23. Leituras - Laís
Eu não conseguia disfarçar a frustração, no final da tarde de terça, por não ter podido ir ao hospital ler as histórias e consequentemente não ter encontrado Theo. Recebemos a visita surpresa da tia de minha mãe e seria falta de educação eu me ausentar, principalmente quando por mais de duas horas eu fui a anfitriã até que minha mãe chegasse do trabalho.
Eu não entendia essa ideia das pessoas virem visitar os outros de surpresa, e se não tivesse ninguém em casa? E depois quem vem em uma terça à tarde? Apenas uma tia aposentada.
Irritada me escondi em meu quarto, com a desculpa que havia um artigo para a revista a ser terminado. O que era verdade, embora eu não conseguia me concentrar nisso agora.
Sentei na cama e comecei a leitura de um livro novo, trazido por minha mãe ontem. Mergulhar nas páginas acalmou-me e por algumas horas eu me deixei imaginar Cauã no lugar do protagonista e pensar como ia ser tê-lo ao meu alcance.
— A tia já vai — minha mãe avisou-me pela porta.
Educada, despedi-me da senhora. Afinal não era intenção dela estragar meus planos para a tarde. Ela era uma boa pessoa, um dos poucos familiares aqui da cidade que víamos com alguma frequência.
— Já convidei a tia para a festa de Natal. — minha mãe me comunicou depois de levá-la até a porta e sentar-se na sua cama para tirar os sapatos. — Que bom que você estava em casa.
— É. — respondi mau-humorada.
Meu celular piscou sobre a cômoda, ansiosa o peguei para ver se Theo havia mandado mensagem. Mas era apenas uma mensagem da operadora com lembretes sobre a aproximação do vencimento de meu saldo. Bufei aborrecida.
— De quem era a mensagem para você ficar tão aborrecida? — minha mãe falou ao colocar uma roupa mais confortável.
— Uma mensagem da operadora, como sempre. — vasculhei a caixa de mensagem. Vai que eu tivesse deixado passar uma mensagem de Theo, mas não havia mesmo nada. Por que me sentia ansiosa por uma mensagem?
— Você não falou mais com o Dr. Theo? — ela me fitou curiosa, quase como se conseguisse ler minha mente. Afastei o olhar confusa. — Pensei que iam combinar algo para o domingo passado, mas você ficou em casa.
— Theo está meio ocupado, cheio de plantões. Eu acho. — Era para eu ter o visto hoje, se a tal tia não tivesse vindo. Quase completei amargurada. Apesar de termos trocado mensagens domingo de madrugada e ele ter dito que não estava chateado, eu só saberia se isso é mesmo verdade ao encontrá-lo. As palavras escritas eram boas em esconder mentiras.
— Quando Cauã chegar o que pretende fazer em relação a Theo? — ela me sondou como se testasse minha resposta.
— Quero apresentá-los — respondi com sinceridade sem compreender sua intenção. — Seria bom que eles fossem amigos. Cauã não tem nenhum amigo aqui e Theo também não tem muitos.
— Não sei se eles se dariam bem.
— Por que não? — questionei com preocupação.
— Conheço pouco o médico, mas acho que Dr. Theo é mais de ver filmes do que de esportes radicais como Cauã.
— Se é por isso eu também — confirmei irritada. — Qual o problema em ser diferente? Se Theo não pode ser amigo de Cauã por ser diferente, está insinuando que eu não posso ser namorada de Cauã?
— É diferente. Os vínculos de amizade são através dos gostos em comum. O namoro deve ser pelo amor — minha mãe olhou-me com seriedade. — Sobre o amor, me preocupa um pouco que quando Cauã vier vocês vão passar muito tempo sozinhos no apartamento.
Eu ainda pensava sobre as diferenças salientadas por ela de amizade e amor, e demorei um pouco a compreender sua última fala.
— Sério, dona Irene! — então, ri. — Já não sou tão jovem para você se preocupar com essas coisas.
— Uma mãe sempre se preocupa. Se você engravidar ou... sua situação é especial, Laís.
— Não farei nada que possa prejudicar minha saúde. — desviei o olhar, um pouco acanhada por ela entrar nesse assunto. — Precisa aprender a confiar em mim.
— Confio, mas tem que me dar um desconto. Ainda é estranho pensar que você terá um namorado.
— Você conhece Cauã há anos.
