13. Convite - Laís
Sobre a mesinha de centro à frente do sofá, minha mãe largou a correspondência ao entrar no apartamento.
— Chegou algo para mim? — questionei ansiosa, ao largar o livro que lia no sofá e esticar-me em direção as cartas, eu queria conferir se o meu papel da matrícula da faculdade chegara.
Como de costume, havia as contas. Analisei com certo alívio a conta de luz, um pouco mais baixa do que no mês anterior. Quando começasse a pagar a faculdade, mesmo sendo à distância e por isso tendo um preço mais ameno, o orçamento se apertaria um pouco mais e minha "neura" com os valores das contas seria maior.
Junto dos papéis das contas e de panfletos de propaganda, encontrei um envelope destinado à minha mãe. Curiosa, corri até o quarto para entregá-lo. Ela estudou o envelope e sorriu:
— Parece que é de minha antiga faculdade.
— Abra logo!
Apoiei a cabeça em seu ombro, interessada. Ela abriu o envelope e leu o que parecia um convite, com atenção.
— É uma dessas festas para reunir a turma depois de vinte anos. — largou com desdém a folha sobre a cama e calçou seu chinelo. — Já tinham me mandado a dos quinze anos.
— Você foi? — pronuncie, louca para ouvir o relato sobre a antiga festa. Como eu gostava de ouvir histórias de vidas!
— Não, — ela engoliu em seco e desviou o olhar. — eu não podia me ausentar de seu lado.
— Oh, — cortou meu coração saber de mais isso em que minha doença atrapalhou minha mãe. Isso não podia se repetir. — Mas vai nesse, né?
— Acho que não. — ela deu de ombros. Era a festa de antigos colegas da faculdade, colegas que ela sempre falou tão bem. Por que ela não queria ir?
— Você deve ir! — peguei o papel e coloquei novamente na mão dela, não a deixaria mais perder momentos preciosos de sua vida por minha causa. — Vá, será divertido! Vai rever sua turma de faculdade, da qual tantas vezes me falou tão bem. Será um ótimo divertimento.
— Não sei, Laís. — ela olhava para o convite com dúvida. — São vinte anos, as pessoas estarão diferentes e eu também estou.
— Continua linda — passei o braço em volta do pescoço dela, olhando-a em conjunto pelo espelho e sorrindo. Por que ela estava tão insegura? Será que desaprendeu a se divertir? — Deveria ir, aposto que será bem legal.
— Será sábado à noite. Combinamos de ver uns filmes — ela lembrou.
— Podemos fazer isso outra noite — disse firme, disposta a não deixá-la se autossabotar.
— Mas você vai ficar sozinha. — ela insistiu.
Olhei-a por alguns segundos. Eu precisava fazer algo. Precisava tirar qualquer chance de mais desculpas. Tinha que me ocupar no sábado e tornar sua companhia desnecessária. Sorri ao ter a ideia perfeita.
— Não se preocupe, eu convido Dr. Theo para me fazer companhia. Assim você pode ir se divertir na festa sem culpa. — quero ver você sair dessa, dona Irene! Que outra desculpa vai dar? Fitei-a me sentindo a mais inteligente. Isso era meio bobo, mas não pude evitar.
— Dr. Theo, hein? Parece que estão bem amiguinhos — ela implicava comigo, eu sentia.
— Devia tentar o mesmo. É hora de conseguir novos amigos, dona Irene. — Devolvi sua implicância e ignorei suas insinuações, afinal estavam equivocadas. Eu desconfiava que ela apenas quisesse fugir do assunto anterior. — Mãe, você vai à festa, nem que eu precise te levar. É isso que vai acontecer.
Minha mãe abriu a boca para retrucar, mas não lhe dei chance. Afastei-me dela com rapidez para ir preparar a janta. Sentia-me culpada por ter tomado tantos anos de minha mãe e, agora que estava bem de saúde, era hora de ela começar a viver a própria vida novamente. Ela merecia mais do que ninguém.
***
Ao chegar no hospital para a sessão de leitura, fiz Claudete ligar para a emergência. Não tinha certeza se era correto ou não procurar Theo dessa forma, mas desde a sorveteria eu me sentia à vontade ao lado dele como era quando conversava com Cauã. Por isso, talvez, pudesse levar adiante essa nova amizade igualmente como sempre fiz com Cauã, agindo impulsivamente sem medo.
