lábios de seu ouvido para que somente ela pudesse ouvir suas próximas palavras.

— Preste atenção, octopos podem não ser muito fortes, mas são bons estrategistas. E sabem esperar. Desde que você colocou os pés nesse estabelecimento, um tipo de gás sonífero está exalando pelo salão, é assim que eles pretendem capturá-la. O gás é inofensivo para atlantes, mas como você é mestiça sentirá o efeito como uma caminhante qualquer.

— Então o que faremos? — cedeu ela, percebendo que o selaquiano era sua única opção viável, ainda que não muito confiável.

— Eu posso dar conta deles, mas não aqui. Está lotado demais, será perigoso mesmo que os caminhantes estejam inconscientes. Há algum espaço mais reservado?

Coral buscou em sua mente semiconsciente algo que pudesse ajudá-los. Petrus não tinha dito algo sobre algum "santuário da pegação"?

— Ali! — Apontou para uma porta de vai-e-vem atrás do bar. — Naquela sala!

Eles se precipitaram para o cômodo aos tropeços, Coral sendo arrastada sem muita gentileza até que pudesse se escorar em uma parede para se manter de pé por conta própria. Havia alguns casais se beijando, mas o gás já parecia fazer efeito sobre eles, tombando-se uns sobre os outros.

— Por que só tem caras se agarrando aqui?

— É uma boate gay, o que você queria?

— Não sei, é a primeira vez que venho à superfície — defendeu-se ele antes de sair expulsando os amantes de forma não muito amigável.

No entanto, uma vez que estavam todos já meio tontos, ninguém ofereceu muita resistência. Logo em seguida os octopos adentravam o local, obrigando o selaquiano a recuar alguns passos enquanto puxava duas adagas do cós de sua calça, sem nunca desviar a atenção dos oponentes em potencial.

— Esconda-se — ordenou ele. — A coisa aqui vai ficar feia.

Coral cambaleou para trás de um balcão deserto que antes devia ter sido o antigo bar, mas que agora servia a outros propósitos a julgar pela quantidade de camisinhas espalhadas pelo chão. Segurando a ânsia de vômito, ela se ergueu o suficiente para espiar o que acontecia na arena de luta.

Cinco octopos corpulentos e carrancudos encaravam o selaquiano, três homens e duas mulheres preparando-se para o ataque. Os tentáculos de suas braçadeiras brilhavam contra a fraca luz azulada que mal iluminava o recinto. Do outro lado, o selaquiano amarrou os cabelos lisos em um coque baixo, então posicionou-se com as duas adagas cruzadas sobre o peito, as pernas afastadas na defensiva, um olhar assassino fixo sobre os inimigos.

O que parecia ser o líder dos octopos deu um passo à frente. Era o mais alto e mais musculoso dentre eles, um manto verde-musgo cobrindo-lhe os ombros, dando-lhe um ar de imponência. Ele cuspiu no chão, lançando um olhar de desprezo ao selaquiano.

— Ora, ora, se não é Dante, o orgulho de Seláquia! — zombou ele, arrancando algumas risadas debochadas de seus companheiros. — O que faz tão longe de suas muralhas, tubarãozinho?

Dante cerrou o maxilar.

— O mesmo que você, eu suponho — disse ele, girando ameaçadoramente uma das adagas na mão. — Se quiserem a garota, terão que passar por mim primeiro.

O grandalhão deu de ombros, como se o homem à sua frente não passasse de um mero inseto que ele teria que esmagar com a ponta do sapato.

— Tanto faz, eu sempre quis acabar com essa sua cara de presunçoso arrogante mesmo.

— Apenas tente.

Coral viu o octopo lançar uma corrente grossa com uma bola de ferro na ponta, mas Dante pulou por cima e avançou sobre ele, desferindo um golpe certeiro em sua coxa superior esquerda. Enquanto o octopo urrava de dor, seus companheiros partiram para cima do selaquiano, indignados pelo abatimento de seu líder.

Dante se esquivava e desferia golpes com a habilidade de um ninja, mas ainda estava em desvantagem. Uma das mulheres conseguiu agarrá-lo pelo ombro em uma investida pelo flanco. Enquanto ele se contorcia em sofrimento com o aperto violento, o único octopo que ainda parecia intacto se aproximou com um sorriso convencido. No entanto, no último segundo Dante girou para o lado, livrando-se da mulher e derrubando o octopo com uma rasteira ao mesmo tempo.

