31. Noite de festa - Laís
A ausência virtual de Cauã me causara um aperto no coração que me acompanhava mesmo quando eu dormia. Em desespero eu enviei muitas mensagens online, havia perdido as contas, todas pedindo perdão e suplicando por sua amizade. Não recebi qualquer resposta.
Minha mãe ameaçou esconder meu notebook, ela dizia que eu devia dar um tempo a Cauã. Mas como aguentaria a incerteza angustiante dentro de mim? Dar tempo a Cauã não significava receber seu perdão como presente, talvez a mágoa que provoquei nele nunca fosse suprimida.
Eu sentia-me duplamente mal. Triste por ser a responsável do possível sofrimento dele e por não o ter mais em minha vida. Desde que começamos a trocar mensagens pela internet esta era a primeira vez que passávamos mais que uma semana sem nos falar.
Passei os dias mergulhada em meus livros preferidos na tentativa de sentir menos falta dele. Às vezes até conseguia, mas como não pensar em Cauã quando haviam tantas fotos ligadas a recordações em meu notebook? E principalmente quando o Natal estava tão perto?
Se antes a ideia de fazermos uma festa de Natal fora uma ideia brilhante, agora só me trazia mais sofrimento. Os planos para a festa estavam arruinados, assim como meu coração. Não havia mais futuro namorado, nem novos amigos e muito menos os antigos.
Minha mãe passeava pelo apartamento cantarolando músicas natalinas, empolgada com as preparações para nossa simples festa à noite. Eu apenas observava a torta de maçã no forno, sem vontade de que as horas passassem.
— Será que teremos espaço para todos os convidados? — minha mãe observava nossa mesa de quatro lugares com preocupação. — Dá mais três no sofá, mas vai ficar meio apertado. Acho que vou trazer a cadeira da escrivaninha do quarto e aquelas duas cadeiras de montar da dispensa.
— Não devíamos ter organizado essa festa. Nosso apartamento é pequeno e nem é um bom momento — bufei ao retirar, com a ajuda de um pano, a torta de maçã do forno.
— O tamanho de nosso apartamento não importa para as pessoas que nos querem bem, sei que te ensinei isso, Laís — ela me observou pensativa. — Você está triste com o que aconteceu com Cauã, eu entendo. E isso é mais um motivo para fazermos a festa.
— Acho que não.
— Dê tempo a Cauã, verá que as coisas irão se resolver.
— Você já disse isso várias vezes, mas talvez esteja errada — acusei em desespero.
— Amigos verdadeiros podem passar um tempo magoados, mas sempre perdoam.
— Mas e se ele esqueceu nossa amizade e só lembra de que também gosta de mim? Quando envolve coração partido, raivas costumam durar.
— Laís, confie nos anos de amizades entre vocês. Isso não pode ser simplesmente apagado. — ela sorriu-me encorajadora. — Você sempre foi a otimista da casa, não perca isso.
— Acho que desaprendi.
— Nada disso, não vou deixar você se tornar uma pessoa emburrada — minha mãe me puxou para a sala, para eu ajudá-la a organizar a mesa com toalha enfeitada com pinheiros e guardanapos combinando. — Quantas vezes quase perdemos tudo, mas você conseguiu encontrar alegria entre as pequenas coisas. Faça dessa festa uma caixa de presente recheada de pequenas coisas.
— Como o quê?
— É nosso primeiro Natal com saúde. Você vai conhecer pessoas novas, meus amigos da faculdade. A enfermeira Claudete e o Dr. Emílio virão mais tarde para te ver. Talvez possamos cantar uma música de Natal juntas...
— Ah, não! Nem pense que vamos cantar como naqueles filmes natalinos bizarros — sorri, sentindo-me um pouco melhor.
— Mas eu tinha até separado a celular para gravar e colocar depois na internet — ela respondeu divertida ao finalizar a organização da mesa. Então me olhou com curiosidade. — Não vai mesmo ver se o Dr. Theo quer vir depois do tal plantão?
— Por que insisti nisso? — disse aborrecida ao ir para o quarto, afastando-me dela.
Depois de eu contar entre lágrimas sobre minha conversa dramática com Cauã, minha mãe perguntou o que eu pretendia fazer em relação ao médico. Se eu iria devolver o livro, se gostava mesmo dele ou se eu queria só sua amizade.
Talvez eu tivesse respostas para isso em meu coração, mas ainda eram tão indizíveis. Apenas fugi de suas perguntas, e sempre que ela questionava se Theo viria à festa eu dizia que não.
Peguei o livro presenteado por ele e reli a dedicatória. Meu coração ficou acelerado, eu já não podia mais negar que sentia algo por ele. Mas meu erro em julgar meus sentimentos por Cauã e as consequências disso me tornaram cautelosa. Eu não podia me entregar à impulsividade e perder mais um amigo.
Por enquanto, nossa relação ainda era passível de ser salva. Depois das mensagens cautelosas de domingo, havíamos retomado uma rotina de trocar mensagens ao final das noites.
Não eram nada sobre sentimentos ou profundidades sobre a vida, e sim uma frágil tentativa de recuperarmos a fluidez de nossa amizade anterior. E eu não queria jogar isso fora.