— Theo, eu não queria incomodar. — fui direto ao assunto no telefone, ele devia estar ocupado na emergência. — Minha mãe tem um jantar com antigos colegas no sábado, é importante que ela vá. Mas ela só fará isso se souber que eu estarei ocupada. Sendo assim, quer ver um filme lá em casa nesse dia?
— Eu não tenho nenhum plantão programado, podemos marcar sim.
— Ótimo! Te vejo no sábado.
Preparei-me para desligar, mas ouvi a voz dele ao fundo, me fazendo regressar o aparelho ao ouvido.
— Achei muito interessante sua entrevista para a TV.
— Você viu? — fiquei acanhada, não queria que ninguém conhecido tivesse assistido. Por sorte, consegui que minha mãe não visse e até mesmo Claudete parecia ter esquecido.
— Na entrevista você parece uma pessoa diferente... — ele engoliu em seco como se buscasse palavras para descrever o que eu teria definido como uma pessoa triste. — Mais verdadeira.
Como responder a isso? Eu gostava mais quando as pessoas me viam como alguém otimista incapaz de sofrer com as dificuldades da vida e da morte. Houve um silêncio constrangedor.
— Vou escolher filmes divertidos, acho que precisamos disso. — por fim ele disse, ao perceber o clima pesado no ar. — Até sábado, Laís.
— Tchau, Theo.
Ao ter minha máscara de otimismo arrancada por ele, não parecia uma boa ideia tê-lo convidado. Não sabia como agir diante das pessoas quando elas conheciam meu verdadeiro íntimo, igualmente assustado como o de todas as outras pessoas. Mas por outro lado, eu queria uma amizade sincera, não queria? E era justo que isso valesse para nós dois. Suspirei e afastei os receios de minha mente.
***
Apenas no sábado à tarde, os papéis da matrícula para a faculdade chegaram. Antes de qualquer coisa tirei uma foto deles para mostrar para Cauã, queria surpreendê-lo ao ver o curso que escolhi. Sabia que ele diria que Letras era um curso sem muita adrenalina, ao contrário do de Educação Física, para ele tudo na vida devia envolver certa agitação. Mas, mesmo que ele não se agradasse de Letras iria me ouvir falar animada durante dias sobre isso sem reclamar.
Apesar de minha vontade em falar com ele nesse momento, isso só poderia acontecer na segunda, pois ele estava incomunicável acampando em um lugar remoto nesse final de semana. Eu estava acostumada a esperar, mas a cada dia eu parecia ter mais saudades e vontade de tê-lo comigo.
Agora faltava pouco, em algumas semanas ele estaria ali ao alcance de meus abraços e passaríamos uma eternidade de horas com conversas sobre qualquer coisa que viesse em nosso coração.
Sorri sonhadora e me dediquei em ler e reler os papéis enviados pela faculdade, como se quisesse decorar todas as linhas. Antecipei-me em separar o nome de alguns livros indicados para o primeiro semestre, decidida a procurá-los na biblioteca municipal assim que possível, mesmo que o semestre só se iniciasse dali dois meses.
Apenas o movimento intenso de minha mãe pelo quarto enquanto escolhia uma roupa para a festa de reencontro de sua turma, foi capaz de me tirar de cima daqueles papéis. Sentei na cama, divertindo-me com a aparente indecisão dela.
Após trocar de roupa pela quinta vez foi que minha mãe pareceu ficar satisfeita com sua escolha, um vestido azul marinho, que a deixava realmente elegante. Como ela não tinha namorados? Ela era bem bonita para sua idade.
Pensar em minha mãe desta forma, como uma mulher com vida própria era novidade para nós duas. Eu só esperava que ao menos agora ela pudesse ter uma vida mais feliz, voltando a fazer as coisas que tanto lhe davam prazer antes de minha doença.
Pronta, minha mãe sentou-se no sofá enquanto eu me preocupava em organizar algo para servir para Theo quando ele viesse mais tarde. O modo como minha mãe me observava transparecia seu nervosismo, ela devia ter alguma expectativa com esse jantar e eu torcia para que tudo desse certo.
