8 - Histórias - Laís

Com os cotovelos apoiados na escrivaninha e observando os movimentos lá embaixo na rua, eu esperava Cauã entrar online.

Um choro de criança, ao ralar o joelho durante uma queda quando corria na calçada, me fez espichar o olhar para fora. Uma mulher correu aflita até a criança e pegou-a no colo para consolá-la. Sorri ao constatar que as coisas haviam se resolvido de modo positivo para mãe e filho.

A cena me fez lembrar como minha mãe fazia o mesmo, a diferença era que desde muito pequena aprendi a não chorar. Manter-me firme sem lágrimas parecia tranquilizar minha mãe e ela sempre me sorria aliviada. Os sorrisos dela eram raros após meu pai arrumar suas malas e ir embora sem dar nenhuma explicação.

Eu não recordava muito de meu pai, ele foi embora antes do meu aniversário de quatro anos. O que era palpável a mim era o sofrimento que ele deixou em minha mãe, e deste modo eu fazia tudo ao meu alcance para produzir algum sorriso sincero nela e vê-la mais animada.

- E aí, Laís? - Cauã ligou a câmera e me presenteou com seu sorriso maroto de sempre, me afastando dos devaneios do passado. - Já fez nosso roteiro para as férias?

- Oh! Esqueci. - apoiei o rosto nas mãos, divertida. Adorava implicar com ele. - Esse negócio de fazer planejamentos de férias é contigo.

- Tudo bem, tudo bem. Eu faço nosso roteiro de férias, mas depois você não pode reclamar. - ele respondeu igualmente brincando.

- Eu confio em seu roteiro, mas não abuse. Nada de montanhas e esportes radicais. - fingi o repreender, embora tivesse um pouco de sinceridade em meu pedido. Mas por que me preocupar? Aqui na cidade grande seria quase impossível encontrar um lugar para acampar.

- Pode deixar. - ele confirmou prestando atenção em outra coisa. Então me enviou várias imagens de escaladas e acampamentos antigos, eu já as tinha visto. Questionei com as sobrancelhas o porquê daquelas fotos. - Uma colega professora pediu ajuda com um projeto sobre as cachoeiras da região. Pensei em fazer uma apresentação com essas fotos, o que acha?

- São lindas. É para os "monstrinhos" do Ensino Médio? - inclinei-me para a tela interessada em ajudá-lo.

- Não, para os "pestinhas" do Ensino Fundamental, aqueles bem pequenos. - ele fez uma expressão assustada. - Não sei nada de crianças! Jaqueline, a professora deles, me pediu para fazer uma palestra. - Jaqueline? Esse nome era uma novidade, quis interrompê-lo para saber mais, no entanto apenas mordi o lábio e me calei. Nossa relação nunca foi baseada em desconfianças e eu não devia me deixar levar pela pontadinha de ciúmes sentida pelo modo animado que ele falou sobre essa sua colega. - Mas nem sei por onde começar uma palestra para criaturinhas que mal alcançam minha cintura. É como se fossem alienígenas chorões. - Ele gargalhou ao fazer caretas tentando imitar o que eu entendia ser sua ideia de alienígenas.

- Ora, Cauã, são crianças não vai ser nada demais. - tentei lhe dar confiança. Afinal nunca tive problemas com crianças. - Eles vão adorar ouvir suas histórias sobre os acampamentos. Crianças gostam de histórias.

- Espero que sim. Vou separar algumas histórias engraçadas de acampamentos. - Ele suspirou não tão convencido e me sorriu. - E como está suas idas ao hospital para ler histórias? Sua mãe ainda fica preocupada com isso?

- Um pouco, mas não vou deixar de ir lá por causa disso. - respondi com certo desanimo. Suspirei. - Eu gosto.

- Hospitais me dão calafrio, mas se você gosta deve continuar. - acenei em agradecimento pela força. Ele ficou um tempo calado me observando. - Eu não preciso colocar o hospital em nosso roteiro de férias, não é?

- Seu bobo! - Ri. Ele era bom, assim como eu, em mudar o rumo da conversa para que nenhum mau sentimento se intrometesse.