Theo admitira em sua dedicatória ter algum sentimento por mim, exatamente qual eu não perguntara. E se eu aceitasse que fôssemos além da amizade e em pouco tempo eu ou ele nos arrependêssemos? Seria como com Cauã, eu teria perdido uma amizade por uma atração que provavelmente iria passar sozinha sem que precisássemos magoar um ao outro.
Eu ainda não conseguia me decidir. Ainda não era seguro convidar Theo a uma festa de Natal, pois meu coração batia acelerado por ele e eu não queria correr o risco de deixar que nos envolvêssemos sem eu ter a certeza do que esse sentimento avassalador realmente representava.
***
As luzinhas do pinheiro coloriam a sala enquanto os convidados sorriam diante da conversa animada embalada por alguma canção natalina tocada no rádio. Eu servia as fatias de torta de maçã e observava encantada como era possível que coubesse tanta gente naquela sala apertada.
Não querendo destruir a noite para minha mãe, afinal depois dos nossos anos difíceis ela merecia, eu me esforcei para me concentrar nas pequenas coisas. Confesso que, depois de algum tempo, comecei a me divertir.
A enfermeira Claudete trouxera uma de suas netas e não parava de contar as traquinagens que já vira os pacientes da pediatria fazerem, sendo que algumas eram minhas. Os dois ex-colegas de minha mãe, Raul e Tina, riam impressionados e entregavam às vezes em que mataram aula com minha mãe para irem ao cinema ou ficarem conversando em um bar perto da faculdade. A tia de minha mãe olhava tudo horrorizada, o que me fazia achar graça. E Dr. Emílio se concentrou em pegar a maior quantidade de carne recheada, em sua breve visita antes de ir para a ceia de sua família vegetariana.
Eram pessoas completamente diferentes que provavelmente não tinham nada em comum que as fizessem se unir algum dia em uma mesma festa. Estavam ali por mim e por minha mãe, e perceber isso me trouxe alegria.
Apesar de ter perdido um amigo, havia outras pessoas que se importavam. Outras pessoas que não mereciam minha tristeza. Sentei no braço do sofá ao lado de minha mãe, e a abracei. Ela sorria ouvindo seu ex-colega Raul falar dos tempos da faculdade.
Eu não havia presenciado essa nuance da vida dela, mas sua alegria era tão palpável que eu sentia como se tivesse feito parte daquilo tudo. E o modo como minha mãe e o tal Raul trocavam olhares discretos ao longo da noite, demonstrava que havia mais entre eles.
As conversas sussurradas de minha mãe no celular e suas constantes saídas fazia um maior sentido agora. Minha mãe estava apaixonada. Eu só podia desejar que Raul fosse um cara legal e que fizesse minha mãe feliz. Escorei a cabeça em seus cabelos, sorridente.
O toque baixo de meu celular foi quase imperceptível entre tantas risadas e conversas. Discreta, observei o nome na tela, suspirei ao me retirar para o quarto e atender.
— Oi, Theo — disse, sorrindo ao me deitar na cama e colocar os pés para cima da escrivaninha, desejava que nossa conversa durasse horas. Eu sabia que ele não viria à festa, mas estava desde cedo à espera de uma mensagem, afinal era Natal.
— Liguei para desejar feliz Natal!
— Obrigada pela lembrança, Theo... Feliz Natal para você também... — senti-me culpada por ele não estar ali, afinal eu o havia convidado antes de tudo ficar confuso. — Está de plantão? Depois se quiser pode passar aqui, eu guardo um pedaço de torta de maçã para você. — convidei ao contradizer a minha própria razão. Não adiantava, quando conversava com ele eu não conseguia controlar minha impulsividade.
— Só vou sair amanhã — ele fez uma pausa, eu ia dizer que guardaria um pedaço para quando ele pudesse vir pegar, mas ele soltou o ar. — Talvez possa me trazer na terça aqui no hospital.
— Talvez eu leve — respondi com sinceridade.
— Seria ótimo te ver, sinto sua falta — ele disse em um sussurro.
— Sinto a sua também — quis completar que era da amizade dele que eu tinha saudades, contudo não pude.
O modo como nossas vozes ecoavam me mostrava que essa conversa de noite de natal começava a ir além de felicitações e poderia entrar em questões delicadas. Eu precisava desligar antes que disséssemos algo sem volta.
Ao me despedir de Theo, percebi a frustração dele por não conversarmos mais. Meu coração também se apertou diante do silêncio deixado no quarto, foi então que percebi que eu não conseguiria continuar levando esse relacionamento com tantos não ditos. Eu não prolongaria mais essa situação cheia de sentimentos confusos.
Ouvindo as batidas ansiosas de meu coração, guardei o celular no bolso e fui até a sala. Retirei uma fatia de torta de maçã e guardei na geladeira.
Eu levaria o pedaço de torta na terça para Theo. E nesse dia resolveríamos nossa situação: sairíamos amigos, inimigos ou amantes, mas não mais neutros. O tempo de não resoluções acabaria e eu poderia seguir a diante, se fosse esse o caso.
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