A mulher gritou ao atirar-se contra ele, mas Dante estava preparado desta vez. Em um único movimento, cravou uma das adagas diretamente em seu coração. Ela caiu inerte, enquanto um líquido azul escuro viscoso jorrava de seu peito. Coral piscou duas vezes, pensando que talvez aquela coloração estranha fosse um efeito da luz, ou talvez do gás que havia inalado.

Porém, Dante não teve tempo para comemorar sua pequena vitória. Quando o último octopo desabava ao chão, uma nova horda deles irrompia sala adentro, cercando o selaquiano já cansado. Uma batalha difícil se iniciou, Dante defendendo-se bravamente golpe após golpe recebido. No entanto, em uma manobra arriscada, ele teve que impulsionar os pés contra a parede para desviar das correntes de dois octopos que tentavam acertá-lo ao mesmo tempo. Ele pousou desajeitado do outro lado do recinto, deixando uma das adagas cair e percebendo tarde demais uma mulher octopo recém saída das sombras. Ela cravou sua própria adaga na coxa superior esquerda, fazendo Dante urrar de dor enquanto a lâmina rasgava a pele morena, sangue vermelho aflorando em uma cascata preocupante. Ele rolou para longe, tentando se recuperar da ferida aberta. Quatro octopos permaneciam de pé, encarando-o com sorrisos presunçosos, sangue azul escorrendo de suas próprias feridas.

Aquilo era demais para Coral. Por mais que se preocupasse com Dante, sabia que não poderia fazer nada por ele. Incapaz de continuar assistindo ao massacre iminente, ela virou-se de costas, enterrando o rosto nos joelhos enquanto tentava não entrar em pânico. Tinha que lembrar a si mesma que Dante não passava de um desconhecido. Ele disse que precisava de algum tipo de informação, talvez estivesse agindo apenas por interesses egoístas. Talvez ele a vendesse para o mercado negro de Atlântida. Ela não devia estar tão preocupada com o seu bem-estar. Mas, mesmo assim, a cada grito, baque, urro e gemido que chegava aos seus ouvidos, era como uma punhalada em seu coração.

Após longos e torturantes minutos, a barulheira infernal finalmente havia cessado. Coral esticou o pescoço lentamente, com medo do que encontraria do outro lado do balcão. Corpos amontoavam-se uns sobre os outros, as articulações dobradas em ângulos esquisitos. Havia sangue azul por toda parte que se olhasse, escorrendo farto pelas paredes e no chão ao redor dos octopos abatidos.

Dante estava encolhido em um canto, dobrado sobre a perna machucada. Coral esforçou-se para se arrastar até ele, desviando dos octopos e ainda sentindo-se tonta pelo efeito do sonífero. Ele ergueu o rosto rígido para ela, o maxilar cerrado, os olhos negros sombrios parecendo lutar contra a dor e o impulso de deitar no chão.

Coral engoliu em seco.

— Eles estão...

— Eles estão vivos — disse Dante com alguma dificuldade. — Octopos têm três corações, não é tão fácil matá-los.

— Mas então...?

— Eles ficarão inconscientes por um tempo, teremos tempo para fugir enquanto isso.

Dante inclinou-se para frente, apoiando a testa na parede. Só então Coral se deu conta de que o sangue continuava escorrendo de sua coxa ferida. Ela rasgou um pedaço do manto verde do líder dos octopos e se aproximou dele com cuidado.

— Aqui, deixe-me ajudá-lo.

Dante resmungou algo, incomodado por mostrar-se vulnerável, mas acabou cedendo aos movimentos delicados de Coral. Ela amarrou o pano bem apertado em torno do machucado, pressionando para estancar o sangue.

— Obrigada por ter me salvado — ela se viu dizendo para quebrar o silêncio incômodo que se instalara entre eles.

O olhar de Dante ainda tinha um brilho perigoso, como se ele não pudesse se dar ao luxo de relaxar nunca, mas Coral não se sentia realmente com medo.

— Eu não fiz isso por você.

— Imaginei que não. Mesmo assim, foi mais do que já fizeram por mim em toda a vida.

Dante abriu a boca para responder, mas antes que pudesse dizer qualquer palavra, a porta se abriu de repente com um tranco, fazendo um barulho alto e estridente, assustando os dois. Um segundo depois, Petrus estava de pé diante dela, descabelado e ofegante, como se acabasse de correr uma maratona. Seu rosto estava transtornado em uma expressão mortificante.

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