- Ufa! - Ele passou a mãos no cabelo ao sorrir debochado. Então suspirou desanimado. - Droga, preciso me organizar para a aula da faculdade. A gente se fala amanhã. - Mandou-me um beijo. Sorri enamorada. Como seria quando os beijos não fossem mais virtuais? Deliciosos, eu já experimentara. - Estou contando os minutos para nos encontrarmos.

- Eu também.

Acenei sorridente, um arrepio gostoso me atingiu. A cada dia parecia mais palpável essa nova sensação em sonhar com um futuro cor-de-rosa ao lado de Cauã.

Disse que não havia pensado em um roteiro para nossas férias juntos, contudo eu já tinha montado em minha mente como seriam as férias perfeitas: iríamos andar de mãos dadas no parque, leríamos um ao lado do outro deitados na grama, olharíamos as estrelas e conversaríamos sobre qualquer coisa que nos fizesse rir, e a noite deixaríamos nossos corpos aquecidos com beijos e carícias.

Minha mãe entrou no quarto, atarefada a procura de seus sapatos para ir a uma reunião de trabalho, me tirando dos meus sonhos românticos.

- Está conversando com Cauã?

- Já desligamos.

- Então ele vem mesmo passar as férias de verão aqui?

- Sim, estamos organizando tudo. - minha voz saiu eufórica.

- Laís, está apaixonada? - minha mãe sorriu animada. - Bem, já era hora de eu ter um genro. Sempre gostei desse garoto.

- Genro? - Senti minhas bochechas corarem. - Quem sabe o que pode acontecer?

- Quem sabe?!

Ela piscou, sábia, enquanto eu, rindo, fui para a cozinha organizar a janta. Era tão agradável essa sensação de leveza em meu peito ao ter conversas felizes com minha mãe. Uma situação relativamente nova para nós duas, que felizmente parecia ter vindo para ficar.

***

Na terça-feira andei sorridente até o balcão da enfermagem no último andar do hospital, para cumprimentar Claudete, um ritual que gostava de cumprir antes de iniciar as leituras para as crianças. A enfermeira me esperava com um livro com figuras coloridas na mão.

- Laís, encontrei esse livro na estante de minha neta, as crianças vão adorar. - Enquanto eu folheava o livro, ela limpou a garganta. Era perceptível que ela queria algo de mim. - Criança, você poderia passar um tempo com uma menina internada na semana passada, ela sofreu queimaduras no corpo e está completamente arrasada.

- Por que eu? - Sentia-me um pouco incomodada em falar com garotas nesse tipo de situação. - A psicóloga não foi falar com ela? Uma profissional faria isso de melhor maneira do que eu.

- A psicóloga a visita todos os dias. Mas me parte o coração ver uma garota tão triste. - A enfermeira Claudete apoiou a mão em meu ombro. - Laís, você é sempre tão alegre, mesmo quando estava internada. E eu lembro como conseguiu fazer tantos outros pacientes sorrirem. Pensei que poderia ajudar essa menina também.

Minha amiga enfermeira tinha razão, eu possuía uma alegria que de alguma forma contagiava outras pessoas, não me custaria emprestar um pouco para uma pobre garota triste.

A garota que Claudete me indicara estava deitada na cama, olhando fixamente para um ponto da parede. Engoli em seco ao ver como o braço da garota estava enfaixado devido às queimaduras.

Suspirei com o receio de não saber o que dizer, então coloquei um sorriso em meus lábios e me aproximei.

- Oi! Sou Laís.

- Mais uma psicóloga. - a garota bufou ao revirar os olhos.

- Sou mais para uma paciente. - ri nervosa, angustiada por não saber como agir, o que cortava minha espontaneidade natural. - Ficar em um quarto de hospital é entediante.

- Nem me diga. Está internada por quê?

- Agora só de visita, mas já fiquei muito tempo. - olhei de relance para o braço enfaixado, buscando algo que pudesse fazer com que ela se sentisse melhor. - Gosta de livros?

- Não muito.

- E músicas?

- Sim, ouço praticamente o tempo todo.

- Sabe o que mais gosto nas músicas? - A garota demonstrou interesse em minha fala, eu sorri aliviada por ter uma ideia em como facilitar o tempo de internação dela. - É imaginar o que o cantor pensava quando fez aquela música.

