26. Cirurgias - Theo

O sorriso sagaz de Klaus deixava claro o inquérito a ser realizado quando Laís saísse de vista e as portas do elevador se fechassem.

— Amigos? Sei! — Klaus provocou.

Desviei o olhar ao ponderar o que diria: mentiria ou assumiria minha fraqueza. Errei em me manter abraçado a ela além do que a situação pedira e ao sucumbir a meus sentimentos, agora devia uma resposta a meu amigo.

— Na realidade somos apenas amigos — soltei aborrecido. Então suspirei, eu começava a me convencer de que esse sentimento não seria tão passageiro.

— Sei que fica bravo quando digo isso, mas essa Laís pode ser sua chance de recomeçar.

— Não, Klaus. Eu simplesmente não posso me esquecer de Clara, e depois tem minhas cicatrizes, além de Laís estar apaixonada por outro — olhei-o com firmeza, pois esta era uma constatação cristalina em minha mente desde o momento em que tive uma camisa manchada de suco de uva.

— Não estou sugerindo que case com ela — Klaus tentou ser divertido. Então colocou a mão sobre meu ombro, em seu habitual gesto de bom amigo. — Mas vi como olha para essa "ratinha de hospital". Devia mesmo considerar se entregar a esse sentimento, talvez boas coisas resultem disso.

— Não, não estou preparado para isso. E como eu disse ela tem namorado.

— Namoros iniciam e terminam — ele sorriu incentivador. — Quem sabe o que pode acontecer? Apenas pense na possibilidade de se entregar a outro amor, quem sabe isso te ajude. Se não for com Laís, ao menos terá aberto seu coração para novos sentimentos.

As palavras de Klaus me envolveram como um abraço. Há poucas semanas o sentimento de desamparo total havia me abandonado, e sensações esquecidas eram lembradas. Como se meu coração, depois de anos retorcido como uma ameixa seca, começasse a ser hidratado, ganhando novamente sua vitalidade.

Era provável que não estivesse reservado no futuro nenhum envolvimento amoroso entre eu e Laís, mas Klaus tinha razão. Esse sentimento me fazia bem, eu só precisava aprender a lidar com isso de modo que não se tornasse uma mágoa e sim um combustível para empurrar minha vida para planícies mais felizes.

Acenei agradecido a meu amigo quando nos afastamos, ele com destino a pediatria e eu para a emergência.

Não pude evitar sorrir ao atravessar as portas da emergência, pela primeira vez desde minha alta da psiquiatria eu me dirigia ao lugar ao qual eu pertencia.

Andei sem pressa até a sala de reunião onde minha antiga equipe, e também novos integrantes, me esperavam para discutir os procedimentos da próxima cirurgia. Aqueles corredores com portas basculantes, de onde emanavam o cheiro de iodo e materiais esterilizados, nos quais se podia ouvir o sussurro de médicos perdidos entre os bipes contínuos dos aparelhos, era como o som de pássaros em uma manhã de domingo aos meus ouvidos.

Sentia tanta falta dessa rotina. A adrenalina do pré-operatório finalmente corria em minhas veias, acelerava meu coração e trazia-me felicidade. Ao colocar a mão na maçaneta da sala de reunião, puxei o ar com força. Precisei conter a euforia crescente dentro de mim para não rir como um tolo ao entrar.

Confiante, sentei-me diante da enorme mesa oval. Os olhos na sala me fitaram dúbios, sem certeza se eu devia estar ali. A confiança em minha capacidade estava abalada, contudo isso não se sustentaria por muito tempo.

Pigarreei e abri o prontuário da paciente. A equipe que encaminhara a jovem começou a nos dar os detalhes da situação. Ouvi cada um com atenção, eu havia visitado a paciente tão logo o chefe do hospital me dera permissão de retorno à cirurgia. Não era um caso complicado, mas havia muitos detalhes para garantir o sucesso da operação.

Quando chegou minha vez de dar as diretrizes para a cirurgia, soltei o verbo sem acanhamento. E ao terminar, recebi olhares confiantes de toda a equipe.

Eu dissipara as desconfianças, agora podia dizer que não apenas meu cargo havia me sido devolvido assim como meu antigo status de bom cirurgião. Sorri discreto, apreciando a ótima sensação de estar cem por cento de volta aquilo que por muito tempo foi meu único motivo por continuar a respirar.