— Mas antes ele não era o namorado de minha filha. — ela sorriu. — Bem, torci que isso acontecesse, mas não impede de ser ainda estranho.
— Ainda é novidade para mim também. — desabafei. — Fomos amigos tanto tempo, que agora me sinto meio perdida em como ser a namorada dele.
— Um relacionamento é sempre cheio de dúvidas, Laís. Ninguém sabe direito o que fazer. — minha mãe pousou a mão sobre meu ombro e sorriu carinhosa. — Mas se existe amor às coisas vão se ajeitando. — ela pigarreou. — Só não tente apressar tudo. Vocês dois deviam pensar melhor sobre essa ideia dele vir morar aqui.
— Mas se não morarmos na mesma cidade, vamos nos ver quando? Umas duas ou três vezes por ano? Que espécie de namoro seria? — soltei com angustia, por que no fundo eu tinha medo dela estar certa.
Relacionamentos à distância não pareciam muito propícios a terem uma vida longa, e eu esperava que esse não fosse meu caso. Tudo o que eu menos desejava era que eu e Cauã acabássemos naqueles relacionamentos cheios de mágoas e ciúmes por estarmos distante. E que isso além de desfazer nosso namoro ainda prejudicasse nossa amizade. Eu suportaria perder o namorado, mas era impensável perder também a amizade de Cauã.
— Ao menos dê em tempo depois que ele conseguir um emprego, antes de decidirem morar junto. — ela demonstrou preocupação.
— Não irei apressar nada, pode confiar.
— Espero. — minha mãe alertou-me ao sair do quarto.
Eu sorri, pois isso já estava resolvido em minha mente. Não havia chances de morarmos juntos antes de eu acabar a faculdade e conseguir um emprego decente. Já havia ansiedades suficientes sobre o lance de namorados, pensar em morar junto era algo muito distante para entrar em meus pensamentos no momento.
O celular piscou com outra mensagem, novamente da operadora. Aborrecida, ponderei se devia mandar uma mensagem para Theo e combinar algo para o sábado. Afinal seria o último final de semana antes de Cauã vir, e se minha mãe estivesse certa e os dois não se entendessem? Eu teria que dar um jeito de conciliar meu tempo entre os dois.
Acabei por largar o celular na cômoda, era melhor esperar chegar mais perto do final de semana para não parecer tão desesperada, nas últimas mensagens trocadas já tínhamos feito uma pré-combinação de próximas sessões de filmes. Voltei a me concentrar no artigo, embora era difícil não pensar o tempo todo em Theo quando o tema da semana era sobre a relação paciente-médico.
Há poucas semanas eu nem sabia da existência de Theo, e agora eu ficava aqui olhando para o celular a procura de alguma mensagem dele. O que estava acontecendo comigo? De onde vinha tanta ansiedade?
Em vários momentos quis contar para Cauã sobre o desenrolar de minha amizade com Theo, sentia falta de pedir sua opinião. Cauã costumava ser meu confidente, contudo, estranhamente, algo em meu coração gritava que falar de Theo para ele não era certo. Que eu devia estar concentrada na vinda de meu namorado e não imaginando como Theo passara o dia, se ele encontrara boas pequenas coisas, se ele estava em plantão ou havia saído com alguém.
Por que eu pensava sobre essas coisas? Não tinham nenhum sentindo. O que um amigo fazia em seu tempo livre não deveria me tirar o sono. Nunca fiquei remoendo onde Cauã estava nas sextas à noite, se ele havia ou não encontrado alguma garota, o que ele fazia ou não em sua cidade enquanto eu me mantinha presa a uma cama. Talvez eu apenas estivesse preocupada com Theo, afinal ele passara por muita coisa.
Não aguentava mais a angústia de não saber dele e liguei. Sentia-me boba por ter a necessidade de falar com ele e extremamente nervosa a cada toque a espera de ouvir sua voz.
Quando a ligação caiu sem qualquer resposta guardei com frustração o celular e retomei a escrita do artigo. Suspirei, decidida a não deixar isso tirar minha concentração e me fazer perder o prazo de entrega. Havia tantas outras coisas importantes a pensar, que não eram sobre a falta de mensagens de um amigo.
***
A chamada de vídeo de Cauã, no começo da noite, veio como um néctar capaz de me afastar dos pensamentos estressados.