A garota fixou o olhar em mim, como se eu estivesse falando uma besteira, reação típica de adolescentes que não querem dar o braço a torcer quando na verdade estão interessados. Sorri discreta e cantarolei um pedaço de uma de minhas favoritas.

- O que acha? Esse cantor pensava em uma ex-namorada ou será que era uma amante? - Questionei na tentativa de fazê-la participar.

A garota esboçou um sorriso tímido e sacudiu a cabeça.

- Nada disso! Aposto que era um amor não correspondido.

- Essa é uma boa suposição. - incentivei. A garota acenou positivamente, parecendo mais animada. Claudete passou pela porta do quarto e sorriu em agradecimento. Uma ideia surgiu, inclinei-me sobre a garota como quem conta um segredo e apontei para Claudete. - Aquela enfermeira adora cantar, sabia? - Não tinha certeza se isso era verdade, mas sabia que Claudete não se importaria de fazê-lo. - Quando ela vier fazer seu curativo, desafie ela sobre as músicas.

- Legal! - a garota sorriu maliciosa. - Vou pensar em músicas bem difíceis.

- Quanto mais difícil melhor. - reforcei ao sair.

Após a melhora no humor da garota, encaminhei-me à leitura das terças na sala de recreação, com o coração aquecido por ter podido colocar um sorriso em um rosto entristecido.

O livro emprestado fizera grande sucesso entre as crianças, até os parentes divertiram-se. Renovada por ver tantos sorrisos, eu entreguei o livro a Claudete no balcão de atendimento. A mulher sorriu:

- Fez um trabalho perfeito com a jovenzinha das queimaduras. Obrigada, Laís. - Acenei orgulhosa. Ela me fitou divertida e antes que eu pudesse reagir ela me fez um cafuné, como se eu fosse uma criança arteira, bagunçando meus cabelos. - Mas não precisava dizer que adoro cantar.

Ri culpada ao entrar no elevador, mas sem real arrependimento. Era divertido colocar Claudete nessas saias justas, e eu sabia que no fundo ela também gostava.

Quando tentava arrumar com as pontas dos dedos os cabelos bagunçados por Claudete, o Dr. Theo entrou no elevador. Era estranho como desde que o conheci passei a encontrá-lo com certa frequência. Acenei educada. Ele levantou as sobrancelhas.

- As crianças fizeram isso no seu cabelo?

- Imagina! Crianças são educadas, foi a enfermeira. - Sorri ao tentar dar mais uma ajeitada com os dedos, mas meus fios estavam cheios de nós. Bufei ao desistir e foquei minha atenção em Theo. - Tem plantão hoje?

- Meu amigo Klaus tem controlado meus horários e me mandou para casa, de novo. - ele possuía irritação em sua voz. Eu começava a considerar que essa era quase uma marca registrada dele.

- Amigos, sempre dando palpites. - tentei uma abordagem divertida para tirá-lo de seu casulo negro, contudo ele não esboçou reação. Eu tentava, mas ele não parecia fazer o mesmo. Isso me incomodou, de repente a sua presença carrancuda fez o elevador parecer pequeno e lento demais.

Calei-me e mirei minhas mãos sem saber o que fazer com elas, esperando que o elevador chegasse ao térreo. Talvez emprestar minha alegria a garota das queimaduras houvesse exigido muito de mim, e no momento eu não estava com paciência para recomeçar todo esse caminho com Theo.

Afinal, depois de nosso jantar impulsivo de poucos dias atrás pensei que ele demonstraria mais simpatia quando nos encontrássemos novamente. Que nosso relacionamento, seja lá qual fosse, iria evoluir para um melhor humor. Contudo, o que parecia, era que estar ao meu lado o chateava, como se ele estivesse sempre pronto a sair correndo e me deixar falando sozinha. Eu não conseguia entendê-lo.

No térreo, ambos praticamente saltamos para fora ansiosos por não permanecermos mais no vácuo silencioso. Isso me chateou, porém, ele não queria minha companhia e eu desistira de insistir nisso. Acenei educada em despedida, ao dar passos ligeiros no corredor, decidida a não me deixar afetar por aquilo.

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Estão curtindo a História? TeamCauã ou TeamTheo? :D


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