— Fiz suco natural de morango para vocês, também tem arroz com legumes, é só grelhar um peixe. — ela pronunciou-se rapidamente e fez menção de levantar-se. — Quer que eu deixe pronta uma salada antes de sair?
— Sei me virar, mãe. E depois vai acabar sujando esse seu vestido lindo. — sorrindo segurei a mão dela. — Fique tranquila, estarei bem.
O interfone tocou. Minha mãe deu um pulo, tamanha era a sua ansiedade. Divertindo-me com a cena abri pelo interfone para Theo e o esperei de porta aberta.
— Oi. Trouxe dois filmes, para garantir que um seja bom dessa vez. — ele sacudiu as caixas de DVD, enquanto mantinha um discreto sorriso nos lábios.
Animada pequei as capas para ler as sinopses enquanto Theo cumprimentava, educado, minha mãe. Ele manteve-se tímido com as mãos no bolso, quando minha mãe se levantou ajeitando o vestido e pegou a bolsa. Ela suspirou ao dar-me um beijo na testa de despedida.
— Laís, se precisar é só ligar, não sairei de perto do celular.
— Sra. Irene, vá tranquila. Sou médico. — Theo tentou um sorriso divertido, mas ficou mais próximo a uma careta. — Trouxe todos os aparelhos de primeiros socorros.
— Vocês são uns debochados — minha mãe sorriu aliviada. E ao atravessar a porta em direção ao elevador, acenou. — Tenham uma boa noite.
— Uma ótima festa para você, mãe. — sacudindo a cabeça e rindo da preocupação exagerada dela, fechei a porta. — Minha mãe nunca vai perceber que já passei dos doze anos.
— Mães são assim mesmo. — ele sorriu sincero e encarou-me travesso. — Laís, abra a porta para mim, deixei uma coisa no carro.
— Não vai dizer que trouxe mesmo uma caixa de primeiros socorros? — o provoquei curiosa quando ele saiu sem me contar qual era a surpresa.
Em expectativa o esperei de porta aberta. Quando Theo voltou, ele tinha as mãos nas costas e um sorriso arteiro nos lábios. Gostei disso, era tão mais fácil estar ao lado de Theo quando ele abandonava o constante abatimento. Ele trouxe as mãos para frente, e eu sorri ao ver uma caixa de pizza.
— Pensei que gostaria disso.
— Seu louco! — dei-lhe um tapinha no ombro. — Se minha mãe visse, teria feito um sermão de duas horas.
— Por isso deixei no carro. — ele colocou a pizza sobre a pequena mesa de jantar. — Mas não abusei tanto, peguei brócolis com milho, vegetariana e... — olhou-me com culpa. — Não resisti e trouxe também quatro queijos.
— Parece ótima — ansiosa para provar a pizza, peguei com rapidez os pratos e talheres e sentei-me à mesa, Theo sentou-se a minha frente.
Sem pressa saboreava a consistência do queijo derretido, Theo não tinha toda essa paciência e já estava indo para o segundo pedaço.
— Então, quando seu namorado chega? — ele puxou uma conversa causal.
— Ele ainda não é exatamente meu namorado — tentei explicar.
— Ah, é uma amizade colorida. — Theo pareceu constatar para si.
— Acho que éramos isso antes, mas agora meio que tentamos ver o que acontece. — olhei para ele com receio que ele não houvesse compreendido. No entanto, não tínhamos tanta afinidade assim em nossa nova amizade para que eu começasse a discorrer horas e horas sobre meu relacionamento com Cauã. Puxei o ar, não dando espaço para que ele fizesse mais perguntas. — Mas isso deve se revolver quando ele chegar na semana do Natal. Não vejo a hora. — sorri animada com uma nova ideia. — Quando ele vier, vamos combinar uma sessão de filmes, assim vocês se conhecem. Vai ser divertido.
— Podemos combinar.
A ideia de ver Theo e Cauã dando-se bem era deliciosa, afinal quem não quer que seus amigos também sejam amigos?
Pensativa, coloquei mais um pedaço da pizza na boca e deixei a mente viajar para passeios interessantes que eu faria abraçada em Cauã e na companhia de Theo. Tudo estava dando certo, eu previa que seria as melhores férias de todas, ou a primeira de tantas outras maravilhosas.
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