— Como foram as leituras? — Cauã sorriu ao deitar de bruços na cama e olhar para a tela.
— A tia de minha mãe veio, não pude ir — relembrei-me com frustração.
— Puxa, deve estar furiosa — ele riu. — Desde que teve alta definitiva do hospital, você sempre foi nas terças ler. E fala disso quase a semana toda, como se fosse o momento mais legal.
— Estou pensando em ir amanhã para compensar.
A ideia havia surgido de repente, mas ganhara força até quase se tornar uma decisão. Isso fez meu humor melhorar, afinal o que me prendia a ler apenas na terça. Só uma combinação com Claudete, eu poderia ligar e fazer outra. Mas será que Theo estaria no hospital na quarta? Isso não devia ser uma preocupação, não mesmo.
— Vou ter que arrumar algo para fazer nas terças quando estiver aí — ele constatou, me fazendo voltar minha atenção para ele. — Talvez encontrar um grupo para jogar futebol.
— Na praça aqui perto, sempre tem uns caras jogando — comentei animada. A ideia de ele se divertir enquanto eu também fizesse algo que gostava tanto era interessante. Além de que se ele e Theo não se entendessem, esse seria um tempo para eu dar atenção ao meu novo amigo.
— Isso é uma boa notícia — ele bocejou. — Essa semana de provas na faculdade está de matar, a única vantagem é chegar mais cedo e poder falar mais tempo com você.
— Pelo menos vai passar em todas? — provoquei.
— Como sempre — ele riu. — Eu estou precisando relaxar, senão não vou aguentar até sexta.
— Devia ler alguma coisa. Um livro de aventura, talvez? — sugeri empolgada, já imaginava que quando ele viesse, poderíamos ler juntos muitos outros. Ele não gostava de romances melosos, mas haviam vários livros de fantasia e aventura com lindas histórias de amor que poderiam agradar nós dois.
— Estou cansado, e você sugere mais leituras — ele sorriu torto.
— Exatamente — mostrei certa irritação, mas tentei me acalmar. — Ler é relaxante, principalmente se é ficção.
— É mais pra tedioso — ele tentou fazer graça ao revirar os olhos. Quando percebeu que não conseguiu, aproximou-se da tela e me mandou um beijo. — Tudo bem, quem sabe eu tente.
Sorrindo vitoriosa comecei a fazer uma lista de possíveis livros que ele poderia gostar. Os acenos entediados de Cauã me dizia que ele não procuraria nenhum. Suspirei em desistência e o deixei falar com empolgação sobre os preparativos para o acampamento de despedida de seus amigos, pois no outro final de semana ele viria para meus braços.
Enquanto ele falava animado, sua fala me contagiava como sempre. Eu não podia evitar suas histórias eram interessantes. No entanto, eu me perguntava se não éramos diferentes demais, ao ponderar a conversa com minha mãe. Nossas ideias de divertimento eram quase contrárias, e por mais que eu sonhasse em como seria estar com ele, eu não sabia ao certo como seria a realidade.
Quando eu estava doente, ele passara no máximo uma semana comigo. Minha condição de saúde nos limitava a programas que envolvessem filmes, TV e conversas. Mas eu sabia como era difícil para ele se manter parado por muito tempo.
Agora, se ele viesse para ficar, teríamos que aprender a dosar minha calma com sua agitação. Eu não sabia muito como isso se daria. Talvez pudéssemos combinar de cada um fazer um pouco o que agrada o outro, ou separarmos um tempo só nosso no qual cada um faz o que prefere.
— Vi na internet que tem uma praça grande aí na qual alugam bicicletas — ele comentou eufórico. — Já coloquei em nossa lista de coisas pra fazer.
— Andei quando era bem pequena. Não sei se ainda lembro. — confidenciei.
— Eu te ajudo, nunca iria te deixar cair — Cauã sorri ao falar. O brilho nos olhos dele me contagiou.
— Eu sei — confirmei entusiasmada.
Minha mãe tinha razão, os diferentes interesses não pareciam ter muito peso em um relacionamento romântico. Eu estava disposta a fazer nosso namoro dar certo, por que Cauã era especial para mim. Eu começava a ter certeza de que quando ele viesse, nossas diferenças seriam diluídas nos saborosos beijos. Era só me concentrar nesse pensamento e eu poderia recuperar minha paz, assim eu esperava.
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