Deliciei-me em colocar novamente a roupa verde esterilizada com o auxilio da enfermeira. O som característico de aparelhos monitorando os aspectos vitais da paciente, as luzes fortes, a quantidade de pessoas em volta da garota, cada um ocupado com sua função para garantir o sucesso absoluto do momento, me fez respirar rejuvenescido.

Ao sentar-me no banco reservado a mim o mundo lá fora se apagou em minha mente, concentrei-me na mão acidentada a minha espera.

***

Depois da cirurgia, que foi um sucesso, de uma segunda reunião referente à cirurgia marcada para o dia seguinte e algumas suturas em atendimentos na emergência, eu estava pronto para retornar ao meu apartamento sem medo de ter pesadelos sobre o passado.

Ao me aproximar do estacionamento, avistei Laís escorada no meu carro. O que ela fazia ali? Não esperava vê-la novamente tão cedo, pensei que teria tempo de me preparar para ser seu amigo ou me afastar de vez. Agora, eu nem conseguia escolher sabiamente o que dizer. O receio fez meus passos mais lentos em contraste com minha pulsação.

— Oi, só quis ver como tinha sido seu primeiro dia como cirurgião — ela sorriu tímida com as mãos escondidas nas costas, quando finalmente parei a sua frente.

— Foi ótimo. Eu estava com saudades disso — olhei para ela, havia algo diferente. Laís parecia receosa em estar ali. Talvez ela tivesse percebido minhas segundas intenções ao prolongar nosso abraço, aquilo me deixou também confuso. —Por que veio ao hospital na quinta?

— Perdi a terça por que tive visita de uma tia, então vim ler hoje. — ela desviou o olhar acanhada. — Terminei a leitura há algumas horas, mas tive que voltar, pois nós devíamos comemorar. — um grande sorriso se iluminou em seu rosto. — Afinal você conseguiu sua grande conquista. Isso não pode passar em branco. Talvez podemos marcar um sorvete ou algo do tipo, o que me diz?

— É melhor em outro momento, estou cansado. — respondi com alguma secura. Fugindo de meus próprios sentimentos.

— Tudo bem, Theo. — seus olhos emanavam frustração, assim como meu peito por precisar ser tão frio. — Então, até mais — ela se projetou à frente com objetivo de despedir-se. Mas desistiu de me abraçar no meio do gesto, mudando, educada, para me dar dois beijinhos na bochecha.

Aquilo me deu clareza de que ela havia sido afetada por nosso abraço prolongado, ela percebera meu sentimento. Ter o conhecimento disso afundou-me no desejo de ser sincero, não pude pensar em mais nada apenas me entreguei aos comandos de meu coração.

Minhas mãos agiram quase por conta própria, quando segurei seus pulsos com firmeza e puxei Laís contra meu peito, fazendo nossos lábios tocarem-se impetuosamente com a mesma força que o coração pulsava dentro de meu peito.

Ela não me empurrou, apenas se manteve surpresa e sem reação nos rápidos segundos do beijo roubado. O silêncio constrangido preencheu o estacionamento quando nos afastamos.

Eu não devia ter feito isso, era errado!

Olhei para o carro, envergonhado. Ela se mantinha com a mesma expressão de interrogação, como se não soubesse se corria para longe, gritava comigo ou sabe-se lá o que mais. Eu precisava dizer algo para contornar a estranha situação que se agigantava entre nós. Suspirei buscando meu autocontrole perdido.

— Laís, não sei o que dizer. Eu...

Ela respirou fundo e pareceu retomar sua capacidade de raciocinar, olhou-me confusa ao forçar seus lábios em um sorriso educado, o que eu teria preferido que ela não fizesse.

— Você só está feliz por causa de hoje, eu entendo — as palavras saíram tremidas, então ela acenou ligeira. — Preciso ir.

Ao vê-la afastar-se percebi seu desconforto com a situação. Eu havia ultrapassado a barreira de nossa amizade, quando sabia que não devia, agora perigava não ter mais uma amiga. Toda a minha razão dizia que meu ato fora um erro, mesmo assim eu só consegui prestar atenção à vontade de ir atrás dela, envolvê-la em meus braços e revelar meus sentimentos.

Contudo permaneci com os pés cravados no chão, controlado pela razão. Ela amava outro e eu tinha muito peso em meu passado, não havia chance disso evoluir para qualquer relacionamento romântico.

Apenas me restava desejar que nossa amizade sobrevivesse ao meu deslize. Ela tornara-se importante em minha vida e eu não queria perdê-la.



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